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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Impactos da tradição africana/guineense – Parte III: Ainda alguns aspectos que podem ser melhorados


Bem trabalhadas, as tradições poderão tornar a  sociedade e a convivência entre africanos/guineenses melhores. Mas, é preciso distinguir aquilo que é benéfico e que deve ser preservado, daquilo que põe em causa o bem-estar e a dignidade dos cidadãos.
Respondendo a algumas questões dos aspectos fundamentais para enriquecer este debatenomeadamente:
a) Sobre a questão da transmissão de doenças infecto-contagiosas (SIDA, etc.), é lógico que a poligamia contribui para a propagação dessas doenças, já que basta um dos elementos (o homem ou uma das mulheres) estar contaminado para que todos possam contrair a doença. Não é por acaso que uma elevada taxa dessas doenças infecto-contagiosas (SIDA, etc.) é registada nos países onde a poligamia vigora para a esmagadora maioria da população. A poligamia poderia não ter tanto impacto nas sociedades africanas/guineenses, caso houvesse uma baixa taxa de analfabetismo e um forte investimento na Educação, Saúde e combate à pobreza e outras formas de desigualdades sociais. Na Suazilândia (tal como na África do Sul, Moçambique, etc.), por exemplo, cerca de 70% dos habitantes vivem abaixo da linha de pobreza e verifica-se uma das maiores taxas de HIV-SIDA do mundo.
b) Em relação a implicação do princípio de “4 dona” da Constituição da República da Guiné-Bissau, afirmo que a crispação face aos mestiços é evidente na lei guineense (e em quase todo o mundo), que nega o acesso a postos de chefia no Governo a todos aqueles que não tenham quatro avós guineenses (CRGB, 1996: art.-63º; Kosta, 2007: 221, 712-718; Silva, 2010: 9, 221). Esta lei viola a Declaração Universal dos Direitos do Homem e o art.-24º da CRGB que consagra o princípio da igualdade. Também constitui um contra-senso num contexto em que muitos guineenses gozam de dupla nacionalidade e, cujos avós não possuem certidões de registo de nascimento. Na situação em que a Guiné-Bissau se encontra e no mundo actual em que vivemos, não faz sentido ter uma lei destas. Isto demonstra a falta de igualdade e tolerância que se vive num país multicultural, cujo povo deriva de uma grande diversidade étnica transversal aos seus longos séculos de história.
c) A desigualdade entre os homens e mulheres é também transparente, em especial, na tradição da Guiné-Bissau, que é um sistema que favorece os homens, marginalizando de forma brutal e progressiva as mulheres. Hoje na Guiné-Bissau contam-se no total mais de 120 Régulos/Chefes tradicionais de diferentes etnias, em mais de 30 grupos e mais de 100 subgrupos étnicos - e todos eles são homens. Tudo isso faz com que poucos guineenses saibam que tipo de tratamento devem dar às suas mulheres face à política de igualdade de género/sexual que se defende actualmente.
Como Sociólogo e Politicólogo acredito que, salvo raras excepções, a mulher tem um papel de subjugação e humilhação na cultura guineense, que deriva do cumprimento de normas tradicionais criadas há séculos e que continuam a legitimar o Poder patriarcal. E questiono, porque é que um homem com várias mulheres é admirado e uma mulher com um amante é desprezada tanto em público como pela sua família? Em jeito de moderação, a valorização de um povo tem de passar sempre pela valorização da mulher como fonte primária de conhecimento e desenvolvimento de uma nação. Este é um tema de interesse para todos os seres humanos, porque todos têm ligação incontornável com uma mulher ao longo da sua vida (mãe, irmã, esposa, tia, etc.). Por outras palavras não faz sentido ter um mundo onde o filho tem mais direitos do que a sua mãe, de quem, aliás, porventura, herdou as suas melhores qualidades (Astelarra, 2005: 57-58; Cardoso, 2010: 24; Djaló, 2012: 93-97; Ferreira, V., 2000: 17; Keane, 2009: 561; Mendes, 2010: 58, 84, 96; Santos, 2003: 45-48, 126).
d) Ligado ainda à tradição guineense, posso referir, por um lado, as elevadas despesas de cerimónias em homenagens aos espíritos, baseadas em crenças tradicionais. Refiro-me às grandes despesas efectuadas com cerimónias como o “toca choro”, pelos familiares, em particular os filhos de uma pessoa que faleceu. Por outro lado, o Régulo manjaco para ser entronizado deve levar muitas cabeças de gado bovino ao chefe dos chefes em Baceâral. Antigamente, para este acto, o Régulo deveria levar 150 cabeças de gado bovino (Touros/Vacas) até Baceâral (Djaló, 2012: 94-95; Kosta, 2007: 161-218, 254-276; Mendes, 2010: 85). São apenas dois exemplos de como se gastam fortunas que poderiam ser investidas em Alimentação, Educação e Saúde, e que abre grandes vagas de pobreza para os guineenses. Ou seja: se os mesmos bens despendidos nos actos das cerimónias fossem investidos na saúde da vítima durante o tempo de vida, talvez a tivessem salvado e a sua vida teria mais utilidade para família e para sociedade em geral (Mendes, 2010: 85; Nóbrega, 2003: 62-66).
Portanto, se para um bom entendedor meia palavra basta, fica de pé a dúvida se um homem com muitas mulheres trabalha, e se consegue satisfazê-las todas ou admite implicitamente que elas se envolvem com outros homens (uma vez que deposita mais confiança no filho da sua irmã para sucedê-lo no Trono/Poder), entre muitas outras questões…E resta saber: se Amílcar Cabral fosse vivo, teria ou não imensos problemas com os seus pseudo-seguidores, defensores, porta-vozes  «os [Neo]cabralistas» - em relação ao que estes dizem de/sobre ele e propõem para África/Guiné-Bissau? Deixarei estes assuntos para os próximos posts, onde apresentarei também algumas propostas de mudança, lembrando aos caríssimos leitores para prepararem os seus escudos, porque vou atacar em diagonal e em profundidade (até 20 de Janeiro), com conjecturas e refutações das teses e contra-teses do [sobre o] assassinato de Cabral.

 Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 245-246; 250-252; 256; 265). Lisboa: Chiado Editora.

A todos os leitores desejo continuação de boas leituras e uma excelente entrada em 2016!

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Impactos da tradição africana/guineense – Parte II: Aspectos Negativos

Este post trata de alguns efeitos negativos da tradição africana/guineense e deverá ser articulado com o anterior texto da Parte I, que se debruça sobre alguns aspectos positivos. Como já vos disse, só olhando para estas duas facetas podemos compreender a importância da tradição na sociedade africana/guineense, com destaque para o debate dos prós & contras a importação/cópia de modelos ocidentais.

A esmagadora maioria das tradições da África/Guiné-Bissau caracteriza-se pela “extensibilidade” e pela poligamia. Em África (e em particular na Guiné-Bissau) não é normal uma mulher ter mais do que um marido em simultâneo (poliandria), pois o habitual é um homem ter várias esposas ao mesmo tempo (poligamia) (Dias, 1974 citado por Djaló, 2012: 25-29; Mendes, 2010: 18, 64-65, 81-84).
Com base nesta ordem de ideias, posso destacar alguns aspectos negativos da poligamia de certos [sub]grupos étnicos. Por exemplo, um dos problemas da tradição africana/guineense está nos usos e costumes da esmagadora maioria das etnias, onde são os homens e os Régulos/Chefes tradicionais que detêm os Poderes de decisão para escolherem as mulheres com quem querem casar. Um bom exemplo disto é, por um lado, Ocante Adjibane, Régulo entre os Manjacos, que diz sobre a sua vida em 1955: «Na altura em que comecei a ser Régulo, as coisas eram diferentes. O uso era mais forte que a lei [colonial]. Era o uso que mandava. Era o Régulo que mandava. Casava com quem quisesse e nessa altura tinha-me casado com 33 mulheres» (Carvalho, 2000: 48).
Por outro lado, O próprio Amílcar Cabral considerava que, em Africa e na Guiné-Bissau, o «sistema económico e social era de escravatura, embora com características próprias», mesmo antes de os “brancos/europeus” iniciarem a escravatura. Ou seja, «os rapazes de um Régulo não são mais do que escravos […] dão-lhes comida, têm filhos, mas todos os filhos são criados [escravos] daquele mesmo homem “grande”! […] Então para nós africanos, com a nossa ideia de escravatura, estávamos abertos para arranjar escravos para outra gente». Com estas palavras, Amílcar Cabral legitima aquilo que alguns brancos/portugueses justificavam como «comprar escravos que já eram escravos» e aquilo que Frantz Fanon defendia – «muitas vezes, o inimigo do negro/africano não é o branco/europeu, mas o seu congénere» negro/africano (Cabral, 2008: 112, 121-122; Carvalho, 2003: 37–43, 53-55; Fanon, 1980: 21; Kosta, 2004: 62-83; 2007: 160-247; Nóbrega, 2003: 165-166; Oramas, 1998: 60-61, 136-137).
Estas palavras de Amílcar Cabral e do Régulo Ocante Adjibane são ainda muito actuais, uma vez que se tem assistido actualmente a uma revitalização e recuperação das figuras de Poderes tradicionais, e em muitos lugares da Guiné-Bissau ainda é o Régulo que manda. Pela mesma diversidade étnica guineense, quase todos os [sub]grupos étnicos têm a poligamia como prática de casamento, da qual nascem, geralmente, muitos filhos que vão constituir a força produtiva principal e, por conseguinte a força geradora de rendimentos para a família e para a comunidade (Carvalho, 2000: 48; Lopes, 1982: 34-35). O facto de os africanos em geral, e os guineenses em particular, insistirem em ter várias mulheres e dezenas de filhos, contribui, muitas vezes, para o agravamento da pobreza. Porque acaba por ser quase impossível para algumas pessoas garantirem sustento para famílias tão numerosas. Para além disto, se não houver forma de sustentar numerosos filhos, acabará por não haver meios para os mandar para a escola (e assegurar os seus estudos), agravando os problemas de analfabetismo e iliteracia de que padece a África/Guiné-Bissau. Mas o pior de tudo é quando a falta de meios incentiva o chefe da família a recorrer a actos desviantes como forma de fazer cobro à referida situação, tais como o acto de dar em casamento raparigas menores, o roubo, a corrupção, o narcotráfico, etc.
O meu ponto de vista como Sociólogo e Politicólogo africano/guineense bate também na mesma tecla que as ideias dos Sociólogos Zygmunt Bauman e Anthony Giddens, e do Papa Francisco relativamente aos filhos nas sociedades desenvolvidas contemporâneas. Nesta linha do pensamento, o Papa Francisco advertiu que não é preciso ter “filhos como coelhos” para ser considerado um “bomcatólico/pai. Nesta advertência, o Papa declarou ainda que o número ideal de filhos por casal, geralmente recomendado por especialistas, é de três crianças. A autoridade máxima da Igreja católica argumentou que é preciso usar a razão para que a sociedade se consciencialize da importância de uma “paternidade responsável”. Esta chamada de atenção do Papa está em sintonia com o pensamento Sociológico de Zygmunt Bauman e Anthony Giddens, quando dizem que o filho deixou de ser uma fonte de mão-de-obra para constituir um passaporte para a “imortalidade” de cada um. Ou seja, as nossas atitudes em relação aos filhos e às formas de os proteger alteraram-se radicalmente durante as últimas gerações. Apreciamos tanto os filhos, em parte, porque eles se tornaram muito raros, e em parte, porque a decisão de ter um filho tem motivações diferentes das que tinha em gerações anteriores. Na família tradicional, os filhos eram um recurso de natureza económica. No mundo dos nossos dias, um filho constitui, pelo contrário, um pesado fardo financeiro e social para os pais. Ter um filho é uma decisão mais pesada e amadurecida do que costumava ser, porque exige uma decisão induzida por necessidades psicológicas, emocionais, sociais, económicas e políticas (Bauman, 2001: 62; Diário da Manhã, 20-01-2015; Giddens, 2006: 64; Mendes, 2010: 64).
São estes ensinamentos que os defensores da poligamia e da tradição precisam de transmitir aos africanos/guineenses em geral, e aos mais de 120 Régulos/Chefes tradicionais em particular na Guiné-Bissau, todos eles homens (Kosta, 2007: 277-281).
Este post já vai muito longo, mas há ainda muitos aspectos fundamentais para enriquecer este debate, nomeadamente: a questão da transmissão de doenças infecto-contagiosas (SIDA, etc.), a implicação do princípio de “4 dona” da Constituição da República da Guiné-Bissau, a desigualdade entre os homens e mulheres, a dúvida se um homem com muitas mulheres trabalha, e se consegue satisfazê-las todas ou admite implicitamente que elas se envolvem com outros homens (uma vez que deposita mais confiança no filho da sua irmã para sucedê-lo no Trono/Poder), etc. Deixarei estes assuntos para o próximo post, onde apresentarei também algumas propostas de mudança.

            Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 239-240; 251-254). Lisboa: Chiado Editora. 

domingo, 27 de dezembro de 2015

Impactos da tradição africana/guineense – Parte I: Aspectos Positivos

Este post trata de alguns efeitos positivos da tradição africana/guineense e deverá ser articulado com o próximo texto, que se debruçará sobre alguns aspectos negativos. Só olhando para estas duas facetas podemos compreender a importância da tradição na sociedade africana/guineense.



A esmagadora maioria das tradições da África/Guiné-Bissau caracteriza-se pela “extensibilidade” e pela poligamia. Em África (e em particular na Guiné-Bissau) não é normal uma mulher ter mais do que um marido em simultâneo (poliandria), pois o habitual é um homem ter várias esposas ao mesmo tempo (poligamia) (Dias, 1974 citado por Djaló, 2012: 25-29; Mendes, 2010: 18, 64-65, 81-84).
Com base nesta ordem de ideias, posso destacar alguns aspectos positivos da poligamia de certos [sub]grupos étnicos, por exemplo, uma das questões importantes da tradição africana/guineense está no facto de ter, indirectamente, fornecido à ciência moderna  “ocidental/europeia”  pistas e intuições para as suas descobertas. Embora ninguém tenha referido esta questão explicitamente, considero que os valores associados à matrilinhagem como critério da herança do reinado constituem pistas primitivas para as descobertas efectuadas sobre o ADN. Quem herdava do Régulo era o filho da sua irmã, porque, ao contrário dos seus filhos (que poderiam não ser seus, caso as suas mulheres fossem infiéis), ele tinha a certeza que os seus sobrinhos por parte da sua irmã eram realmente do seu sangue. Ou seja, as tradições antigas, apesar de aparentemente atrasadas, revelavam algumas intuições que só viriam a ser confirmadas mais tarde pela ciência. Aparentemente poderá parecer que este sistema de matrilinhagem esconde uma atitude de valorização da mulher (neste caso, a irmã do Régulo). No entanto, apenas demonstra que a tradição valoriza os laços de sangue, os únicos vínculos fortes o suficiente para escaparem à desconfiança masculina (Kosta, 2007).
Nesta linha de pensamento, Karl Popper (1902-1994) legitima, por um lado, este ponto de vista quando apresenta esta mesma ideia nos seus livros «O Mito do Contexto» e «Conjecturas & Refutações», ao referir que os mitos pré-científicos podem conter importantes antecipações de teorias científicas que poderão só se desenvolver muito mais tarde (Popper, 2006: 62; 2009: 69-70, 250). E, Paul Feyerabend (1924-1994), por outro lado, devido ao seu forte humanismo e à preocupação com o respeito por todas as formas de conhecimento, reconhece que existem diferentes tipos de ciência além da ciência ocidental que, em muitos casos, em nome do “progresso”, destruiu, em muitos locais do mundo (em especial, África/Guiné-Bissau), conhecimentos valiosos e significativos. Indo mais longe, Feyerabend defende que não existe uma fronteira entre ciência e não ciência ou entre ciência e história. Ao contrário, a ciência deve olhar para tudo o que está ao seu dispor (mitos, preconceitos, fantasias, etc.), para melhorar. Deste modo, a ciência seria posta no seu lugar, enquanto uma forma interessante de conhecimento, possuidora de muitas vantagens mas também de muitos inconvenientes (Feyerabend, 1993: 13, 51-55, 214).
Nas minhas entrevistas a vários Régulos da Guiné-Bissau, percebi que este fenómeno está enraizado na tradição de algumas etnias, sendo um costume muito antigo, que se reflecte no acesso a lugares de chefia. (Mango, 27-05-2013). De um modo geral, não é aconselhável o casamento de um Régulo com as mulheres de outras etnias, porque altera o direito de sucessão – «Era proibido, naturalmente. Porque o filho que resulta desse casamento carece de legitimidade para ser Régulo, caso houver um candidato de peso ao trono/Poder, por causa dos quatro avós da linhagem do Régulo [princípio “4 dona”] (…) é possível casar com alguém de uma etnia diferente, mas o filho do Régulo terá dificuldade em ficar no Trono/Poder» (Cá, 27-05-2013; Mango, 27-05-2013; Mendes, 2010: 69-74).
Hoje em dia, verificamos o impacto desse costume muito antigo na sociedade guineense, nomeadamente através da Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB», que define como critério de elegibilidade para o lugar de Presidente da República «PR» o facto de se ter quatro avós guineenses (CRGB, 1996, artigo 63º; Kosta, 2007: 221, 712-718; Silva, 2010: 9, 221). A CRGB é uma cópia da Constituição da República Portuguesa «CRP» (2003: 55 art.-122º), que também importou este princípio da monarquia portuguesa. Sendo assim, não tem razão quem fundamenta que, na realidade, a tradição não tem um papel activo no Estado pós-colonial guineense, porque a tradição guineense enquadrou-se na democracia do Estado pós-colonial ao mais alto nível da hierarquia do Poder (Kosta, 2004: 62-79). Se África é o berço da Humanidade, temos aqui a prova de que essa origem não está perdida.
Devido à existência de famílias muito numerosas e à falta de meios de subsistência, é frequente os africanos/guineenses entregarem a educação dos seus filhos a familiares ou amigos com mais meios e possibilidades. Este facto gera, muitas vezes, rupturas e conflitos intrafamiliares que se perpetuam por gerações. Estas práticas sociológicas poderiam ser a base para o surgimento das novas instituições características das sociedades modernas ocidentais no que respeita aos serviços sociais (creches, infantários e eventualmente residências estudantis). Estes serviços são importantes para a criação de emprego e para valorização do mérito dos cidadãos africanos/guineenses (Djaló, 2012; Kosta, 2004; 2007; Lopes, 1999; Obenga, 2013).
No entanto, aceito o conselho do Professor Catedrático Viriato Soromenho-Marques quando admite que existe um risco muito grande de as elites pós-coloniais africanas/guineenses, autóctones, poderem cortar com a tradição, pensando que a tradição está ligada a aspectos negativos quando, «na verdade, a tradição é grande parte daquilo que nós somos, não é? E nós temos que respeitar as nossas raízes. Portanto, a modernidade não significa esquecer (…) significa seguir em frente, lembrando tudo aquilo que se viveu…Eu diria que qualquer política democrática no futuro da Guiné-Bissau/África vai ter de investir muito no papel da história, no papel da cultura, no papel da governação das pequenas comunidades (…)» (Soromenho-Marques, 20-09-2013).
Bem trabalhadas, as tradições poderão tornar a sociedade e a convivência entre africanos/guineenses melhores. Mas, para salvaguardar estas fontes de conhecimento, será necessário complementar as tradições orais com as tradições escritas. E distinguir aquilo que é benéfico e deve ser preservado, daquilo que põe em causa o bem-estar e a dignidade dos cidadãos. No próximo post procurarei complementar estas ideias, debruçando-me, desta vez, sobre os aspectos negativos da tradição, que poderão ser melhorados.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 57-58, 225, 246, 258, 264-265, 272-274, 457-458). Lisboa: Chiado Editora.


sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O Primeiro-Ministro de Cabo Verde está de parabéns por estar a executar alguns conteúdos que propus nos meus trabalhos. Enquanto isso, o Estado da Guiné-Bissau retrocede e debruça-se sobre problemas banais


«[…] A China financia projecto de Campus Universitário da Universidade de Cabo Verde «Uni-CV». O Primeiro-Ministro «PM», José Maria Neves, recebeu nesta quarta-feira (23-12-2015), da boca do embaixador chinês em Cabo Verde, Du Xiao-Cong, a confirmação oficial da aprovação por parte do Governo da China, do projecto de construção do novo Campus Universitário da Uni-CV. O novo Campus Universitário da Universidade de Cabo Verde, sublinha José Maria Neves, irá ajudar a desenvolver ainda mais o ensino superior, na consolidação da Uni-CV enquanto uma universidade de excelência e, consequentemente, no desenvolvimento do capital humano do país.   As obras, de acordo com as previsões, deverão iniciar-se já em Fevereiro de 2016 […] (Inforpress, 23-12-2015)».

Caros leitores reparem nesta ideia, que vos apresentei num post anterior: o Estado da Guiné-Bissau deve lutar para combater o afro-pessimismo e afro-conformismo dos guineenses em todas as facetas. Através da boa governação e liderança, deve aproveitar para pôr um conjunto de medidas em andamento, por exemplo, criação de universidades e pontos de investigação nas diferentes províncias da Guiné-Bissau, criação de residências estudantis a nível nacional, etc.
Ainda retomando este post anterior, acrescentei que tenho a profunda convicção que muitas das minhas propostas  estão a ser implementadas actualmente, embora sem me citarem ou referenciarem, e que um bom exemplo disto era o Governo caboverdiano de José Maria Neves.
Seguindo a mesma linha de raciocínio da minha obra, defendo que se a Guiné-Bissau quer escapar dos efeitos negativos das ajudas internacionais e investimentos estrangeiros, a sua política de cooperação para o desenvolvimento do país deve deixar de centrar-se só no envio de dinheiro, géneros e técnicos [ou tecnologias], que actuam de forma pontual, que acabam por desaparecer e não oferecem assistência nem manutenção. O objectivo desta cooperação deve passar a ser, pelo contrário, a formação de técnicos locais na agricultura e indústria; o incentivo ao desenvolvimento de universidades e pontos de investigação na Guiné-Bissau, para que os guineenses possam criar as suas próprias tecnologias, e formar os seus próprios técnicos. Nas palavras de Confúcio: “É mais importante ensinar a pescar do que oferecer o peixe” (551 a.C. – 479 a.C.). E isto tem também o seu enquadramento nas palavras de James Shikwati: “quando damos a esmola a um mendigo e voltamos a vê-lo na rua no dia seguinte, não podemos dizer que ajudámo-lo. Ele continua a mendigar […]. Precisamos de tirar o mendigo da rua […]. Temos de descobrir as potencialidades desse mendigo […], pois, isso sim estaremos a melhorar a sua vida”. O que implica que a Guiné-Bissau necessita é de uma chance para ser capaz de administrar e canalizar a sua própria riqueza. Mas isto não significa que a Guiné-Bissau deve deixar de cooperar com outros Estados, bem pelo contrário (Mendes, 2010: 93; Schelp, 10-08-2005).
Por tudo que foi dito até agora resta-me elogiar o Governo do PM José Maria Neves, pelo bom serviço que está prestar ao Estado e Povo caboverdiano. E Cabo Verde está de parabéns, ao contrário das autoridades da Guiné-Bissau, que não dão ouvidos aos seus intelectuais nem os valorizam.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 200-201). Lisboa: Chiado Editora.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Governo de Carlos Correia é ou não sol de pouca dura? É preciso dar ouvidos aos Politicólogos…



As notícias mais recentes sobre a não aprovação do programa de governo na Guiné-Bissau levaram-me a interromper a reflexão sobre a tradição e a voltar atrás para fazer uma síntese das ideias que tenho vindo a apresentar em diversos posts deste blogue.

No multipartidarismo de partido dominante, o sistema pluripartidário faz com que um dos partidos se torne imprescindível à governação do país. Apesar destas vantagens do partido dominante PAIGC, ainda se verifica uma forte instabilidade política na Guiné-Bissau, indicando que há algo de errado ainda por esclarecer (Fernandes, 2010: 202-205).
Os conflitos internos do PAIGC têm-se desenrolado desde a sua criação até hoje, e estes conflitos estão a ganhar proporções gigantescas. Embora não exista grande oposição por parte dos “partidos políticos” e da Assembleia Nacional Popular «ANP», encontramos uma forte oposição no interior do próprio PAIGC. Ainda por cima, a existência de uma Assembleia tão grande, com 102 deputados, agudiza o clima de tensão, já que as Assembleias numerosas têm tendência para os exageros e para as reações fortes.
Como tenho vindo a dizer, o partido-Estado PAIGC e os Politiqueiros guineenses devem abraçar as propostas de mudança inovadoras  para a modernização do PAIGC e institucionalização de estruturas políticas sólidas. Estou consciente que a maior dificuldade a enfrentar será o facto de um partido-Estado típico como o PAIGC não querer abandonar o monopólio da sua legitimidade histórica como o único partido enraizado a nível nacional.
Por seu lado, José Mário Vaz «Jomav», no decorrer do seu primeiro mandato como Presidente da República «PR» da Guiné-Bissau, já está a coabitar com o terceiro governo em exercício. Já usou a "Bomba Atómica" para dois Primeiros-Ministros «PM» (Domingos Simões Pereira e Baciro Djá). E talvez possa voltar a fazer o uso de uma "Bomba Atómica". Isto é, o actual PM (Carlos Correia), que é pela quarta vez PM, é conhecido pela sua falta de sorte por não ter terminado nenhum dos seus anteriores mandatos pela forma prevista na lei constitucional.
Esperemos que Jomav não venha a coabitar com tantos ou mais governos que Cavaco Silva, o que será sinal de alguma estabilidade política na Guiné-Bissau - significará que, pela primeira vez na história da Guiné-Bissau, um governo terá chegado ao fim do seu mandato pela forma prevista na lei (já que o seu homólogo conseguiu isso por duas vezes).
Todas estas ideias apontam para a necessidade de uma profunda remodelação/modernização política, que tem de preceder todas as outras reformas, nomeadamente a modernização do sector das forças armadas.


Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau. Lisboa: Chiado Editora.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Decreto presidencial para sistema rotativo da primeira-dama – o caso de Jacob Zuma na África do Sul (ainda sobre a tradição em África)

Tal como mencionei anteriormente, os efeitos nefastos da tradição não se restringem só ao espaço guineense. Senão, podemos falar do “efeito Jacob Zuma”. O reflexo da diversidade étnica faz-se sentir em muitos países africanos, tal como na África do Sul, onde o actual presidente Jacob Zuma foi protagonista de uma situação caricata ao pedir um decreto presidencial que instituísse um “sistema rotativo da primeira-dama”. Zuma tem três mulheres com pelo menos dezanove filhos e ficou numa situação de grande indecisão quando se viu obrigado a escolher apenas uma das suas esposas para ficar ao seu lado como primeira-dama. Zuma queria ter a mais nova, elegante e mais apresentável como primeira-dama (Nompumelelo Ntuli). Mas, por pressão da sua etnia, acabou por escolher Sizakele Khumalo, com quem casara em 1973. A lei sul-africana reconhece os casamentos tradicionais e a poligamia, acabando muitas vezes por chocar com os direitos humanos fundamentais. Este é um exemplo que nos deve levar a reflectir seriamente sobre as implicações da etnicidade e da tradição nas sociedades africanas. A verdade é que o sistema rotativo de mulheres casadas com um homem africano funciona nas tradições africanas e é responsável pela expansão das doenças infecto-contagiosas como a SIDA (Mendes, 2010: 64-65, 81-84; Público, 24/25-04-2009: 16; Revista Sábado, nº 260, 23 a 29-01-2009: 68-72).
Mesmo em Portugal podemos encontrar um caso análogo. Otelo Saraiva, antigo combatente português na guerra colonial de Angola e da Guiné-Bissau, e capitão de Abril, assume ser poligâmico (neste caso trata-se de bigamia). Uma vez que já concorreu duas vezes às eleições presidenciais portuguesas (1976 e 1980), podemos supor que, caso fosse eleito, ficaríamos perante duasprimeiras-damas” tal como aconteceu com Jacob Zuma (Sol, 19-04-2012).
Preparem-se porque no próximo post apresentarei uma proposta de solução alternativa sobre a forma de lidar com a tradição na Guiné-Bissau e em África.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 254-255). Lisboa: Chiado Editora.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Sobre a tradição em África: o caso de Mswati III, rei da Suazilândia


O Rei da Suazilândia, rodeado das suas esposas e de um alce, um veado e uma rena macho. Tal como o Rei escolhe a cada aniversário, uma virgem para casar, estes animaisganham” novos chifres em cada primavera, durante a época de acasalamento.


Hoje trago-vos o caso do Rei Mswati III da Suazilândia, que é considerado como o sexagésimo sétimo (67) filho do Rei Sobhuza II e o único de Ntombi Thwala, uma das mulheres mais jovens do Rei. O meu objectivo é chamar a atenção para os exageros que podem ser atingidos graças aos costumes adoptados em África, em nome da tradição.
Pela tradição da sua etnia, Mswati III tem o direito e dever de escolher em cada aniversário uma rapariga virgem entre centenas que desfilam e dançam seminuas para ele, com a expectativa de serem escolhidas como “uma nova Lipovela” (noiva, em Suázi). O matrimónio acontecerá depois de a “Lipovela engravidar, como é tradicional. Apesar da tentativa da sua mãe, a Rainha Ntombi, ao garantir (na sua 15ª vez da escolha) que o Rei Mswati III não iria eleger mais nenhuma esposa, porque não cabiam mais mulheres no palácio, o Rei casou com uma nova Lipovela. Este Rei chegou a ser alvo da imprensa internacional, por ter despedido o ministro da justiça (Ndumiso Mamba), por este se ter envolvido com uma das suas 15 esposas (Nothando Dube). A cerimónia de casamento do Rei Mswati III na Suazilândia passou de tradição a atracção turística e milhares de pessoas juntam-se às virgens para assistir à dança.
O Monarca é muito contestado pelo seu estilo de vida luxuoso - estima-se que tenha uma fortuna superior a 200 milhões de dólares (cerca de 150 milhões de euros) num país onde cerca de 70% dos habitantes vivem abaixo da linha de pobreza e com uma das maiores taxas de HIV do mundo. Como se não lhe bastasse a fortuna que já possui, o Monarca aprovou em 2014 uma lei para aumentar em 10% o seu salário, para os 61 milhões de dólares por ano. As despesas do Estado com o Rei, a sua mãe (“Grande Elefanta”) e os seus apoiantes, assim como as obras nos seus palácios, não necessitam de aprovação pelo Parlamento, uma vez que isso desafiaria a autoridade absoluta do Rei (Diário de Notícias, 03-09-2012; 14-05-2014; Económico, 26-09-2010; Jornal de Notícias, 18-09-2013; Mendes, 2010: 64, 84).
Este cenário do Rei da Suazilândia pode ter muitas leituras sociológicas em muitos outros países africanos, em particular na Guiné-Bissau. Este exemplo ajuda-nos a compreender a necessidade de corrigir o que herdamos, para melhor nos adaptarmos às circunstâncias actuais.
Pensem neste assunto, porque os próximos posts darão continuidade ao debate sobre as nossas tradições. A valorização de um povo tem de passar sempre pela valorização da mulher como fonte primária de conhecimento e desenvolvimento de uma nação. Este é um tema de interesse para todos os seres humanos, porque todos têm ligação incontornável com uma mulher ao longo da sua vida (a mãe, irmã, esposa, tia, etc.). Por outras palavras não faz sentido ter um mundo onde o filho tem mais direitos do que a sua mãe, de quem, aliás, porventura, herdou as suas melhores qualidades.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 252, 255-257). Lisboa: Chiado Editora.