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sexta-feira, 29 de abril de 2016

Propostas, manobras e atitudes de Miguel Trovoada na Guiné-Bissau

Caros leitores, no post de hoje trago-vos uma análise da actuação de Miguel Trovoada, representante das Nações Unidas «NU» para a Guiné-Bissau, em Três Dimensões «3D»: Factos; Conjecturas; e Refutações. Tenho sérias dúvidas que as figuras "independentes" encontradas por Miguel Trovoada e seus colaboradores sejam realmente independentes. Espero que estas iniciativas não sejam "pior emenda que o soneto" (ou seja, que a solução venha a piorar ainda mais o problema que já tínhamos em mãos).

Primeiro facto: Sob proposta de Miguel Trovoada, realizou-se a 27 e 28 de Abril de 2016 um fórum de debate e reflexão que incluiu «instituições de Estado, partidos políticos, sociedade civil, forças religiosas e toda a gente para falar das causas da instabilidade e das grandes vantagens que adviriam para o país se de facto contasse com uma plataforma que garantisse a estabilidade». Na sequência deste encontro, as NU manifestaram a necessidade de as lideranças da Guiné-Bissau, através de três personalidades independentes e de reconhecido mérito, prepararem um pacto de estabilidade no prazo de um mês, para ser assinado num acto público por todas as instituições e elementos da sociedade civil que nele se revejam. O encerramento das jornadas serviu para Miguel Trovoada se despedir dos guineenses, já que termina na sexta-feira a sua missão como representante do secretário-geral das Nações Unidas na Guiné-Bissau (Rádio ONU, 15-04-2016; RTP África, 27/28-04-2016; Sapo Notícias, 28-04-2016).
Segundo facto: As NU inauguraram o quarto escritório regional na ilha de Bubaque, para «promover o combate ao crime transnacional no arquipélago dos Bijagós». O escritório vai acolher pessoal do Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau «UNIOGBIS» e outras agências das NU, dando condições técnicas para uma presença mais activa no arquipélago guineense (A Bola, 22-04-2016).
Terceiro facto: O Governo da Guiné-Bissau e as NU assinam uma parceria de 302 milhões de euros (343 milhões de dólares) de apoios ao país até 2020. Uma fatia de 28% do financiamento está garantida através do sistema das NU, enquanto 72% ainda tem de ser mobilizado (Sapo Notícias, 28-04-2016). Resta saber quais são as condições para a mobilização da maior parte do financiamento, porque, muitas vezes, acaba por nunca chegar ao destino.
Quarto facto: Miguel Trovoada recomendou ao Presidente da República «PR» guineense, José Mário Vaz «Jomav», para que não seja árbitro e jogador ao mesmo tempo, referindo que "ser presidente não é uma tarefa fácil. Como chefe da Nação, o senhor tem o papel de árbitro, o árbitro é aquele que está equidistante em relação às equipas que estão a jogar, é aquele que é o garante da aplicação das regras do jogo". Miguel Trovoada despediu-se esta quinta-feira, 28 de Abril de 2016, do PR Jomav, após 20 meses de missão na Guiné-Bissau (A Semana, 29-04-2016).
Bem analisados, estes actos do representante das NU revelam uma preocupação que vai de braço dado com a filosofia política da ala pró-Domingos Simões Pereira «DSP», como eu já tinha referido anteriormente. Mas por detrás da sua preocupação avista-se uma grande suspeita, que me leva a fazer algumas conjecturas.
Primeira conjectura: se eu olhar para o slogan que diz “é melhor tarde que nunca”, questiono a razão pela qual Miguel Trovoada não apresentou uma proposta deste género durante esta longa instabilidade política em que a Guiné-Bissau se encontra mergulhada. Esperava que Miguel Trovoada não convidasse para esse debate de ideias os mesmos protagonistas de sempre, mas infelizmente acabou por convidá-los na mesma. Segunda conjectura: se a proposta de Miguel Trovoada for interpretada como “uma manobra dilatória” cuja intenção é de distrair/adiar a decisão do PR Jomav de derrubar o Governo (para que a ala pró-DSP possa ganhar tempo), então isso poderá levar a ala pró-Jomav a acelerar a queda do Governo de Carlos Correia através da pressão dos 15 Deputados, PRS e alguns veteranos de guerra sobre o PR Jomav. Parece, contudo, que DSP e Carlos Correia não estão a conseguir aproveitar bem esta oportunidade. Terceira conjectura: os gestos finais de Miguel Trovoada podem ser interpretados como manobras da sua realpolitik para conseguir renovar o seu contrato com as NU por mais um ou dois mandatos na Guiné-Bissau. O anúncio do apoio financeiro e material das NU à Guiné-Bissau nesta altura do campeonato constitui uma forte evidência desta conjectura. Toda esta atitude de Miguel Trovoada só poderia acontecer em África, em particular na Guiné-Bissau, onde o protagonismo de um representante como este é equiparado ao Poder de um Chefe de Estado, devido ao excesso de dependência e à incompetência dos governantes africanos/guineenses.
Primeira refutação: Miguel Trovoada não é pessoa indicada para dar à Guiné-Bissau e aos guineenses lições de moral. Porque quem quer fazer este papel deve reunir os requisitos de um governante exemplar (tal como fez o sul-africano Nelson Mandela). Isto porque a proposta do representante das NU revela muitos paradoxos face ao cargo de PR que Miguel Trovoada já desempenhou em S. Tomé e Príncipe. Sabendo que Miguel Trovoada fez dois mandatos como PR num país (de 1991 a 2001) onde nenhum Governo eleito cumpriu o seu mandato da forma prevista na Constituição (tal como na Guiné-Bissau, onde nenhum dos 18 Governos eleitos cumpriu o seu mandato), porque razão Miguel Trovoada não optou por um fórum desta natureza no seu país?
Segunda refutação: Não faz sentido nenhum que Miguel Trovoada faça constantemente avisos apenas ao PR. Será que os outros órgãos de Poder também não precisam de ser aconselhados e avisados? O que justifica esta parcialidade por parte de uma figura que deveria ser completamente imparcial?
Terceira refutação: Miguel Trovoada deve esclarecer se existiram ou não insultos e humilhações entre ele e os Primeiros-Ministros «PM» que governaram em S. Tomé e Príncipe durante os seus mandatos, tal como agora está a decorrer entre o PR Jomav e o PM Carlos Correia (e também com o ex-PM DSP)? E qual seria a sua posição caso lhe acontecesse o mesmo que Jomav está enfrentar? Porque durante o exercício das suas funções Miguel Trovoada, ao contrário do que agora defende relativamente a Jomav, desempenhou o papel de árbitro, jogador, treinador, chefe de claque, e até de massagista…
Para concluir, deixo um importante aviso: Miguel Trovoada parece ter conseguido “adormecer” as autoridades político-militares guineenses, aproveitando, com as suas “ajudas”, para instalar mais uma base nos Bijagós. As forças militares guineenses devem estar atentas à realização de manobras militares conjuntas entre Cabo Verde e os EUA, em conjugação com a criação desta nova base (A Semana, 28-04-2016; Sapo Notícias, 15-04-2016). Estas manobras (tanto militares como de Miguel Trovoada) à margem do território guineense serão com certeza do agrado daqueles que defendem a transformação da Guiné-Bissau num protectorado das NU. É importante questionarmos: é a Guiné-Bissau que supervisiona as NU no seu território ou são as NU que têm controlo do território guineense?

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau. Lisboa: Chiado Editora.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Sobre as implicações do discurso de Jomav e a reacção de DSP

Este post vai incidir sobre os principais pontos do discurso de José Mário Vaz «Jomav», que não me surpreendeu. Neste sentido, procurarei articular as suas palavras com os temas que tenho vindo a discutir ao longo do tempo. A partir daqui, tentarei sintetizar as principais implicações deste discurso para o actual contexto guineense. No final, comentarei a reacção do ex-Primeiro-Ministro (ex-PM) Domingos Simões Pereira «DSP» do 21 de Abril de 2016. As sínteses das intervenções de Jomav e de DSP encontram-se em dois ficheiros de áudio, no final desta publicação.

No dia 19 de Abril de 2016, Jomav falou perante a Assembleia Nacional Popular «ANP» e diversos convidados por si convocados para dirigir uma mensagem à Nação. Posso sintetizar o seu discurso em 7 pontos principais: 1º. Procurou legitimar as razões que o levaram a convocar a ANP; 2º. Procurou legitimar o seu papel como Presidente da República «PR»; 3º. Defendeu o diálogo e a busca de consensos, rejeitando por completo a possibilidade de dissolução da ANP e a convocação de eleições antecipadas; 4º. Fez uma caracterização da actual crise do país; 5º. Apontou, de forma quase directa, para o PAIGC como causador desta crise; 6º. Enfatizou a necessidade de cumprir as decisões judiciais e de respeitar a Lei; 7º. Terminou com um ultimato – ou se chega a consenso ou ele tomará outras medidas.
Como eu já tinha escrito Jomav tem como objectivo evitar tudo o que ex-PM DSP quer, ou seja, evitar novas eleições enquanto DSP for presidente do PAIGC. Porque, no caso de se realizarem novas eleições, DSP será o candidato natural do PAIGC e sairá seguramente como vencedor para ser proposto como novo PM, e Jomav terá a sua posição enfraquecida. Jomav, o PRS e os 15 Deputados retornados estão em consonância neste aspecto, pois sabiam que a decisão favorável aos 15 Deputados levaria inevitavelmente a um recuo de DSP, tal como Jomav recuou face à nomeação inconstitucional de Baciro Djá como PM (sendo obrigado a aceitar os condicionalismos de DSP e do PAIGC na nomeação de Carlos Correia como PM). No seu discurso, Jomav fez questão de mencionar este caso, deixando claro que as decisões dos tribunais devem ser acatadas categoricamente por todos.
Jomav deu a entender que o Governo de Carlos Correia é um Governo de Gestão, sem programa nem orçamento aprovado apesar de empossado há 180 dias. Este posicionamento vem legitimar a ideia de que os 15 Deputados e o PRS vão querer uma nova votação do programa do Governo, com a intenção de chumbá-lo (como aconteceu na primeira votação). Assim, o Governo cairá e Jomav conseguirá encostar, pouco a pouco, a ala pró-DSP à parede, de forma a legitimar a criação de um Governo de Iniciativa Presidencial «GIP», que sirva os seus propósitos, e fazendo um compasso de espera política até ao afastamento total de DSP no congresso do PAIGC[1]. Sem a realização de um congresso do PAIGC, a ala pró-Jomav dificilmente abrirá a porta à realização de novas eleições, porque isso implicaria aceitar o regresso de DSP ao Poder. No fundo, Jomav está a obrigar o PM Carlos Correia e DSP a “engolir um sapo”, pelas suas recusas em participar nas reuniões convocadas em conjunto com os 15 Deputados retornados, ou seja, é uma vingança pelas humilhações que sofreu. No seu discurso, Jomav afirmou mesmo que «caso não haja disponibilidade política, séria e urgente por parte do partido formalmente maioritário [PAIGC], para uma “solução abrangente” poderemos ser forçados, dentro do quadro parlamentar, a considerar outras opções governativas [GIP] que assegurem a estabilidade até ao fim da legislatura». Com as suas palavras, Jomav confirmou aquilo que eu já tinha anunciado: que a última palavra é sua, competindo-lhe a ele (e não à ANP nem ao PM) a voz todo-poderosa da Democracia.
Ao assumir claramente que não equaciona a realização de eleições antecipadas, Jomav está a “puxar” temporariamente Cipriano Cassamá, os Deputados eleitos (tanto do PRS como do PAIGC) e o Supremo Tribunal de Justiça «STJ», piscando-lhes o olho e transformando-os em aliados. Ao mesmo tempo, ao admitir a possibilidade de criar um GIP, está a “empurrar” Carlos Correia e DSP para fora. Neste caso, Jomav está a utilizar aquilo que Joseph Nye considera de Poder Inteligente, combinando o Poder Suave (soft power), de “puxar”, com o Poder Duro (hard power), de “empurrar” ou coagir. Nesta lógica, considero que Jomav está a utilizar a técnica de Bismarck, comparado a um malabarista hábil que mantém diversas bolas no ar[2] (Nye, 2002: 26-29, 81).
Relativamente ao facto de Jomav ter citado no seu discurso a Constituição da República Portuguesa «CRP» e de ter consultado juristas portugueses, caberá aos guineenses pensarem na implementação de um modelo guineense de raiz. Porque a Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB» é uma cópia da CRP. Desde a democratização de Portugal, algumas faculdades de Direito português, em geral, e alguns dos seus professores de Direito Constitucional, em particular, têm aconselhado e acompanhado de perto  (e até influenciado) as escolhas institucionais dos países lusófonos  (Lobo & Neto, 2009: 15, 16, 21; Novais, 2007: 137-139). A este respeito, Azevedo (2009: 142) diz-nos que «[…] um dirigente partidário guineense (que pediu o anonimato) denunciou que a ambiguidade e a inadaptação da Constituição [CRGB] às características do país resultam de esta ter sido redigida por juristas portugueses. Segundo este dirigente, a actual Constituição [CRGB] resulta principalmente do trabalho de três importantes juristas portugueses convidados pelas autoridades guineenses».
Em síntese, o que nos resta perceber é de que lado ficará Cipriano Cassamá. Neste xadrez político em vigor, o PR, o PRS e os 15 Deputados são a chave da solução. Neste jogo, DSP está a ser encurralado e a sofrer com a sua ingenuidade, por não suspeitar de Cipriano Cassamá e de Carlos Correia, o que pode ser fatal para a sua sobrevivência política. Carlos Correia está habituado às quedas – esta será apenas a quarta (uma vez que ele já foi Primeiro-Ministro três vezes). Posto isto, resta-me questionar: será que DSP tem verdadeiros aliados no PAIGC? Se Carlos Correia e DSP querem fazer parte da solução dentro do paradigma em vigor, têm de fazer muitas cedências (por exemplo, a partilha de cargos relevantes – Ministros, Secretários e até Vice-Primeiro-Ministro – com o PRS e com os 15 Deputados), nomeadamente, pedir desculpas aos 15 Deputados, procurando reconciliar-se com eles, com Jomav, com o PRS, e com os Veteranos de Guerra, como eu já tinha referido anteriormente. Caso contrário, a ala pró-Jomav poderá facilmente descartá-los, utilizando os seus planos de um Governo de Inclusão que DSP tinha proposto inicialmente e Jomav tinha recusado. Mesmo estando contra a ideia de Inclusão, Jomav vai aproveitá-la tal como Lula da Silva materializou o plano de Fernando Henrique Cardoso no Brasil.
Durante a escrita deste post, dei conta da reacção de DSP/PAIGC ao discurso de Jomav, que dá a entender que não haverá qualquer tipo de consenso nem cedências. Assim, a implicação mais provável será a queda do Governo de Carlos Correia (RTP África, 21-04-2016), confirmando as minhas previsões. Deste modo, DSP reage precisamente como Jomav queria, uma vez que o PR tem usado mais um ensinamento de Sun Tzu: «se o teu opositor for de temperamento colérico [com os nervos à flor da pele], procura irritá-lo [ou provocá-lo]. Finge ser fraco [oculta as suas intenções] para que ele se possa tornar arrogante. Esta táctica consiste em “torturar” o adversário de forma subtil, ou seja, «atacar o equilíbrio mental do inimigo» (Tzu, 2007: 69, 118).
      Termino com três conselhos para aqueles que querem fazer política,  de acordo com o modelo de governação em vigor, na Guiné-Bissau: 1. "em Roma, sê romano", "na Guiné-Bissau, sê guineense", ou seja, é fundamental tentar compreender a realidade e a linguagem que se coaduna com o nível de compreensão da população em geral; 2. ler  e perceber muito bem Plutarco  para saber duas coisas: a) «como tirar partido/proveito dos seus inimigos» (2009: 7-38) e b) «como distinguir um bajulador de um amigo»(2009: 41-132); 3. os governantes guineenses devem evitar de bloquear quadros intelectuais que não são da sua linha político-ideológica, em especial, os jovens formados. 
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 73, 120). Lisboa: Chiado Editora.



[1] O compasso de espera que Jomav deu para a busca de consensos entre o que denominou de “maioria formal” pode ser enquadrado na técnica da Arte da Guerra de Sun Tzu (2007: 120, 127): «quando cercares um exército, deixa uma saída livre». Isto não quer dizer que deixe o inimigo escapar. O objectivo é «fazê-lo crer que existe um caminho para a segurança, assim evitando que ele lute com a coragem do desespero», se quiseres «depois, podes esmagá-lo».
[2] A Flexibilidade dá ao sistema um equilíbrio de Poder estável, porque permite a ocorrência de crises e conflitos ocasionais sem que isso provocasse o desmoronamento do edifício inteiro. Se uma bola cair, o malabarista pode continuar a manter as outras bolas no ar ou mesmo baixar-se para apanhar a bola perdida. No entanto, a Complexidade, é uma das fraquezas do sistema, porque tudo está dependente da habilidade e da resistência do malabarista. Se Jomav não conseguir lidar com os diferentes conflitos de interesse em jogo, isso poderá tornar-se fatal, provocando a “queda de todas as bolas” (Nye, 2002: 81).


segunda-feira, 18 de abril de 2016

Sobre as eleições antecipadas e a proposta de Miguel Trovoada

Estimados leitores, este post divide-se em três partes. Começo por apresentar as vozes que têm defendido a realização de eleições presidenciais e legislativas antecipadas na Guiné-Bissau. E aproveito estas notícias para reflectir sobre o sistema eleitoral guineense e sobre as consequências destas sucessivas quedas de Governos na evolução política do país. Finalmente, analiso a proposta de Miguel Trovoada de realização de um fórum de debate e reflexão sobre a instabilidade política na Guiné-Bissau, tecendo algumas conjecturas sobre as suas motivações.

Em Agosto de 2015, Cipriano Cassamá, presidente da Assembleia Nacional Popular «ANP» afirmou não ter dúvidas de que o próximo passo do Presidente da República «PR» José Mário Vaz «Jomav» seria "a dissolução do Parlamento". Tal como ele, vários deputados, sobretudo, os da bancada que suportava o Governo de Domingos Simões Pereira «DSP», defendiam a realização de eleições gerais, legislativas e presidenciais (Sic Notícias, 13-08-2015). João Bernardo Vieira, porta-voz do PAIGC e Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, defendeu isso mesmo publicamente, alguns dias antes das declarações de Cipriano Cassamá (Voz da América, 08-08-2015), alertando que esta crise poderia conduzir à necessidade de convocação de eleições presidenciais e legislativas antecipadas. Oito meses depois, Bilone Nhasse, dirigente da organização das mulheres do PAIGC anunciou que apenas eleições gerais (presidenciais e legislativas) antecipadas podem tirar o país da situação caótica em que se encontra (Angop, 15-04-2016).
O pedido de eleições gerais na Guiné-Bissau obriga-nos a reflectir sobre o sistema eleitoral guineense e sobre as consequências destas sucessivas quedas de Governos na evolução política do país.
O defeito do sistema eleitoral da representação proporcional segundo o método de Hondt dá-nos a entender que o sistema eleitoral guineense é, no fundo, um sistema de endividamento e de estagnação do país. Por estas razões concordo com a preocupação do Prof. Doutor Kafft Kosta, na medida em que quem ganha com este endividamento é o credor (comunidade internacional) e quem perde é o devedor (Guiné-Bissau). Ou seja: «não há dinheiro e andamos a fazer todos os esforços para a angariação dos recursos necessários para a realização das eleições presidenciais de 5 em 5 anos e legislativas de 4 em 4 anos (e/ou com quedas constantes de Governos) na data marcada; solicitamos à comunidade internacional que disponibilize os recursos (financeiros, materiais e humanos) necessários», sabendo que «os países doadores se envolvem nestes gestos de modo a obterem mais-valias para os seus bolsos». Ou melhor, a comunidade internacional «actua, às vezes, sob capa de cooperante, fazendo lembrar aqueles bombeiros que apagam o fogo com gasolina». Este sistema eleitoral enquadra-se também na noção de Milton Obote de que as «eleições são a via para controlar o povo[1] e não para o povo controlar o Poder dos governantes». Parafraseando Rousseau, o povo guineense pensa ser livre, mas ele engana-se redondamente; ele só é livre durante a eleição dos membros da ANP e do PR; assim que estes são eleitos, o povo torna-se escravo. E atendendo as consequências que temos observado, nos curtos momentos da sua liberdade, o uso que o povo faz da sua liberdade justifica bem que a perca (Kosta, 2007: 277-281, 467, 654; Lin, 2001: 19, citado por Portugal, 2007: 15; Rousseau, 1762: 430 citado por Soromenho-Marques, 2011: 98).
O recurso a uma eleição legislativa antecipada não deve ser categoricamente descartado, tal como a possibilidade de um Governo de Iniciativa Presidencial «GIP». Tudo dependerá da realpolitik[2] e da ética de responsabilidade em causa. Neste sentido, vale a pena analisar a proposta do representante das Nações Unidas «N.U.» para a Guiné-Bissau – Miguel Trovoada. Sob proposta de Miguel Trovoada, realizar-se-á a 27 e 28 de Abril, um fórum de debate e reflexão que incluirá «instituições de Estado, partidos políticos, sociedade civil, forças religiosas e toda a gente para falar das causas da instabilidade e das grandes vantagens que adviriam para o país se de facto contasse com uma plataforma que garantisse a estabilidade» (Rádio ONU, 15-04-2016).
Bem analisada, esta proposta do representante das N.U. revela uma preocupação que vai de braço dado com a filosofia política da ala pró-DSP. Mas por detrás da sua preocupação avista-se uma grande suspeita, que me leva a fazer algumas conjecturas. Em primeiro lugar, se eu olhar para o slogan que diz “é melhor tarde que nunca”, questiono a razão pela qual Miguel Trovoada não apresentou uma proposta deste género durante esta longa instabilidade política em que a Guiné-Bissau se encontra mergulhada. Espero que Miguel Trovoada não convide para esse debate de ideias os mesmos protagonistas de sempre. Em segundo lugar, se a proposta de Miguel Trovoada for interpretada como “uma manobra dilatória” cuja intenção é de distrair/adiar a decisão do PR Jomav de derrubar o Governo (para que a ala pró-DSP possa ganhar tempo), então isso poderá levar a ala pró-Jomav a acelerar a queda do Governo de Carlos Correia através da pressão dos 15 Deputados, PRS e alguns veteranos de guerra sobre o PR Jomav. Em terceiro lugar, se o PR Jomav perceber que há um acordo entre a ala pró-DSP e o PRS para este partido integrar o Governo numa eventual remodelação governamental, pode ter dificuldade em derrubar o PM Carlos Correia. Mas também pode acontecer (embora seja pouco provável) um acordo de paz dentro do PAIGC (incluindo, por exemplo, o Governo e os 15 Deputados) que não seja do agrado do Jomav. Se Jomav se sentir encurralado tanto com a reviravolta do PRS como com a dos 15 Deputados no xadrez político, caber-lhe-á a última a palavra.
Para terminar, coloco à disposição de todos um aviso, que poderá ser útil tanto para a ala pró-DSP como para a ala pró-Jomav. Na política tal como na guerra: a) «quando cercares um exército, deixa uma saída livre». Isto não quer dizer que deixe o inimigo escapar. O objectivo é «fazê-lo crer que existe um caminho para a segurança, assim evitando que ele lute com a coragem do desespero». Se quiseres «depois, podes esmagá-lo»; b) «não pressiones demasiado um inimigo desesperado», pois «quando encurralados, os animais usam as suas garras e dentes para lutar até a morte». Por isso é que alguns guineenses pensam por vezes que o Gato se transforma numa Onça quando é encurralado num quarto; c) «Aquele que deixa escapar uma vantagem/oportunidade, atrairá para si próprio o verdadeiro desastre» (Sun Tzu, 2007: 120, 127). Portanto, para as partes em confronto, quem não tiver estes preceitos em consideração, está sujeito a engolir não só o isco, mas também o anzol, a linha, a bóia e o chumbo.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 356, 441-442). Lisboa: Chiado Editora.




[1] Parafraseando Plutarco, desenganem-se os que acreditam que na Democracia guineense o Povo é que manda. O Modelo Político de Governação em vigor na Guiné-Bissau faz notar que cabe ao Presidente da República «PR» (formalmente) a última palavra em muitas matérias e o seu veredicto é definitivo, pelo que, na verdade, é a ele que compete (e não à Assembleia nem ao Primeiro-Ministro) a voz todo-poderosa da Democracia (Keane, 2009: 78-79; CRGB, 1996: art. 68º-70º, 104º).
[2] A realpolitik pode ser entendida como a capacidade de ler/interpretar e assumir o mundo tal como ele é. Nesta perspectiva, Lord Palmerston defende que «nós não temos aliados eternos ou inimigos perpétuos, só os nossos interesses são eternos e perpétuos e é nosso dever segui-los» (Mendes, 2015: 189-190; Palmeira, 2006: 60). Na ética da responsabilidade (segundo Max Weber), o indivíduo preocupa-se com as consequências da sua própria acção. Neste sentido, aceita a irracionalidade do mundo, tendo consciência que nem sempre as boas acções resultam em coisas boas e as más acções em coisas más (Weber, 2005: 107).

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Semelhanças e diferenças entre o Governo de Ulisses Correia e Silva e o meu Modelo Político de Governação

Estimados leitores, como prometido, apresento hoje alguns detalhes do meu Modelo, a propósito da apresentação do novo elenco governativo de Cabo Verde. O Primeiro-Ministro «PM» indigitado, Ulisses Correia e Silva, coordena um executivo com mais 11 ministros, ou seja, 12 elementos no total (Expresso das Ilhas, 08-04-2016). Aproveito esta ocasião para desvendar mais um pouco sobre as propostas incluídas no meu Modelo Político Unificador «MPU». Poderá fazer sentido uma leitura do post que publiquei no passado dia 23 de Janeiro (especialmente o terceiro facto apontado).


No meu Modelo Político de Governação, os ministérios devem corresponder e articular-se com as Áreas de Especialistas que compõem o órgão consultivo das Áreas de Estudos – Órgão Consultivo Multidisciplinar Imparcial «AE-OCMI», tal como eu já referi de forma muito superficial num post anterior. No primeiro bloco do MPU, o governo guineense passará a funcionar com 8 ministérios, na expectativa de terem no máximo 10 secretarias de Estado que serão subdivididas em outras categorias administrativas. Estas áreas devem ser discutidas e definidas em debate pela equipa multidisciplinar em conjunto com o Governopartidos políticossociedade civil, etc. Um dos objectivos do novo paradigma é que este órgão de AE-OCMI seja supervisor e intermediário entre governantes e governados, para garantir uma maior transparência no cumprimento do Tratado Político de Governação «TPG», no sentido de exigir aos governantes que exerçam as suas funções de acordo com as suas competências, sem terem outros conselheiros ou assessores para além do referido órgão consultor/consultivo. Este figurino só vai funcionar durante a vigência do primeiro bloco do MPU, porque no segundo e terceiro bloco faremos uma “lipoaspiração governamental”, para ficarmos só com um dos órgãos – ou os ministérios ou as secretarias (entre 8 e 10). De preferência, ficaremos com aqueles que apresentem menores custos e maior viabilidade para a estabilidade política da Guiné-Bissau.
figurino de Ulisses Correia e Silva enquadra-se portanto entre o segundo e terceiro bloco do MPU, em que o Estado tem de optar por um elenco governativo constituído por ministérios ou por secretarias (escolhendo apenas uma das modalidades) – neste caso, optou pelos ministérios.

Como já referi, a filosofia do órgão AE-OCMI implica uma maior poupança do Estado, por exemplo, através da extinção das figuras de conselheiro de Estado, assessor, porta-voz (do Governo, da Presidência, dos assuntos parlamentares, etc.), entre ouros. Uma maior poupança significa, necessariamente, uma diminuição da dependência do país face à ajuda externa, tornando-se um Estado soberano mais forteflexível e capaz de responder às necessidades básicas do povo guineense e de enfrentar os actuais desafios.

Uma chamada de atenção é fundamental: a adopção deste figurino por Ulisses Correia e Silva, sem a criação de um órgão do tipo AE-OCMI pode levar a uma grande pressão como aconteceu em Portugal com o primeiro Governo do ex-PM Passos Coelho, onde a “lipoaspiração governamental” acabou por transformar-se numa “obesidade mórbida[1].

Neste sentido, considero que não deve haver nenhuma precipitação na implementação destas reformas/modernizações, sob pena de provocar um ‘parto prematuro’ na sua implementação, sem que se cumpram os passos traçados e desejados. Até porque, como vimos, as mudanças do elenco governativo são apenas uma parte muito pequena do MPU, que é muito mais completo e complexo, e abrange muitas outras áreas.

Resta-me deixar os votos de sucesso para Ulisses Correia e Silva e para o seu Governo, aconselhando-o a estudar muito bem o meu livro. A sua atitude crítica face ao afastamento de Cabo Verde em relação ao continente africano já evidenciava uma nota de esperança para o futuro[2]. Agora veremos se existe ou não coerência entre a mudança mentalidade, a mudança do discurso e a mudança da prática e se as altas expectativas criadas se concretizarão ou não.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (263, 434, 462-463, 550). Lisboa: Chiado Editora.

[1] Uma das filosofias do MPU exige “emagrecer” o Governo, a Assembleia e outros órgãos superiores do corpo do Estado, para torná-lo mais flexível e para criar mais postos de trabalho, garantindo um emprego para cada cidadão a viver na Guiné-Bissau (Mendes, 2010: 90-94). Em Portugal, pela primeira vez, o Governo de Passos Coelho tentou pôr em prática esta filosofia política, mas acabou por “naufragar” ao proceder a várias remodelações governamentais, aumentando o número de ministérios e secretarias de Estado (Económico, 30-12-2013).
[2] O líder do Movimento para a Democracia «MpD» Ulisses Correia e Silva acertou em cheio com “um murro no estômago” no Governo do PAICV, quando veio confirmar que a candidatura da Ministra das Finanças - Cristina Duarte - de Cabo Verde ao BAD foi chumbada porque Cabo Verde se distanciou dos outros países africanos (A Bola África, 02-06-2015).

sexta-feira, 8 de abril de 2016

A anulação da expulsão dos 15 deputados do PAIGC e a ética Weberiana

Caros leitores, confesso-vos que é muito difícil ajudar os políticos/governantes guineenses, mas Max Weber aceita, mais uma vez, dar o seu feedeback face ao pragmatismo da política guineense, na primeira parte deste post. Recomendo, por um lado, que façam uma leitura articulada com o post anterior. Na segunda parte, pretendo discutir, por outro lado, algumas questões relacionadas com o impacto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça «STJ» a favor dos “15 deputados expulsos” do partido-Estado PAIGC.

Primeira parte: A entrega a uma causa (ligada à paixão) é uma questão de fé, que pode ser dirigida a finalidades nacionais ou humanitárias, sociais e éticas ou culturais, fé no progresso, etc. E a política é, na sua essência (ethos), uma causa. Mas, como vimos no post anterior, a entrega a uma causa – ou paixão não é suficiente na política. Por isso faz sentido introduzir agora as duas máximas opostas de Max Weber: a ética da convicção vs. a ética da responsabilidade. Importa assinalar que Weber recusa a utilização de “éticas” para “ter razão”, ou seja, para justificar ou “dar desculpas” e considera que na política não se pode usar uma ética absoluta, sem pensar nas consequências (Weber, 1979: 75-99; 2005: 101-115).
Na ética da convicção age-se por fé, por convicção a uma causa. O indivíduo procura agir “bem”, de acordo com a sua causa e deixa o resultado “nas mãos de Deus”, ou seja, fora das suas responsabilidades. Neste sentido, as consequências resultantes da sua acção não são culpa sua mas culpa dos outros (do mundo, de Deus, etc.). A única coisa que interessa é manter viva a fé na causa abraçada, e a acção no sentido da sua prossecução, rejeitando meios moralmente perigosos (ou opostos à causa).
Na ética da responsabilidade, pelo contrário, o indivíduo preocupa-se com as consequências da sua própria acção. Neste sentido, aceita a irracionalidade do mundo, tendo consciência que nem sempre as boas acções resultam em coisas boas e as más acções em coisas más. Neste sentido, pode ser legítimo utilizar a violência, dependendo das circunstâncias e das consequências previstas.
Aqui reside o cerne dos problemas éticos da política: a aceitação da violência legítima nas mãos de associações humanas. Nesta ordem de ideias, Max Weber defende uma ética da responsabilidade, mais madura e consciente (menos “fanática”). Mas assinala que as duas éticas não são realmente opostas mas complementares e que constituem, num homem autêntico, as condições para a “vocação política”. Para Max Weber, o político tem de conhecer muito bem os paradoxos éticos, sabendo de antemão que a escolha de meios violentos e da ética da responsabilidade implica um “pacto com o Diabo” e põe em causa a “salvação” da sua alma.
Uma vez que há tarefas que só podem ser levadas a cabo mediante a força, o político deve possuir uma ética de responsabilidade, que o previna das consequências dos seus actos (Weber, 1979: 75-99; 2005: 101-115).
Segunda parte: Face a estes pressupostos teóricos propostos por Weber, cabe-me agora colocar um conjunto de questões que permitam compreender os efeitos da recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça «STJ» da Guiné-Bissau. Qual a ética - «de convicção ou de responsabilidade» - que tem sido aplicada com mais frequência no contexto político-militar da Guiné-Bissau? Qual será o impacto da decisão do Acórdão do STJ a favor dos 15 deputados expulsos do PAIGC? O regresso do ex-Presidente da República «ex-PR» Interino está mexer com o xadrez do Poder Judicial & Político da Guiné-Bissau? Os 15 deputados, o PR José Mário Vaz «Jomav» e o PRS vão pedir as “cabeças dos derrotados”? Quais serão as cedências da ala do ex-Primeiro-Ministro «ex-PM» guineense, Domingos Simões Pereira «DSP»? Como é que esta decisão afecta, por exemplo, a posição de Braima Camará na Câmara do Comércio e as relações entre a Federação de Futebol e o Governo?
Para contextualizar os leitores, começo por recordar que o STJ declarou nula a expulsão dos 15 deputados do PAIGC do Parlamento. Esta decisão assume particular relevância se tivermos em conta que isto pode pôr em causa a maioria absoluta do PAIGC no Parlamento, já que os deputados expulsos decidiram aliar-se à oposição na discussão do programa de governo (RTP Notícias, 05-04-2016). Perante esta decisão, DSP afirmou que o seu partido ainda está à espera de um esclarecimento do STJ para que se possa saber com clareza a quem pertence o mandato: se aos 15 deputados ou se ao próprio partido. No entanto, o PAIGC mostrou-se disposto a acatar a decisão do STJ. Os advogados do Parlamento disseram, por seu lado, que foram surpreendidos com a decisão do STJ, e consideraram-na contraditória e pouco pedagógica (RFI, 06-04-2016).
Para o regresso à normalidade, tanto DSP como o PAIGC terão de fazer muitas cedências. Para começar, DSP, enquanto líder do partido, deve pedir desculpa aos 15 deputados, procurando reconciliar-se com eles, com Jomav e com o PRS. Tal como vimos com Jacob Zuma na África do Sul (embora em circunstâncias muito diferentes), um pedido de desculpas pode contribuir para a dignificação da sua postura política e humildade pessoal (Notícias ao Minuto, 01-04-2016). Além disso, poderá ser benéfico realizar agora uma retirada estratégica da vida política, como é habitual (vimos isso, por exemplo, em Portugal, com Paulo Portas, Spínola, Marcelo Rebelo de Sousa, etc.). Nesta retirada, poderá aproveitar para dedicar-se aos estudos, à docência e aos comentários políticos, mantendo assim um papel de relevo na esfera pública. Chamo só a atenção para o perigo do comentário político, que tem duas vertentes, ou seja, é uma faca de dois gumes: se correr bem e for popular, pode ter grande sucesso como aconteceu com o actual PR de Portugal; mas se correr mal e for mal interpretado, pode cair em desgraça como aconteceu com ex-PM José Sócrates. Caso DSP insista em permanecer no Poder, poderá vir a ser afastado de forma muito negativa, como aconteceu com o ex-PM e ex-presidente do PAIGC Carlos Domingos Gomes Júnior «Cadogo», correndo o risco de não ter oportunidade de regressar ao desempenho de funções políticas relevantes.
Mas atenção caros leitores: Jomav também tem um papel importante a desempenhar neste processo de normalização. Sendo o mais experiente, tem a obrigação de tomar iniciativa e trabalhar seriamente para que o problema se resolva, de forma mais eficaz do que tem feito até agora.
Para concluir, resta-me apelar para uma reflexão sobre as questões que deixei em aberto e para a adopção mais frequente de uma ética da responsabilidade, no sentido de ter em consideração as consequências que advêm das decisões tomadas.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 85-86). Lisboa: Chiado Editora.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Max Weber em 3 minutos para os politiqueiros guineenses

Ilustres leitores, este post pretende oferecer algumas ferramentas que permitam uma melhor compreensão dos fracassos e sucessos daqueles que chamamos de políticos.

Numa Conferência pronunciada no Inverno de 1918/1919, o intelectual alemão Max Weber (1864-1920), descreveu as três qualidades decisivamente importantes para um político: Paixão, Sentido de Responsabilidade e Mesura (medida/moderação).
Max Weber enquadra, em primeiro lugar, a Paixão no sentido de positividade, de entrega apaixonada a uma “causa” com a qual se compromete. Em segundo lugar diz, a propósito do Sentido de Responsabilidade, que nem tudo fica resolvido com a simples Paixão, apesar de sinceramente sentida – a Paixão não transforma um homem em político, se não estiver ao serviço de uma “causa” e fizer da Responsabilidade para com essa causa a estrela decisiva que orienta a acção. Em terceiro lugar, descreve a Mesura como a capacidade de aprender com a realidade, com calma e discernimento, ou seja, a capacidade para deixar que a realidade actue sobre a pessoa sem perder o domínio e a tranquilidade, isto é, para manter a distância em relação aos homens e às coisas. O “não saber guardar distâncias” é, para qualquer político, um dos pecados mortais; “sabê-lo” é uma das qualidades cujo esquecimento condenará a nossa actual “geração de intelectuais” à impotência política. Max Weber aponta, neste sentido, uma forte ligação entre a política e a ética[1] (Morão, 2005: 14-15; Weber, 1979: 74-75; 2005: 101-102).
A “força” de uma “personalidade política” reside na posse destas qualidades,  e no combate diário contra o seu grande inimigo, que é demasiado humano – a Vaidade. Dois grandes pecados mortais no campo da política – a ausência de finalidades objectivas e a irresponsabilidade – resultam precisamente do excesso de Vaidade. A Vaidade é uma característica muito comum e talvez ninguém esteja livre dela – é inimiga mortal de toda a entrega a uma causa e de toda a distância; neste caso, da distância perante si mesmo. Nos círculos académicos e científicos, a Vaidade é uma espécie de doença profissional. No entanto, no homem de ciência, por muito antipáticas que sejam as suas manifestações, a Vaidade é relativamente inofensiva dado que, em geral, não dificulta o trabalho científico. Mas o mesmo não se passa com o homem da política. A Vaidade, a necessidade de aparecer[2] em primeiro plano sempre que seja possível, é o que mais leva o político a cometer um destes pecados ou os dois ao mesmo tempo: a sua ausência de finalidade objectiva torna-o propenso a procurar a aparência brilhante do Poder em vez do Poder real; e a sua falta de responsabilidade leva-o a gozar o Poder pelo Poder, sem tomar em conta a sua finalidade (Weber, 1979: 76-77; 2005: 102-103).
Repare-se na actualidade da análise de Max Weber: apesar de estas ideias terem sido proferidas há quase um século (1918/19), continuam a aplicar-se de forma surpreendente aos políticos actuais. Penso que posso mesmo dizer que a Vaidade continua a ser dominante na classe política e é muito raro encontrar um Líder com a combinação certa de Paixão, Sentido de Responsabilidade e Mesura. Dirijo esta mensagem aos (chamados) políticos guineenses: aprendam com as ideias de Max Weber e procurem dedicar-se à política de forma honesta e responsável, tendo em vista o bem-estar da Guiné-Bissau.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 79-80, 85). Lisboa: Chiado Editora.



[1] Questionado de que maneira é possível reunir na mesma alma a Paixão ardente e o sentido calculado das proporções, Max Weber é pragmático em afirmar que a política se faz com a cabeça, e não com outras partes do corpo ou da alma. E, todavia, a entrega a uma causa só pode nascer e alimentar-se da Paixão, se se tratar de uma acção genuinamente humana, e não de um frívolo (superficial) jogo intelectual. Só o hábito da distância – em todos os sentidos da palavra – torna possível a enérgica domação da alma, que caracteriza o político apaixonado e o distingue do simples diletante/amador político “esterilmente agitado”.

[2] Para Plutarco (46 d.C.-120 d.C.), um homem político deve mostrar-se perante o povo quando este o solicita, e deixá-lo cheio de nostalgia/saudade quando se ausenta (Plutarco, 2009: 46).