Bem trabalhadas, as tradições poderão tornar a sociedade e a convivência entre africanos/guineenses melhores.
Mas, é preciso distinguir aquilo que é benéfico e que deve
ser preservado, daquilo que põe em causa o bem-estar e
a dignidade dos cidadãos.
Respondendo
a algumas questões dos aspectos
fundamentais para enriquecer este debate, nomeadamente:
a) Sobre a questão da transmissão de doenças infecto-contagiosas (SIDA, etc.), é lógico que a poligamia
contribui para a propagação dessas doenças, já que basta um dos elementos (o
homem ou uma das mulheres) estar contaminado para que todos possam contrair a
doença. Não é por acaso que uma elevada taxa dessas doenças infecto-contagiosas (SIDA, etc.) é registada nos países
onde a poligamia vigora para a esmagadora maioria da população. A poligamia poderia não ter tanto
impacto nas sociedades africanas/guineenses, caso houvesse uma baixa taxa de
analfabetismo e um forte investimento na Educação, Saúde e combate à pobreza e
outras formas de desigualdades sociais. Na
Suazilândia (tal como na África do Sul, Moçambique, etc.), por exemplo, cerca de 70% dos habitantes
vivem abaixo da linha de pobreza e verifica-se uma das maiores taxas de HIV-SIDA do
mundo.
b) Em relação a implicação do princípio de “4 dona” da
Constituição da República da Guiné-Bissau, afirmo que
a crispação face aos mestiços é evidente na lei guineense (e em
quase todo o mundo), que nega
o acesso a postos de chefia no Governo a todos aqueles que não tenham quatro avós guineenses (CRGB, 1996: art.-63º;
Kosta, 2007: 221, 712-718; Silva, 2010: 9, 221). Esta lei viola a Declaração
Universal dos Direitos do Homem e o art.-24º da CRGB que consagra o princípio
da igualdade. Também constitui um contra-senso num contexto em que muitos guineenses gozam de dupla nacionalidade e, cujos avós não possuem certidões de registo de nascimento.
Na situação em que a Guiné-Bissau se encontra e no mundo actual em que vivemos, não faz sentido ter uma lei destas.
Isto demonstra a falta
de igualdade e tolerância que se vive num país multicultural, cujo povo
deriva de uma grande diversidade
étnica transversal aos seus longos séculos de história.
c) A desigualdade entre os homens e mulheres é também transparente, em
especial, na tradição da
Guiné-Bissau, que é um sistema que favorece
os homens, marginalizando de forma brutal e progressiva as mulheres. Hoje na Guiné-Bissau contam-se no total mais de 120 Régulos/Chefes tradicionais de diferentes etnias, em mais de 30 grupos e mais de 100 subgrupos étnicos - e todos eles são homens. Tudo isso faz com que poucos guineenses saibam que tipo de tratamento devem dar às suas mulheres face à política de igualdade de género/sexual que se defende actualmente.
Como Sociólogo e Politicólogo acredito que, salvo raras excepções, a mulher
tem um papel de subjugação e humilhação na cultura
guineense, que deriva do cumprimento de normas tradicionais criadas há séculos e que continuam a legitimar o Poder patriarcal. E questiono, porque é que um homem com várias mulheres é admirado e uma mulher com um amante é desprezada tanto em público como pela sua família? Em jeito de moderação,
a valorização
de um povo tem de passar sempre pela valorização da mulher como fonte
primária de conhecimento e desenvolvimento de
uma nação. Este é um tema de interesse para todos os seres humanos, porque
todos têm ligação incontornável com uma mulher ao longo da sua
vida (mãe, irmã, esposa, tia, etc.). Por outras palavras não faz sentido
ter um mundo onde o filho tem mais direitos do que a sua mãe, de
quem, aliás, porventura, herdou as suas melhores qualidades (Astelarra, 2005: 57-58; Cardoso,
2010: 24; Djaló, 2012: 93-97; Ferreira, V., 2000: 17; Keane, 2009: 561; Mendes,
2010: 58, 84, 96; Santos, 2003: 45-48, 126).
d) Ligado
ainda à tradição guineense, posso referir, por um lado, as elevadas despesas de cerimónias em
homenagens aos espíritos, baseadas em crenças tradicionais. Refiro-me às
grandes despesas efectuadas com cerimónias como o “toca choro”,
pelos familiares, em
particular os filhos de uma pessoa que faleceu.
Por outro lado, o Régulo manjaco para ser entronizado deve levar muitas cabeças de gado
bovino ao chefe dos chefes em Baceâral.
Antigamente, para este acto, o Régulo deveria levar 150 cabeças de gado bovino (Touros/Vacas)
até Baceâral (Djaló, 2012: 94-95; Kosta, 2007: 161-218, 254-276; Mendes, 2010:
85). São apenas dois exemplos de como se gastam fortunas que poderiam ser investidas em Alimentação, Educação e Saúde, e
que abre grandes vagas de
pobreza para os guineenses.
Ou seja: se os mesmos bens despendidos nos actos das cerimónias
fossem investidos na saúde da
vítima durante o tempo de vida, talvez a tivessem salvado e a sua
vida teria mais utilidade para família e para sociedade em geral (Mendes, 2010: 85; Nóbrega,
2003: 62-66).
Portanto, se para um
bom entendedor meia palavra basta, fica de pé a dúvida se um homem com
muitas mulheres trabalha, e se consegue satisfazê-las todas ou admite
implicitamente que elas se envolvem com outros homens (uma vez que deposita
mais confiança no filho da sua irmã para sucedê-lo no Trono/Poder), entre
muitas outras questões…E resta saber: se Amílcar
Cabral fosse vivo, teria ou
não imensos problemas com os seus pseudo-seguidores,
defensores, porta-vozes – «os [Neo]cabralistas» - em relação ao
que estes dizem de/sobre ele e propõem para África/Guiné-Bissau? Deixarei
estes assuntos para os próximos posts, onde apresentarei também
algumas propostas de mudança, lembrando
aos caríssimos leitores para prepararem os seus escudos, porque vou atacar em diagonal e em profundidade (até 20 de Janeiro),
com conjecturas e refutações das teses e contra-teses do [sobre o] assassinato de Cabral.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo
Francisco (2015). Modelo
Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 245-246; 250-252; 256; 265). Lisboa: Chiado Editora.
A todos os leitores desejo continuação de boas leituras e uma excelente
entrada em 2016!