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quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Despedida deste blogue

Ilustres leitores, este será o último post do meu blogue durante um bom período de tempo. Estou de partida para a Guiné-Bissau. Se o melhor segredo é aquele que todos sabem, a verdade é esta: vou mesmo regressar de vez para recomeçar a árdua tarefa de dar o meu contributo no terreno. Uma vez que não terei casa própria, energia eléctrica nem internet, pelo menos nos primeiros tempos, não poderei dar continuidade às publicações deste blogue. Sendo assim, neste último post, deixo-vos com alguns pensamentos sobre o processo de construção deste blogue e, também, numa nota mais descontraída, recordo e partilho algumas brincadeiras de infância com siglas/abreviaturas e seus possíveis significados, como DSP, JOMAV, BUBO, SAGRES, LADA, NIVA 1600, BUSH, OBAMA, etc. Espero que gostem e aproveitem a minha ausência para ler o meu livro e reler os posts publicados ao longo dos dez meses do blogue.
Que fique registado que não é por qualquer tipo de condicionamento ou pressão que faço esta paragem: faço-a porque as circunstâncias da minha vida pessoal neste momento o exigem. Aproveito para avisar que estarei também muito mais ausente do facebook, deixando de comentar e de felicitar diariamente os aniversariantes. Mas esta paragem do blogue e regresso à Guiné-Bissau tem, entre outras vantagens, a vantagem de me possibilitar compensar os meus dois filhos pela minha ausência ao longo destes treze anos de estudo em Portugal. Espero que o meu exemplo sirva, apesar da ausência, para lhes transmitir os valores da persistência, do esforço e do trabalho árduo. A eles, e a todos os pais que estão longe dos seus filhos, dedico o vídeo que se segue, que trata precisamente do tema da ausência de um pai.
 Suspender o trabalho temporariamente não significa que estou a pôr um ponto final neste blogue. Depois da minha instalação, se tiver condições, espero conseguir voltar às publicações, no mesmo estilo de sempre. Entretanto, deixo-vos com alguns pensamentos sobre o processo de construção deste blogue.
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a todos os que acompanharam o blogue, fizeram sugestões, comentários e críticas construtivas, contribuindo assim para um debate enriquecedor sobre os vários assuntos da política guineense e africana. Muitas vezes, fiquei mais satisfeito por receber críticas do que elogios, porque são as críticas que realmente nos permitem melhorar. Claro que os elogios também foram muitos e bem recebidos e por isso reforço o meu agradecimento a todos, pelos comentários públicos e privados, pelos simples “gostos” e até por terem lido sem deixar a sua reacção. Ultrapassar as 30 mil visualizações em menos de dez meses [o primeiro post foi a 23 de Outubro de 2015] é uma grande conquista para alguém como eu, que não tem qualquer tipo de apoio.
Em segundo lugar, e na sequência da ideia anterior, gostaria de esclarecer alguns aspectos em relação ao que significa gerir este blogue. Embora de forma muito simplificada, fui dando sequência nesta página pessoal ao trabalho desenvolvido ao longo dos meus anos de estudo em Portugal e experiências trazidas da Guiné-Bissau, que culminaram na publicação do meu livro em 2015. Há pessoas que pensam que escrever num blogue dá dinheiro ou alguma outra vantagem – no meu caso, isso é absolutamente falso. Nunca recebi qualquer compensação por aquilo que escrevi nestes quase dez meses e tenho a consciência plenamente tranquila em relação a isto. Fiz este trabalho porque gosto e porque acho que é importante para a Guiné-Bissau, para os guineenses e amigos deste país.
Em terceiro lugar, espero que tenha ficado claro que não apoio nenhuma parte ou “ala” [nomeadamente pró-Jomav ou pró-DSP], que não tenho filiação nem inclinação partidária e que procurei, desde sempre, fazer análises sérias e rigorosas, tentando fornecer aos interessados na matéria, bases para a reflexão e eventual realização de trabalhos científicos. Aos amigos e colegas que se afastaram por considerarem as minhas análises ofensivas e inadequadas, gostaria de recordar que continuarei a ser o que sempre fui – uma pessoa honesta, directa e de carácter – e não deixarei de considerar essas pessoas importantes, independentemente das suas inclinações ou filiações partidárias.
Para terminar, quero deixar uma nota mais descontraída, recordando e partilhando com os leitores algumas brincadeiras de infância (e outras nem tanto) com siglas que talvez não conheçam:
1. Porque é que George Bush (pai) e George W. Bush (filho) tinham em comum o interesse de invadir o Iraque de Saddam Hussein?
Porque o apelido BUSH significa Bombardear Unicamente Saddam Hussein…
2. E porque razão Barack Obama, que tanto criticava a política de George W. Bush, acabou por seguir uma política de “guerra legítima/justa”?
Porque OBAMA significa Ordenar Bombardeamentos e Ataques aos Muçulmanos e Africanos…
3. Isto leva-me a reflectir sobre outros problemas entre os dois grandes protagonistas do actual panorama político guineense (DSP e Jomav). Independentemente das causas reais, entendo que as abreviaturas das suas siglas podem dizer-nos alguma coisa…
SSe atendermos ao senso comum, que coloca DSP contra os Muçulmanos e Jomav a favor dos Muçulmanos:
- DSP, cuja alcunha é “Matchu”, pode significar DSP/M, ou seja Desafiar Sistematicamente Partidários Muçulmanos;
- E JOMAV pode ser Juntar e Organizar os Muçulmanos Atacados e Vitimizados.
Vale a pena chamar a atenção dos políticos e intelectuais guineenses para que tenham cuidado com as abreviaturas…
4. Até porque isto das abreviaturas pode aplicar-se em muitas outras situações. Em Portugal, por exemplo, há dois casos que se aplicam a Salazar.
SSe conhecermos alguém que admira muito Salazar, devemos perguntar se gosta de cerveja Sagres, porque SAGRES pode significar Salazar Antes de Governar a República Era Sapateiro…
Também o caderno Sebenta remete para esta figura, uma vez que SEBENTA pode significar Salazar Era Bom Estudante, Não Tomava Apontamentos
5. Passando agora ao tema dos automóveis, temos dois grandes exemplos que remetem para a realidade africana.
O clássico automóvel de fabrico soviético LADA pode ser Leva Atrás Dirigente Africano ou Leva Atrás Dirigente Autoritário.
Um dos modelos desta marca, o NIVA 1600, pode significar Não Importa Vender África por 1600
6. O sinal de trânsito STOP também um caso engraçado que pode ter muitos significados, nomeadamente, Somos Todos Obrigados a Parar.
Ou então, da esquerda para a direita [STOP] e depois da direita para a esquerda [POTS]: Se Tens Olhos Pára - Paraste, Olhaste, Tiveste Sorte.
7. Para terminar, pego na metáfora do nome do antigo Chefe da Armada, Bubo, já que BUBO pode significar Bombardear Unicamente o Blogue dos Outros, e deixo um conselho aos blogues que andam a atacar-se uns aos outros – sugiro que todos pensemos no contributo que o seu blogue pode trazer ao bem-estar e ao desenvolvimento da Guiné-Bissau.
Àqueles que querem contribuir com mais siglas/abreviaturas para esta brincadeira, estejam à vontade, deixem os vossos comentários no blogue ou no facebook. Pegando e transformando um pouco as palavras de Marcello Caetano, depois de regressar de uma viagem de uma semana a África, digo-vos o seguinte: «foram [treze anos, desde Novembro de 2002 até Agosto de 2016], de trabalhos, [estudo] e emoções. Mas não de fadiga. Não [volto] fatigado. [Volto] com a alma em festa, [volto] mais animoso do que nunca, [volto], se é possível, mais [Guineense/Africano] do que parti, [vou] com a certeza de que vale a pena sofrer, de que vale a pena lutar, de que vale a pena insistir ao serviço [daquele] povo admirável, do qual se [destaca] uma juventude generosa em busca do seu futuro».
Um grande abraço a todos e até breve.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Entre a Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe: histórias de condecorações, ingerências e as lições da Cobra da Montanha

Prezados leitores, este é o meu penúltimo post antes do meu regresso à Guiné-Bissau – a partir daí, este vosso blog estará parado durante algum tempo…Este post divide-se em três partes: na primeira parte, faço uma análise da condecoração do Presidente da República «PR» José Mário Vaz «Jomav» pela Associação Portuguesa de Autarcas Monárquicos «APAM»; na segunda parte, recordo as últimas viagens de Baciro Djá e também as suas palavras sobre a ingerência nos assuntos internos da Guiné-Bissau; na terceira parte, volto a colocar o PR são-tomense, Pinto da Costa, na “churrasqueira” para comentar a sua desistência da segunda volta das eleições presidenciais. Esta terceira parte deve ser lida em articulação com o post anterior, no qual fiz uma análise global das eleições em São Tomé e Príncipe. Boa leitura!
Primeira parte. A Associação Portuguesa de Autarcas Monárquicos «APAM» homenageou o PR Jomav com uma medalha de honra, naquela que é a mais alta distinção da organização, disse o seu presidente, Manuel Beninguer. Uma delegação da APAM esteve em Bissau, acompanhada de empresários que pretendem investir na Guiné-Bissau e que foram recebidos por Jomav, aproveitando o encontro para homenagear o Chefe de Estado guineense. Manuel Beninguer declarou que “a Guiné-Bissau merece-nos todo o respeito. Um país fantástico, acolhedor e que nos abraçou desde que aqui chegámos, que tem abraçado não só a comunidade portuguesa, mas toda a comunidade lusófona”. O presidente da APAM enfatizou que a distinção ao Chefe de Estado guineense é a demonstração de afecto entre os povos de Portugal e da Guiné-Bissau (ANG, 28-07-2016; RTP África, 28-07-2016).
Esta condecoração levanta muitas dúvidas sobre as ligações entre Jomav e os monárquicos portugueses. À partida, sou favorável à cooperação com qualquer país, especialmente Portugal, mas alguns contornos deste acontecimento merecem ser questionados. Sendo Portugal uma República[1], tal como a Guiné-Bissau, as organizações monárquicas carecem de legitimidade no Aparelho do Poder do Estado, pelo que é difícil compreender quem é que eles representam e porque é que estão a condecorar o PR da Guiné-Bissau. Se não têm Poder efectivo, podemos supor que têm outros poderes ocultos – Poder económico/financeiro, ligações à Maçonaria e outras organizações do mesmo tipo, etc. Daquilo que me foi dado a perceber, a APAM não ofereceu esta homenagem a outros PR, nomeadamente dos PALOP, por isso, porque escolheram Jomav? Será que no seu tempo de estudante em Portugal Jomav teve ligações com grupos monárquicos? Recebeu ou deu algum financiamento?
As condecorações raramente são feitas de forma inocente, servindo, muitas vezes, para retribuir “favores” ou “ajudasencapotadas/mascaradas. Por exemplo, Obama recebeu o Prémio Nobel da Paz (uma das mais altas condecorações mundiais) em 2009, apesar de ter defendido claramente a guerra “justa” (Jornal de Notícias, 10-12-2009). Obama, mesmo sendo afro-americano, persiste na ideia de um Ocidente “modelo”, detentor da Educação, da Liberdade e todos os valores Democráticos, esquecendo que a civilização nasceu em África, e que o Ocidente (e particularmente os EUA), contribuíram e contribuem para a fragmentação e destruição do continente africano, por razões muito mais obscuras do que as que apresentam publicamente (petróleo, venda de armas, eliminação de opositores, etc.).
Um outro exemplo é o de Domingos Simões Pereira «DSP», ex-Secretário Executivo da CPLP, que foi condecorado em 2012 pelo ex-PR de Portugal, Cavaco Silva, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (Observatório da Língua Portuguesa, 21-09-2016). Vimos que DSP fez o esforço de levar diversos membros do Governo português, entre os quais o ex-PM e a ex-presidente da Assembleia da República, sem contar com a ida do ex-PM de Cabo Verde.
Retomando a questão de Jomav, importa recordar que há cerca de um ano (26-06-2015 a 03-07-2015), D. Duarte Pio, que reclama o seu direito ao trono português, esteve na Guiné-Bissau (Real Associação da Beira Litoral, 03-07-2015). O mesmo D. Duarte Pio defendeu em 2010 que o regresso de Portugal à Monarquia teria grandes vantagens, argumentando que um Rei em Portugal é cinco vezes mais barato que um Presidente da República (Diário as Beiras, 17-04-2010: 2; Mendes, 2010: 23-25). Se os monárquicos defendem que um Rei é melhor e mais barato que um PR, para quê condecorar Jomav? Sendo Jomav de Calequisse, próximo de Baceâral, será que pretende restaurar o antigo império/reino?
Segunda parte. O PM Baciro Djá, anunciou ter ratificado "vários acordos de cooperação" com a Guiné Equatorial, país onde efectuou uma visita de trabalho de uma semana, permitindo a efectivação da cooperação nos domínios económico, científico, cultural, desportivo e técnico. Da Guiné Equatorial, Baciro Djá viajou para a Nigéria, onde também assinou acordos de cooperação e disse ter obtido promessas de apoio para o Orçamento Geral do Estado (Sapo Notícias, 29-07-2016).
Na passada terça-feira, o PM Baciro Djá, exortou a comunidade internacional a não interferir nos assuntos internos do país, ainda que possa ajudar no processo de estabilização. Estas declarações foram proferidas por ocasião da abertura de um curso de línguas para os soldados em que se encontravam vários oficiais/generais, entre os quais o chefe das forças armadas guineenses, o general Biaguê Nan Tan (O Democrata, 02-08-2016; RTP África, 02-08-2016).
A aproximação à Guiné Equatorial não é um problema em si – é um país membro da CPLP, por isso o PM Baciro Djá fez bem por reforçar essa cooperação. No entanto, é preciso ter cuidado, porque o regime de Teodoro Obiang é alvo de muitas acusações, desde a violação dos direitos humanos à não existência de uma Democracia. Se Baciro Djá defende a não ingerência de forma tão convicta, deve ter cuidado com as relações que estabelece com alguns países que não são bem vistos, porque, se o orçamento do Estado e outras ajudas recebidas pela Guiné-Bissau dependem da comunidade internacional, é porque a Guiné-Bissau não está livre das ingerências. Prova disso são as próprias movimentações de Baciro Djá na busca de apoio, que mostram que a Guiné-Bissau não é auto-suficiente. Além disso, não se pode recusar a ingerência dos que são críticos ao seu Governo e aceitar a ingerência daqueles que apoiam o seu Governo – foi o próprio PM que afirmou que o seu Governo estava aberto às críticas e não iria perseguir ninguém por causa disso (RTP África, 24-06-2016).
A exaltação de Baciro Djá contra a comunidade internacional revela que está a ser mal aconselhado, ou que o Poder está a subir-lhe à cabeça. Se quiser continuar a governar, terá de moderar o seu discurso, abraçando as suas afirmações anteriores, de que o seu Governo é pragmático, fala pouco e faz muito (RTP África, 24-06-2016). Além disso, o facto de Baciro Djá dizer que não cabe à comunidade internacional indicar o nome do PM que deve governar na Guiné-Bissau, mostra o seu ponto fraco: o ciúme e a insegurança relativamente à popularidade de DSP. Se DSP explorar muito bem este ponto, Baciro Djá poderá cair antes do esperado. Tal como eu disse anteriormente, Baciro Djá (como muitos outros governantes guineenses) dificilmente será aceite e muito menos respeitado pela forma como ascendeu ao Poder e como está a exercê-lo. Se tivermos em conta a frase de Frantz Fanon – «muitas vezes, o inimigo do negro/africano não é o branco/europeu, mas o seu congénere» negro/africano, percebemos que, às vezes, o problema não está na comunidade internacional, mas em nós mesmos, guineenses (Fanon, 1980: 21). Enquanto não conseguirmos construir o mínimo de respeito entre nós, dificilmente seremos respeitados pelos outros.
As afirmações do Secretário-Geral da União Nacional dos Trabalhadores da Guiné, Estevão Gomes Có, por ocasião da cerimónia comemorativa dos 57 anos do Massacre de Pindjiquiti, confirmam esta ideia. Estevão Gomes Có informou que é urgente e necessário que o Estado ofereça melhores condições aos trabalhadores e explicou que o baixo nível salarial torna impossível a sobrevivência digna dos trabalhadores com o salário mínimo (O Democrata, 04-08-2016; RTP África, 03-08-2016).
Terceira parte. O PR cessante Manuel Pinto da Costa formalizou a sua desistência da segunda volta das presidenciais, depois de ter anunciado no passado dia 25 de Julho que não tencionava participar na segunda volta. O pedido está a ser analisado de acordo com a lei eleitoral em vigor no país. Enquanto isso, o candidato Evaristo Carvalho, apoiado pelo partido ADI no Poder, prossegue a sua campanha na caça a votos para o escrutínio do próximo domingo, 7 de Agosto (RFI, 02-08-2016; RTP África, 26-07-2016; 02-08-2016; 04-08-2016).
Esta oficialização da desistência de Pinto da Costa ensina-nos quatro lições negativas sobre a segunda volta. Em primeiro lugar, Pinto da Costa fica mesmo colado à imagem de “Kumba Yalá são-tomense”, pelo facto de ter dito que não participaria na segunda volta como candidato presidencial e muito menos como PR, tal como Kumba Yalá (in memoriam) afirmou que não participaria numa segunda e muito menos numa terceira volta (Novas da Guiné-Bissau, 23-03-2016; RTP, 27-07-2016).
Em segundo lugar, a insistência de Pinto da Costa em candidatar-se nesta eleição presidencial contra a escolha do seu partido, o MLSTP, que deu o seu total apoio a Maria das Neves, leva-me a compará-lo com a teimosia de Mário Soares, quando insistiu em candidatar-se contra Cavaco Silva em 2005, tendo o PS ficado dividido entre Mário Soares e Manuel Alegre (Diário de Notícias, 30-08-2005). Neste exemplo português, teria sido mais benéfico para Mário Soares se desse preferência a Manuel Alegre, tal como, analogamente, teria sido mais benéfico se Pinto da Costa tivesse deixado Maria das Neves concorrer sozinha. O egoísmo não ajuda ninguém a manter o protagonismo e nestas situações as perdas acabam por ser maiores que os ganhos. No meu Modelo Político de Governação subscrevi algumas das vantagens do Modelo Político Americano, no qual devem existir dois partidos políticos responsáveis pelas eleições primárias dos candidatos. Depois, esses dois partidos – Republicano e Democrata – são responsáveis pelo embate final dos dois candidatos que concorrem às eleições presidenciais. Este tipo de modelo eliminaria muitos dos aspectos negativos que ocorrem no actual sistema eleitoral (Fernandes, 2010: 226).
Em terceiro lugar, a estratégia de anunciar os resultados eleitorais da primeira volta com uma elevada diferença entre os dois primeiros candidatos mais votados está a transformar-se paulatinamente numa «cláusula-travão» ou numa cultura democrática, cujo objectivo central consiste em fazer desistir ou piorar o ânimo do segundo candidato para a segunda volta, tal como ocorreu com Kumba Yalá na Guiné-Bissau e também com o Pinto da Costa em São Tomé e Príncipe.
Em quarto lugar, fica patente que “o velho” Pinto da Costa caiu na armadilha montada pelos “garotos” - PM e presidente do partido ADI, Patrice Trovoada, pelo presidente da Comissão Eleitoral Nacional «CEN», Alberto Pereira, e pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça «STJ», José Bandeira. Estas entidades conhecem o ponto fraco de Pinto da Costa e resolveram utilizar as técnicas de Sun Tzu contra ele:
1.ª técnica – «se o teu opositor for de temperamento colérico [com os nervos à flor da pele], procura irritá-lo [ou provocá-lo]. Finge ser fraco [oculta as tuas intenções] para que ele se possa tornar arrogante!». Esta táctica consiste em “torturar” o adversário de forma subtil, ou seja, «atacar o equilíbrio mental do inimigo» (Tzu, 2007: 69, 118).  Neste caso, Patrice Trovoada, Alberto Pereira e José Bandeira conhecem o temperamento de Pinto da Costa e souberam utilizá-lo contra ele, fazendo-o perder o controlo. O anúncio antecipado dos resultados foi propositado, levando Pinto da Costa a reagir exactamente como previam e acabando mesmo por desistir.
2.ª técnica - «quando cercares um exército, deixa uma saída livre». Isto não quer dizer que deixes o inimigo escapar, ou seja, «não pressiones demasiado um inimigo desesperado», pois «quando encurralados, os animais usam as suas garras e dentes para lutar até a morte». O objectivo é «fazê-lo crer que existe um caminho para a segurança, assim evitando que ele lute com a coragem do desespero». Se quiseres «depois, podes esmagá-lo» (Sun Tzu, 2007: 120). Depois de encurralar Pinto da Costa, os seus opositores deram-lhe uma saída, ao afirmar que a sua desistência ainda não tinha sido formalizada, pelo que contavam ainda com ele como candidato à segunda volta. Ao formalizar a sua desistência, Pinto da Costa pensou que escapou, mas poderá ainda ser esmagado pela aliança PM-CEN-STJ.
3.ª técnica – as três entidades em coerência PM-CEN-STJ conjugaram-se para formar a Cobra da Montanha de Sun Tzu. Esta filosofia teórico-prática repousa no seguinte: «O táctico hábil pode ser comparado à shuai-jan. A shuai-jan é uma cobra que vive nas montanhas Ch’ang. Se atacares a sua cabeça [PM], serás atacado pela cauda [STJ]; se atacares a sua cauda [STJ], serás atacado pela cabeça [PM]; se atacares no meio [CEN], serás atacado pela cabeça [PM] e pela cauda [STJ]» A entreajuda entre PM, CEN e STJ é fundamental – se forem tenazes, tiverem sentido de missão e acima de tudo, um espírito de cooperação amigável, aplicarão as lições da shuai-jan e terão maior possibilidade de alcançar o êxito, como já se pode verificar (Tzu, 2007: 171-172). Agora resta saber se o “velho” Pinto da Costa tem algum truque escondido na manga para tramar os “garotos” políticos são-tomenses.
Prezados leitores, aproveitem de ler e tirem as vossas conclusões…Conto sempre com os vossos comentários e sugestões, porque são as críticas construtivas que realmente importam e ajudam a avançar.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (242, 412-413, 469, 487-488). Lisboa: Chiado Editora.


[1] No entanto, na eleição do PR, a raiz da tradição africana/europeia ainda permanece: a Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB», define como critério de elegibilidade para o lugar de Presidente da República «PR» o facto de se ter quatro avós guineenses (CRGB, 1996, artigo 63º; Kosta, 2007: 221, 712-718; Silva, 2010: 9, 221). A CRGB é uma cópia da Constituição da República Portuguesa «CRP» (2003: 55 art.-122º), que também importou este princípio da monarquia portuguesa. Sendo assim, não tem razão quem fundamenta que, na realidade, a tradição não tem um papel activo no Estado pós-colonial guineense (ou na República portuguesa), porque a tradição enquadrou-se na democracia ao mais alto nível da hierarquia do Poder (Kosta, 2004: 62-79).

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça aos papéis do Panamá/Wikileaks guineenses

Excelentíssimos leitores, como prometido, o post de hoje debruça-se sobre declarações de Domingos Simões Pereira «DSP» acerca do acórdão n.º 4/2016 do Supremo Tribunal de Justiça «STJ», da propriedade intelectual do programa «Terra Ranka» e das invasões de privacidade (a que chamarei os papéis do Panamá/Wikileaks guineenses). Tentarei demonstrar que é possível desvendar ligações e segredos de líderes políticos sem recorrer à invasão da sua privacidade.
Primeira parte. A propósito do “avião-fantasma” que discuti no post anterior, o Primeiro-Ministro «PM» Baciro Djá já veio a público desmentir as palavras de DSP, confirmando a aterragem de um avião no aeroporto internacional do país na semana passada, onde seguia um emissário do Rei da Arábia Saudita. O PM disse ainda que o emissário do Monarca saudita foi recebido pelo chefe da casa civil da presidência guineense, Marciano Barbeiro, uma vez que o Presidente da República «PR» José Mário Vaz «Jomav» se encontrava em visita privada a Portugal (RFI, 22-07-2016). Parece que as autoridades guineenses ouviram o meu apelo para que esta situação fosse rapidamente esclarecida...
Segunda parte. Nos últimos dias, DSP tem feito várias declarações públicas – entre elas, a de que o programa “Terra Ranka” é uma propriedade intelectual do PAIGC, e que não deve ser utilizado por outras instituições. Tal como eu já tinha aconselhado num post anterior, caso não houvesse reconciliação e cedências entre as facções em conflito no PAIGC, a ala pró-Jomav poderia facilmente descartar DSP e a sua ala política, utilizando os seus planos de um Governo de Inclusão e o seu programa «Terra Ranka» (que DSP tinha proposto inicialmente e Jomav tinha recusado). Mesmo estando contra a ideia de Inclusão e de «Terra Ranka», Jomav e o Governo de Baciro Djá poderiam aproveitá-la tal como Lula da Silva materializou o plano de Fernando Henrique Cardoso no Brasil. E é isso que está a acontecer: o Governo de Baciro Djá está a implementar diversas medidas previstas no plano de DSP. Isto prova que a ala pró-DSP deve estar atenta e ler os meus trabalhos com atenção (em especial o meu livro), em vez de andar a defender a implementação do modelo caboverdiano na Guiné-Bissau (Sapo Notícias, 16-07-2015).
Além disso, será que faz sentido reclamar a propriedade intelectual de um plano que foi apresentado como sendo de todos os guineenses? Para quem conhece bem os guineenses, põe-se a questão de saber se os slogans «Terra Ranka» e «Mon na Lama» não constituem o centro dos problemas entre DSP e Jomav?
Terceira parte. O STJ da Guiné-Bissau declarou que é constitucional o decreto presidencial que nomeou o Governo liderado por Baciro Djá. Os juízes consideraram que o PR Jomav cumpriu as formalidades constitucionais ao nomear o Governo liderado por Baciro Djá, uma vez que não recebeu garantias de estabilidade parlamentar por parte do PAIGC, partido vencedor das eleições de 2014 (Sapo Notícias, 15-07-2016).
Tal como tenho vindo a argumentar, eu não estou a favor do modelo político de governação em vigor na Guiné-Bissau, nem com o Governo de Iniciativa Presidencial ou o Governo de Incidência Parlamentar «GIP», no entanto, estes acontecimentos não constituem uma surpresa para mim. Faço uma análise com base no rigor científico e na imparcialidade. Os leitores que têm acompanhado este blogue saberão disso.
No seu discurso na ANP, Jomav afirmou que «caso não houvesse disponibilidade política, séria e urgente por parte do partido formalmente maioritário [PAIGC com 57 Deputados], para uma “solução abrangente” poderia ser forçado, dentro do quadro parlamentar, a considerar outras opções governativas [GIP] que assegurassem a estabilidade até ao fim da legislatura». Assim, Jomav “puxou” temporariamente os Deputados eleitos (tanto do PRS como do PAIGC) e o Supremo Tribunal de Justiça «STJ», piscando-lhes o olho e transformando-os em aliados. Ao mesmo tempo, “empurrou” Carlos Correia e DSP para fora, ao admitir a possibilidade de criar um GIP. E poderia fazê-lo com o fundamento da perda da maioria absoluta da parte do PAIGC. Esta perda de 15 Deputados expulsos/retornados dá uma nova maioria ao PRS, que tem 41 Deputados, tal como frisaram DSP e o Conselho de Ministros. Este Governo de Incidência Parlamentar «GIP» é Constitucional tanto em Portugal como na Guiné-Bissau, tendo em conta que cabe ao PR apenas proporcionar as condições de aproximação entre os partidos políticos, favorecer eventualmente acordos parlamentares, mas nunca patrocinar soluções governativas à margem do Parlamento e sem o aval dos partidos representados no Parlamento. De acordo com o modelo em vigor, não basta vencer as eleições legislativas, mas é preciso garantir os votos adequados no Parlamento, para que se possa governar (CRGB, 1996: arts. 62.º-104.º; Jornal de Notícias, 25-11-2015; Novais, 2010: 73-121, 461- 463). Aqueles que são contra a criação de um GIP na Guiné-Bissau, devem apresentar um modelo alternativo, já que a CRGB prevê claramente esta modalidade, como demonstra a própria História do sistema político de Governo misto semipresidencialista.
É claro que o PAIGC venceu as eleições, no entanto, é preciso que essa vitória seja traduzida por uma maioria na Assembleia Nacional Popular «ANP». Neste momento, devido aos acontecimentos ocorridos, o PAIGC não consegue concretizar esta maioria, por isso é preciso arranjar uma alternativa. Veja-se por exemplo o caso português (embora seja diferente): o PSD/CDS ganhou as eleições, mas não tinha uma maioria parlamentar. Por isso, um acordo entre todos os outros partidos permitiu formar um Governo alternativo. E a Espanha está viver a mesma lengalenga. A perda da maioria absoluta do PAIGC (pela perda de confiança de voto dos 15 Deputados expulsos/retornados), fez com que ficasse apenas com uma maioria relativa (ou seja, os votos do PAIGC estão abaixo de 50%, por isso se todos os restantes Deputados se unirem, ficam em maioria). Isto não significa que aqueles 15 Deputados deixaram de ser do PAIGC, mas apenas que o seu sentido (confiança) de voto mudou, mudando assim a dinâmica de maioria na ANP.
O ex-PM e líder do PAIGC, DSP, afirmou que o partido vai aceitar a decisão do STJ da Guiné-Bissau em relação à nomeação do novo PM. Em conferência de imprensa na sede do partido, DSP questionou como é possível o mesmo Tribunal que, há cerca de um ano foi contundente e pedagógico na sua deliberação, voltar atrás e, desta feita, seguir outro caminho, ignorar e até ridicularizar a sua decisão anterior. DSP assinalou que todos os políticos devem respeitar as decisões judiciais, pelo que o seu partido também irá aceitar o veredicto do STJ, contudo, exigiu também o cumprimento do acórdão 1/2015, que considera inconstitucional a primeira nomeação de Baciro Djá por Jomav (A Bola, 18-07-2016).
É bom saber que DSP decidiu acatar as decisões do STJ, contudo, resta saber se esta decisão terá repercussão na prática. Se realmente DSP pretende acatar a decisão, porque remeteu para o acórdão 1/2015? Estas declarações são paradoxais – como podem cumprir-se ao mesmo tempo os dois acórdãos, com decisões diferentes tomadas em momentos diferentes? Parece-me que deste modo nada vai ser cumprido. Se DSP pensa que as duas situações são iguais (primeira e segunda nomeação de Baciro Djá), é porque a Guiné-Bissau não pode sair da inconstitucionalidade. Recuando um pouco na história, tomemos o caso da nomeação de Carlos Correia como PM, pelo PR Nino Vieira: esta nomeação foi considerada, na altura, inconstitucional, por não cumprir os requisitos estabelecidos na Constituição da República. Nino Vieira exonerou Carlos Correia, tal como Jomav exonerou Baciro Djá após a sua primeira nomeação. Depois disto, Nino Vieira cumpriu os requisitos necessários e voltou a nomear Carlos Correia como PM (tal como Jomav fez na segunda nomeação de Baciro Djá). Se os partidos da oposição na Guiné-Bissau utilizassem a lógica de que DSP está a usar, o STJ teria que voltar atrás na história, para considerar a segunda nomeação de Carlos Correia como inconstitucional (aplicando-se o mesmo a outras decisões tomadas no passado). Mesmo tratando-se das mesmas pessoas, isso não implica que os factos são os mesmos nas duas decisões – uma pessoa pode produzir factos diferentes tal como vários factos podem recair sobre a mesma pessoa.
Assim, tanto a primeira nomeação de Carlos Correia como a de Baciro Djá diferem das suas segundas nomeações, porque as circunstâncias se alteraram. O que recomenda o princípio da igualdade deve ser ponderado com as circunstâncias práticas. Senão, olhemos para o princípio da igualdade, segundo o qual todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Subentende-se que não podemos tratar ou julgar todas as pessoas de igual maneira, admitindo-se que as situações iguais sejam tratadas de maneiras iguais e as situações diferentes de maneiras diferentes (Mendes, 2010: 72).
Tal como argumentei no passado mês de Maio, na posição de desvantagem de DSP, ele deveria começar por acatar a decisão do STJ, e fazer as cedências de que já falei, nomeadamente, pedir desculpas aos 15 Deputados expulsos/retornados, procurando reconciliar-se com eles, com Jomav, com o PRS, e com os Veteranos de Guerra da ala pró-Jomav, como eu já tinha referido anteriormente. Defendi que, se DSP não negociasse com os 15 Deputados expulsos/retornados, em paralelo com o PRS, as coisas poderiam correr-lhe mal, e eles poderiam dificultar-lhe a vida (não entrando no Governo, ficando no Parlamento para desequilibrar a maioria absoluta do PAIGC). 
Quarta parte. Nas suas declarações recentes, DSP referiu também os casos de invasão de privacidade, queixando-se de terem sido violadas as suas correspondências electrónicas pessoais. Uma questão central neste caso prende-se com uma troca de emails entre DSP e o seu cunhado, o Professor Doutor Emílio Kafft Kosta, nos quais se depreende que DSP estaria a receber conselhos e instruções daquele. Encaro este caso de violação de blogs, contas de email e perfis de Facebook, como os «papéis do Panamá/Wikileaks guineenses». Perante estes factos, cabe-me formular as seguintes questões: como é que esta guerra começou? Quem foi o primeiro a atacar? Uma coisa que é juridicamente condenável é também politicamente ou eticamente condenável? Quem é o alvo central dos ataques? E quem sofreu danos colaterais? Deveria DSP ter nomeado o seu cunhado como conselheiro? Como poderia Kafft Kosta proteger a sua integridade? Porque considero isto de papéis do Panamá/Wikileaks guineenses?
No meu entender, por um lado, DSP tem razão suficiente em considerar que a violação de privacidade constitui um crime grave que deve ser punido pela lei. Por outro lado, DSP foi bastante ingénuo ou negligente, por deixar estas correspondências desprotegidas. Aquilo que é condenável juridicamente, pode ser aceitável ética e politicamente, porque ajuda a sociedade a conhecer as facetas ocultas daqueles que procuram conquistar a nossa confiança. Numa guerra aberta como a que estamos a viver, e face ao líder reformador que DSP pretende ser, DSP deveria ter o máximo dos máximos dos cuidados com tudo o que pode pôr em causa a sua credibilidade. Sendo doutorando em Ciência Política, deveria ter em conta as palavras de Plutarco (46 a.C – 120 a. C.): o homem político pode não conseguir afastar todo o mal da sua alma, mas deve suprimir os defeitos mais salientes da sua personalidade. Porque os cidadãos examinam todas as acções dos políticos, mesmo aquelas que parecem mais pequenas e insignificantes. Nos assuntos públicos, o crédito que inspira o carácter tem um peso tão grande como o seu contrário (Plutarco, 2009: 12-18).
Do meu ponto de vista, neste caso, teria sido melhor se DSP fosse transparente e abrisse o jogo, nomeando o seu cunhado como conselheiro, em vez de deixar que as notícias viessem a público desta forma, denegrindo a imagem de ambos. Kennedy, ex-presidente dos EUA, nomeou o seu irmão como Procurador-Geral da República, marcando uma posição. Claro que isso não impediu o seu assassinato, tal como a nomeação de Kafft Kosta como conselheiro poderia não impedir a queda da DSP, mas enquadrar-se-ia na máxima de que “o melhor segredo é aquele que toda a gente conhece”. Torna-se hoje mais fácil perceber porque Kafft Kosta não criticava DSP, proferindo vários discursos que o posicionavam até contra Jomav. Deste modo, a sua imparcialidade estava já comprometida e esta divulgação de emails vem apenas confirmar aquilo que já sabíamos. Teria sido mais útil a Kafft Kosta se, antes das suas intervenções, fizesse uma declaração do seu conflito de interesses, esclarecendo a sua ligação pessoal com DSP. Deste modo, o seu discurso tornar-se-ia mais transparente e a plateia olharia para ele com uma maior confiança. Assim, DSP teria também oportunidade de fundamentar publicamente o seu discurso, invocando o parecer de um grande especialista na matéria. Caberá aos dois, em conjunto, esclarecer a opinião pública sobre todas estas situações comprometedoras. Apesar de ser o alvo central dos ataques, DSP já estava “queimado” politicamente e não sofreu grandes consequências. Já Kafft Kosta, sofreu fortemente com os danos colaterais e ficou pior na fotografia, pela imagem de grande respeitabilidade e profissionalismo a que sempre nos habituou (e que agora, de certa forma, se desmoronou).
É difícil perceber quem começou esta guerra, uma vez que se têm sucedido ataques de um lado e de outro, expondo diversas conversas com altas figuras da política guineense de ambos os lados. Mas a guerra e a política são faces da mesma moeda. Ou seja, se entendemos a guerra como a continuação da política por outros meios, então devemos perceber também que a política é a continuação de guerra com outros meios (Arendt, 2007: 125; Foucault, 2002: 283; Kosta, 2007: 646; Lara, 2000: 22). A divulgação destes documentos pode, no meu entender, ser comparada com os fenómenos do Wikileaks e dos papéis do Panamá, que trouxeram a público um grande número de documentos comprometedores e indiciadores de crimes/infracções, envolvendo governantes, empresários, figuras públicas, líderes mundiais, etc. Tal como com os documentos do Wikileaks e com os papéis do Panamá, haverá ainda muita coisa por revelar no caso guineense, mas deixo um aviso: todo o cuidado é pouco para evitar consequências imprevisíveis, que mudem a maré de azar de DSP para se enquadrar na metáfora de que “há males que vêm por bem”.
Para terminar, vou dar um exemplo de como é possível desvendar os segredos de alguém pelos seus actos, sem, contudo, invadir a sua privacidade – do ponto de vista da Sociologia e da Ciência Política. O exemplo que vos trago diz respeito à teia complexa de relações que se podem estabelecer entre DSP, o Doutor Carlos Lopes «CL» e o Professor Doutor Boaventura de Sousa Santos «BSS». Em primeiro lugar, CL trabalhou durante algum tempo com BSS, assim como o irmão de DSP, Bartolomeu Simões Pereira (in memoriam). Em segundo lugar, CL escreveu um livro intitulado “Compasso de Espera”, (com o subtítulo “O Fundamental e o Acessório na Crise Africana”), dedicado a Mário de Andrade e Bartolomeu Simões Pereira (seu pai intelectual e seu irmão espiritual), cujo prefácio foi escrito por BSS (Lopes, 1997: 5). A ligação a estas duas pessoas, a quem dedicou o livro, indiciam já uma proximidade entre CL e o PAIGC.
Em terceiro lugar, DSP homenageou CL com um passaporte diplomático do Estado da Guiné-Bissau (Geba Press, 20-10-2014). Esta homenagem com entrega do passaporte diplomático que DSP fez a CL, por um lado, pode ser interpretada como uma retribuição pela admiração/respeito que CL revela para com Bartolomeu Simões Pereira, irmão mais velho de DSP. Por outro lado, este gesto de DSP pode ser enquadrado na leitura sociológica de que «algumas ajudas acabam muitas vezes por revelar-se compensatórias, se avaliadas a longo prazo, porque têm implicações que só se revelam posteriormente: uma ajuda nunca é só uma ajuda, implica a retribuição daquele que é ajudado, seja de forma directa ou indirecta com proveitos esperados no mercado». Deste ponto de vista analítico o mercado pode ser económico, político ou de trabalho (Lin, 2001: 19 citado por Portugal, 2007: 15). Em quarto lugar, DSP e BSS têm-se cruzado, nomeadamente, em Cabo Verde, por ocasião do lançamento do livro da Doutora Eurídice Monteiro e do próprio BSS (RTP África, 15-05-2015). Este encontro terá sido apenas uma coincidência?
Todos estes factos podem ser analisados em conjunto, para retirar conclusões sobre as relações entre estas personalidades, sem ser necessário recorrer a métodos ilícitos. Em síntese, posso dizer que, apesar de não existirem partidos políticos propriamente ditos na Guiné-Bissau, do ponto de vista da Ciência Política, existe um partido Conde-Drácula que morde e transforma toda a gente em Vampiros políticos, ou seja, que vai procurando perpetuar a sua influência na sociedade guineense de todas as formas possíveis ao seu alcance. E quando alguém é mordido pelo vampiro, transforma-se também em vampiro e já não pode atacar os outros da sua espécie, como vemos no filme «Diário Secreto de um Caçador De Vampiros» (Abraham Lincoln: Vampire Hunter). Todos estamos sujeitos a ser mordidos se formos apanhados desprevenidos…
Excelentíssimos leitores, termino com uma palavra de ânimo para o Professor Doutor Kafft Kosta, a quem prestei a devida homenagem na minha dissertação de mestrado, tese de doutoramento e livro (especialmente entre as páginas 203-282). O seu contributo é inestimável e os devidos esclarecimentos poderão facilmente repor a verdade dos factos e preservar sua reputação.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 93, 111-117, 163-164, 185, 199-200, 536, 544). Lisboa: Chiado Editora.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Amine Saad, o memorial da escravatura e as toupeiras guineenses

Caríssimos leitores, no post de hoje trago-vos algumas reflexões sobre a ida de Amine Saad para o Tribunal Penal Internacional «TPI»; o novo Memorial dedicado à escravatura e tráfico negreiro em Cacheu; e a chegada de um «avião-fantasma» denunciada por Domingos Simões Pereira «DSP». No Domingo voltarei com um novo post sobre as recentes declarações de DSP a propósito do acórdão n.º 4/2016 do Supremo Tribunal de Justiça.
Primeira parte. Amine Saad, de 61 anos, natural de Mansoa, vai figurar numa lista de advogados cuja missão será a de assistir suspeitos, acusados ou vítimas que estejam em processo no TPI (Sapo Notícias, 13-07-2016). Os meus parabéns a Amine Saad por esta oportunidade de ocupar mais um lugar de destaque, que dignifica os quadros guineenses. Perante esta nomeação, tenho também outras três considerações a fazer.
Em primeiro lugar, o facto de as diplomacias da França e do Reino Unido serem diplomacias muito vigorosas, acaba muitas vezes por capturar as elites africanas, por vezes através de meios pouco positivos. Se olharmos para a realidade da Guiné-Bissau com base nesta linha do pensamento, podemos verificar que os intelectuais guineenses com mais visibilidade/influência pública, em termos académicos e de impacto mediático, estudaram, na sua maioria, em países francófonos e anglófonos. É possível que estas diplomacias tenham contribuído para a sua ascensão no país, na sub-região africana e nos organismos internacionais – e Amine Saad é um exemplo disto. E Portugal, o que tem feito pelos quadros lusófonos? Esta é uma questão que merece reflexão. Por mais que as forças externas tentem dividir-nos, deveríamos aproveitar o potencial de cada um para investir no desenvolvimento da Guiné-Bissau. Em segundo lugar, devemos questionar o que terá levado o TPI a convidar Amine Saad. Será que se prepara o julgamento de algum guineense por parte do TPI? Amine Saad, por ter sido Procurador-Geral da República da Guiné-Bissau duas vezes, pode estar na posse de informação relevante e comprometedora. Este é um caso que continuarei a acompanhar com toda a atenção.
Em terceiro lugar, não sou apologista ou defensor do TPI, assim como de outras ideias como o termo Estado Falhado, ou os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio/Objectivos de Desenvolvimento Sustentável «ODM/ODS», que apresentam algumas características próximas dos princípios básicos da Conferência de Berlim, que não se aplicam ao Ocidente. Ou seja, parecem ser critérios específicos que se aplicam, preferencialmente aos países africanos e do Médio Oriente. O TPI seguramente não julgará e nem tão pouco condenará, por exemplo, os EUA e alguns países da União Europeia pela invasão ao Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, etc. O nosso ponto de vista é partilhado pelo Presidente da República do Senegal, Macky Sall, que apontou críticas ao TPI, dizendo que apenas os líderes africanos são visados: «quando há uma obstinação em acusar apenas os africanos, há um problema porque dá a impressão que há uma justiça a duas velocidades. Não é normal que o TPI vise apenas os presidentes africanos. Não conheço outros casos oriundos da Europa. Não podemos dizer que não há crimes na Europa central ou ocidental. E depois, os Estados Unidos, a Rússia, a China não reconhecem o TPI. Pelo menos os africanos aceitaram, na sua maioria, fazer parte do TPI». O mesmo se passa em relação ao termo Estado Falhado: há alguns países da Europa (Espanha, Chipre, Grécia, Irlanda, Itália, Portugal, etc.) que perderam “supostamente” as suas soberanias (Política, Económica, etc.), mas dificilmente são referidos como Estados Falhados. É difícil defender a África e os africanos destes vocábulos, na medida em que, muitas vezes, são os próprios intelectuais africanos que os defendem (Euronews, 03-04-2014; Gentili, 1998; Obenga, 2003).
Perante estas ideias, caberá aos quadros africanos ponderar muito bem os convites que recebem para ocupar cargos onde poderão ser usados contra os seus irmãos africanos e contra os interesses de África. Por vezes só se apercebem das consequências depois de deixarem estes mesmos cargos, sendo já tarde demais para lavar a sua imagem.
Segunda parte. A cidade de Cacheu, no norte da Guiné-Bissau, tem um novo memorial dedicado à escravatura e tráfico negreiro, erguido num edifício em ruínas cujas obras de reabilitação foram custeadas pela União Europeia. O memorial foi apresentado como sendo um espaço que visa "valorizar a memória de uma realidade que marcou profundamente os países africanos e ainda hoje permanece com grande acuidade nas sociedades dilaceradas pelo tráfico negreiro" (Sapo Notícias, 08-07-2016). Elogio esta iniciativa, que vai ao encontro do que eu já defendi neste blogue, mas também na minha dissertação e no meu livro a propósito das estátuas derrubadas na Guiné-Bissau. Visto que a preservação da herança cultural com todas as memórias vivas através dos seus monumentos constitui o orgulho e respeito de um povo, os guineenses devem saber distinguir o passado, valorizar o presente e projectar um futuro melhor. Também é importante pressionar Portugal para a manutenção dos patrimónios culturais erguidos na Guiné-Bissau (Mendes, 2010: 97). Além disso, como se pode ouvir no vídeo, este memorial remete-nos para as origens do crioulo, tal como também já discuti num outro post (Mendes, 2010: 19-21).
Terceira parte. O ex-Primeiro Ministro «PM» e líder do PAIGC DSP alertou para a entrada no país de um "avião fantasma" com carga desconhecida e que foi recebido pelo chefe da casa civil da Presidência guineense (Sapo Notícias, 18-07-2016). Esta notícia não é surpresa para ninguém, porque, com o PAIGC, tudo é fantasma na Guiné-Bissau - submarinos, aviões, carros blindados, madeiras, areias, drogas, dinheiros, políticos, conselheiros, casas, esposas...etc. No entanto, não deixa de ser importante que estes acontecimentos sejam esclarecidos.
As pessoas esclarecidas não põem em causa os factos invocados por DSP: compreendem perfeitamente a situação e até os que não gostam dele, dar-lhe-ão razão nesta matéria. No entanto, essa não é a questão central. O povo está habituado a estas acusações constantes e já não presta atenção, porque está cansado de tantas polémicas dos políticos, e principalmente da governação do PAIGC. Assim, chega-se à conclusão de que todos mentem e escondem. Quando um político chega ao Poder (por exemplo, o PM Baciro Djá), diz que encontrou o país numa situação difícil, de rastos e cheio de buracos…assim, basta-lhe aproveitar para “alargar” ainda mais o “buraco”, retirando benefícios da sua situação privilegiada e deixando o país cada vez pior. O país está cheio de buracos: o PAIGC governou sempre como toupeiras (uma vez que vive de baixo do chão) que não param de fazer buracos. Um dia seremos engolidos pela terra
Caríssimos leitores, este post já vai longo, pelo que decidi deixar a parte mais “quente” para o próximo Domingo. Nessa altura, falarei das recentes declarações de DSP acerca do acórdão n.º 4/2016 do Supremo Tribunal de Justiça, da propriedade intelectual do programa «Terra Ranka» e das invasões de privacidade (a que chamarei os papéis do Panamá/Wikileaks guineenses). Tentarei demonstrar que é possível desvendar ligações e segredos de líderes políticos sem recorrer à invasão da sua privacidade. Para estarem preparados, aconselho-vos a lerem os posts “O prometido churrasco dos políticos guineenses: análise dos acontecimentos recentes na Guiné-Bissau,Mais uma cambalhota política na Guiné-Bissau:discursos de DSP e Jomav e a queda de Carlos Correia”, “Da tourada política à nomeação de Baciro Djá, passando pela barricada do Governo demitido”, e “Sobre as implicações do discurso de Jomav e a reacção de DSP”. Não percam!

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 176, 195). Lisboa: Chiado Editora.