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segunda-feira, 20 de junho de 2016

Dos avisos da União Africana ao surgimento do “Paulo Portas guineense”


Distintos leitores, desta vez, não trago chanfanas, nem churrascos, nem touradas, porque parece que algumas pessoas comeram tanto que conseguiram resistir durante 15 dias barricadas.
O post de hoje é um pouco extenso, com diversos tópicos relevantes da actualidade da Guiné-Bissau. Na primeira parte, falo sobre os avisos da União Africana «UA» ao Presidente da República «PR» José Mário Vaz «Jomav». Na segunda parte, sobre o relatório relativo à justiça guineense da relatora para as Nações Unidas «NU» Mónica Pinto. Na terceira parte, abordo as declarações do embaixador dos EUA na Guiné-Bissau sobre as relações entre os dois países. Na quarta parte, louvo a criação de uma Associação dos filhos de antigos combatentes guineenses que lutaram por Portugal na Guerra Colonial (Comandos Africanos) na Guiné-Bissau. Na quinta parte, faço uma análise sobre a criação de um novo partido político na Guiné-Bissau. Na sexta parte, toco na questão da rescisão de contratos entre o Governo e os bancos comerciais. Finalmente, na sétima parte, apresento Botche Candé como o “Paulo Portas guineense”, pela sua irrevogável declaração de que não tomaria posse neste Governo.
Primeira parte. A União Africana «UA» pediu ao PR da Guiné-Bissau que promova o respeito pela Constituição como uma das medidas para resolver a prolongada crise política no país, apelando também aos actores sociais para que coloquem “os melhores interesses do país acima de quaisquer considerações pessoais ou partidárias". A UA lamentou que, apesar de inúmeros esforços de mediação da comunidade internacional, as divergências se tenham aprofundado, em particular entre o PR e a liderança do PAIGC. O comunicado da UA avisou ainda que a Guiné-Bissau se arrisca a perder os mil milhões de euros prometidos por doadores em 2015 (Voz da América, 16-06-2016).
Estas declarações da UA parecem ser só “para inglês ver”, ou seja, sabendo que a UA é claramente pró-Jomav, estas afirmações têm como objectivo causar agitação e “alergia” na ala pró-Domingos Simões Pereira «DSP». Se a UA quisesse mesmo ajudar, teria tido um peso forte ao longo da crise na Guiné-Bissau – e não emitiria apenas pareceres e recomendações, enviando emissários que em nada contribuem para a resolução do problema. Até porque o financiamento principal não provém da UA, pelo que estas "ameaças" não passam de palavras vazias de "corta-fitas". Aconselho os responsáveis guineenses a dar mais atenção, por exemplo, ao trabalho que está a ser feito pela Comissão para a Conferência Nacional de Reconciliação, liderada pelo Padre Domingos Fonseca, e às posições assumidas por Filomena Mascarenhas Tipote, enquanto representante da Voz di Paz (RDP África, 23-05-2016). O Governo poderá e deverá trabalhar em parceria com estes agentes para evitar eventuais erros que possam minar a credibilidade do país.
Segunda parte. Segundo a argentina Mónica Pinto, relatora independente para as Nações Unidas, a situação do sector da justiça na Guiné-Bissau é assustadora e reformá-lo é uma tarefa monumental. Segundo a relatora, "Apesar das descobertas assustadoras, parece que o sistema de justiça tem tido dificuldades em obter a atenção das autoridades" com vista à reforma necessária. Embora a tarefa seja monumental, há "uma nova geração de profissionais dispostos e capazes de melhorar" o sector, acrescenta. O relatório inclui 37 recomendações importantes que abrangem várias áreas, desde a investigação criminal à instrução de processos (Sapo Notícias, 15-06-2016).
Este relatório baseia-se numa visita da relatora à Guiné-Bissau em Outubro de 2015, pelo que será legítimo questionar a sua actualidade, pondo em causa a análise do contexto realizada. Há prazeres que devem ser servidos quentes, e este relatório já está completamente frio. Contudo, tenho de reconhecer que os conteúdos deste relatório parecem assentar nos problemas reais, que já tinham sido identificados pelo intelectual guineense Basílio Sanca. O Bastonário da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau defende uma «reforma integral a nível nacional na área da justiça» e da advocacia. Basílio Sanca reconhece a existência da corrupção na Guiné-Bissau, em especial no campo da justiça, afirmando que esta se deve essencialmente ao “Sistema”, que está mal montado e deve ser revisto porque não corresponde à realidade do país (Rádio Sol Mansi, 08-02-2016).
Terceira parte. O embaixador dos EUA na Guiné-Bissau, James Peter, declarou que os EUA continuam determinados em apoiar a Guiné-Bissau no seu processo de desenvolvimento, apesar da crise política vigente no país. O diplomata elogiou o papel do Supremo Tribunal de Justiça «STJ» no actual processo da crise política e destacou que em qualquer sistema político a existência de instituições judiciais e judiciárias fortes e independentes são cruciais para a estabilidade democrática. Segundo o embaixador, os EUA não se posicionam a favor de um partido A ou B e continuarão a apoiar os esforços dos oficiais das Forças Armadas através de criação de novas parcerias na capacitação e na profissionalização dos militares” (Rádio Sol Mansi, 09-06-2016).
      Finalmente, depois dos meus múltiplos “ataques” aos EUA (por exemplo, neste post e também neste e neste), o embaixador decidiu prestar declarações apaziguadoras. Não pretendo acusar directamente os EUA – o que pretendo é que haja uma política equilibrada em termos de cooperação. Os EUA estão, aliás, contemplados na minha proposta de mudança, como uma das principais potências com preferência para instalar uma base militar numa das ilhas da Guiné-Bissau (além do Alemanha, Reino Unido, Rússia, etc.).
Quarta parte. Foi legalizada a Associação de viúvas e filhos de ex-combatentes guineenses que lutaram por Portugal na Guerra Colonial na Guiné-Bissau. Elogio esta iniciativa, mas sugiro que incluam também nesta associação outras vítimas daquele conflito como, por exemplo, filhos dos antigos funcionários da Administração Colonial, ou dos régulos que foram perseguidos por apoiarem Portugal. Este tipo de movimentos pode contribuir para uma maior solidariedade e coesão, favorecendo a reconciliação que tenho vindo também a defender. Tanto o Estado português como o Estado guineense devem cumprir as suas obrigações para com as famílias das vítimas deste conflito (incluindo os soldados), para que não haja desequilíbrios entre os filhos dos antigos combatentes do PAIGC e os filhos dos antigos Comandos Africanos e outros aliados de Portugal. Todas estas propostas estão bem detalhadas no meu livro e também na minha dissertação de Mestrado (Mendes, 2010: 97).
Quinta parte. O Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau aprovou o processo de legalização do Partido para a Justiça, Reconciliação e Trabalho – Plataforma das Forças Democráticas (PJRT-FD). O PJRT-FD é liderado por Malam Nanco, empresário guineense, atualmente presidente da associação comercial do país (Sapo Notícias, 14-06-2016). Com a legalização do PJRT-FD, de acordo com o meu estudo, a Guiné-Bissau passa a contar com 42 partidos políticos legalizados, para um universo eleitoral de cerca de 700 mil eleitores, num país com 1,5 milhões de habitantes (Mendes, 2015: 382, 440).
Verifica-se claramente que esta multiplicidade excessiva de partidos políticos não é a solução ideal para a Democracia. Qual será então? Segundo o Cientista Político britânico Anthony Giddens (2006), o grande envolvimento dos cidadãos na política está mais relacionado com o associativismo do que com o facto de ter uma filiação partidária. Sendo para isso necessário apostar na sociedade civil que inclui a família e outras instituições de natureza não económica. A sociedade civil é um fórum onde as atitudes democráticas, incluindo a tolerância, têm de ser cultivadas (Giddens, 2006: 76-77; Rudebeck, 1997: 44-47; Teixeira, 2008). Seria importante que a democratização da Democracia dependesse também do fomento de uma profunda cultura cívica. Para que isso aconteça é imperativo investir na Educação para depois trabalhar a mudança de mentalidades. A aposta na sociedade civil é um dos potenciais para o desenvolvimento do país, pois expressa o verdadeiro sintoma dos cidadãos numa Democracia que não está fortemente estruturada (Mendes, 2010: 79).
No meu livro, defendi que, rigorosamente, não existem partidos políticos na Guiné-Bissau, do ponto de vista dos pressupostos da Ciência Política pura e dura. Neste sentido, apresentei uma proposta que se enquadra na “lipoaspiração”/emagrecimento partidária, em que a Guiné-Bissau terá dois partidos políticos principais para concorrer às eleições legislativas e presidenciais. Um terceiro partido servirá de pêndulo da balança, isto é, para evitar aquilo que designo por “excesso de velocidade governativa” ou de “velocidade excessiva da governação”. Este terceiro partido – Governo de Manutenção e Coordenação -  entrará em funções para substituir os órgãos superiores do Aparelho do Poder do Estado – PR, Primeiro-Ministro «PM», Governo, Assembleia Nacional Popular «ANP», Ministros, Secretários de Estado, Procurador-Geral da República «PGR», Presidente de STJ, Presidente de Tribunal de Contas, Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas «CEMGFA», etc., – que tenham terminado o seu mandato, impedindo estes órgãos de continuar a ocupar, manter e exercer o cargo/Poder até ao empossamento dos novos corpos do Aparelho do Poder do Estado recém-eleitos[1].
A existência de muitos partidos políticos na Guiné-Bissau não põe em causa a existência dos dois/três pilares partidários que proponho. Isto é, independentemente destes dois/três pilares partidários, que têm o direito de concorrer às eleições primárias para a escolha dos seus candidatos nas eleições presidenciais, legislativas, etc., os restantes partidos políticos guineenses poderão, em função dos seus estatutos ou ideologias, associar-se a um dos dois pilares ou investir numa acção mais focada a nível local ou regional.
Sexta parte. O Conselho de Ministros da Guiné-Bissau decidiu rescindir o acordo com os bancos comerciais privados a operar no país, que tinha sido assinado pelo Governo anterior, do ex-PM Carlos Correia (RDP África, 20-06-2016).
Os detalhes desta notícia ainda não foram divulgados, mas recomendo que esta seja uma decisão bem estudada e ponderada. O peso dos bancos na economia é indiscutível, tanto positiva como negativamente, pelo que decisões deste tipo têm sempre grandes repercussões. Chamo apenas atenção para uma questão importante: substituir alguém não é sinónimo de invalidar tudo o que essa pessoa tinha feito antes de nós. É necessário descartar os aspectos negativos e aceitar os aspectos positivos, assumindo um compromisso entre as ideias pessoais e a prossecução do interesse público. A concertação entre o actual e os anteriores Governos, além de todas as partes interessadas, é fundamental para concretizar estes objectivos. Neste sentido, este assunto poderá merecer um debate público dos prós & contras, nos órgãos de comunicação social, por parte de especialistas na matéria, para que os guineenses, tanto no país como na diáspora, possam estar bem informados. Esta é uma oportunidade para o Governo do PM Baciro Djá assumir uma postura de honestidade e transparência, conquistando a confiança dos guineenses.
Sétima parte. O PR Jomav conferiu no passado dia 17, posse aos quatro membros do Governo em falta no elenco governamental. A equipa empossada inclui o Ministro dos Negócios Estrangeiros, da Cooperação Internacional e das Comunidades, o Ministro de Estado e do Interior, o Ministro dos Recursos Naturais e o Secretário de Estado do Orçamento e Assuntos Fiscais (O Democrata, 17-06-2016). O cargo de Ministro de Estado e do Interior ficou à responsabilidade de Botche Candé, tal como se previa. Anteriormente, Botche Candé disse ter sido convidado para o cargo pelo PR através de telefone, tendo respondido que não podia aceitar antes de consultar o seu partido. Apesar disso, afirmou que jamais trairia o seu partido, o PAIGC (ANG, 03-06-2016). O facto de o PR Jomav e o PM Baciro Djá não desmentirem as alegações de Botche Candé, e de ele ter tomado posse, sugere que Botche Candé foi obrigado a engolir as suas palavras.
Isto leva-me a comparar a atitude de Botche Candé com Paulo Portas, que fez um pedido de demissão do cargo de Ministro de Negócios Estrangeiros de Portugal, nas suas palavras, “irrevogável”, mas acabou por revogar o que tinha dito, regressando ao Governo com o cargo de Vice-Primeiro Ministro (Jornal de Negócios, 23-07-2013). Na minha opinião, a transformação de Botche Candé no “Paulo Portas guineenese” foi uma estratégia para tentar iludir a ala pró-DSP do PAIGC relativamente à sua colaboração com Jomav. Além disso, esta sua nomeação é um grande paradoxo, já que o próprio PR o tinha demitido anteriormente das mesmas funções. Resta saber por conta de quem está Botche Candé no Governo – pela ala pró-DSP do PAIGC? Pelo PRS? Pelo PR? Se for da parte do PR Jomav, e resistir até às próximas eleições, poderá contribuir para manter o PR, o Governo e o PRS nas suas actuais posições de vantagem. Se estiver por conta da ala pró-DSP, é porque pode virar o jogo ao contrário, acabando por favorecer DSP na sua tentativa de recuperação do Poder. Neste momento, Botche Candé é uma das peças mais importantes do xadrez político guineense (para além do PR, do PRS e dos 15 Deputados expulsos/retornados). Jomav poderá estar encurralado, sem se aperceber, como o Rei de Baceâral ficou, depois da Batalha de Kansala – entre a aliança Mandinga (Biafadas, Balantas, etc.) e a aliança Fula (portugueses, cabo-verdianos, etc.).
Para terminar, quero deixar algumas reflexões sobre a actual situação de DSP e da sua ala. Perante o facto, cada vez mais evidente, de que DSP está quase isolado dentro do partido, as opções disponíveis parecem cada vez mais restritas. Questiono-me se não seria uma jogada inteligente se DSP e Carlos Domingos Gomes Junior «Cadogo Jr.» “apanhassem boleia” [ou barriga de aluguer] de um outro partido político para se candidatarem às próximas eleições legislativas e presidenciais, já que o PAIGC parece ter-lhes virado as costas. E é aqui que o papel de Botche Candé se revelará realmente decisivo. Se acontecer algo deste género, a Guiné-Bissau sofrerá uma reviravolta completa na sua organização política.
Resta ver como a situação evoluirá até às eleições.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 93, 109-116, 144-145, 164, 382, 440, 467, 487, 490-493, 544). Lisboa: Chiado Editora.


[1] Tal como todos os seres animados e inanimados necessitam de um período de descanso ou de intervalo para funcionarem melhor, é assim que a Ciência Política precisa de colmatar uma das grandes lacunas que nenhum sistema de governo, sistema de partido, sistema eleitoral e regime político preencheu ao longo da História.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Sobre o apuramento dos djurtus e os perigos das ajudas internacionais

Prezados leitores, no post de hoje debruço-me apenas sobre dois temas: o apuramento da selecção nacional guineense «djurtus» para o Campeonato Africano das Nações «CAN», em relação com a importância de investir no desporto (primeira parte); e uma reflexão sobre as ajudas internacionais, a partir do donativo recebido recentemente dos EUA para as cantinas escolares.

Primeira parte. A selecção nacional da Guiné-Bissau conseguiu, pela primeira vez na sua história, desde a independência, o apuramento para o CAN. Trata-se de uma grande vitória, que deve ser fortemente elogiada (O Jogo, 05-06-2016).
A propósito disto, retomo algumas ideias sobre a importância do desporto. Do meu ponto de vista, é importante investir fortemente no desenvolvimento do desporto, em paralelo com as outras áreas. O desporto é um instrumento de coesão social e a concorrência para a liderança dos clubes pode reduzir o grande conflito para alcançar cargos políticos. Olhamos para o Ocidente, onde esta área constitui fonte de afirmação (Poder, dinheiro, reconhecimento, etc.), e verificamos que há pessoas que preferem ser presidentes de um clube de futebol ou um grande futebolista/desportista do que ser membros do governo. A mesma lógica se aplica a outras áreas, como, por exemplo, ser empresário, autarca, agricultor, artista, e, na melhor das hipóteses, ir para a Universidade. Há quem prefira ser académico ou universitário, ser reitor, investigador, conselheiro, assessor, gozar de sabedoria, respeito, Poder, do que ter uma tarefa política ou desportiva etc. No fundo, devemos valorizar os méritos de cada um, com base na diversificação das escolhas disponíveis (Mendes, 2010: 95).
Segunda parte. Chegaram ao porto de Bissau 4 mil toneladas de arroz para a alimentação escolar doados pelo Ministério da Agricultura dos EUA através do Programa Mundial de Alimentos «PAM». Este donativo permitirá assegurar refeições quentes para 173 mil crianças em mil escolas do país, pretendendo-se também o incentivo às famílias para que as meninas da 4ª à 6ª classe frequentem mais de 80% das aulas, lutando assim contra o abandono escolar. Dentro de alguns dias chegarão ao país novos produtos entre os quais óleo vegetal, feijão e sardinhas, com o mesmo fim (RadioSolMansi, 03-06-2016).
Sem querer desvalorizar o contributo destes donativos para o bem-estar das crianças e das famílias, importa analisar esta questão também numa outra perspectiva (até porque este papel deveria ser desempenhado pelas autoridades guineenses e não pelos EUA). Num relatório secreto da CIA, de Agosto de 1974, a cientista americana Susan George, revelou que no futuro haveria falta de alimentos e que isso poderia vir a dar aos EUA um Poder inimaginável. O mesmo havia já sido referido alguns anos antes pelo senador americano Hubert Humphrey que, discursando sobre a importância da ajuda alimentar, dizia «e se pretendermos que eles cooperem efectivamente connosco parece-me que a dependência alimentar será uma arma formidável» (Santos, 2003: 29-34) – não há frase mais clara que esta declaração do senador americano. Bem analisados o relatório e o discurso, encontramos provas de que há armadilhas por toda África e para todos os africanos. São provas claras que nos levam a perceber como é que líderes [governantes ou intelectuais] africanos são manipulados, corrompidos, denunciados, descartados, prejudicam o povo e acabam por perder os seus bens que posteriormente são reconvertidos como empréstimos para África. Estas são boas razões para a mudança de mentalidades, do discurso e dos procedimentos (Kosta, 2007: 467, 654; Mendes, 2010: 77-78). Para colmatar estes défices é urgente reduzir as ajudas externas e ter menos intervenientes no processo de distribuição destas ajudas com maior controlo do destino dos apoios concedidos.
Algumas ajudas acabam muitas vezes por revelar-se muito prejudiciais, se forem avaliadas a longo prazo, porque têm implicações que só se revelam posteriormente: uma ajuda nunca é só uma ajuda, implica a retribuição daquele que é ajudado, seja de forma directa ou indirecta. Por estas razões os dois fenómenos – ajudas internacionais e investimentos estrangeiros – devem ser repensados num quadro de capital social como “investimentos nas relações entre os Estados com proveitos esperados no mercado” (Lin, 2001: 19 citado por Portugal, 2007: 15).
Seguindo a mesma linha de raciocínio da minha obra, defendo que se a Guiné-Bissau quer escapar dos efeitos negativos das ajudas internacionais e investimentos estrangeiros, a sua política de cooperação para o desenvolvimento do país deve deixar de centrar-se só no envio de dinheiro, géneros e técnicos [ou tecnologias], que actuam de forma pontual, que acabam por desaparecer e não oferecem assistência nem manutenção. O objectivo desta cooperação deve passar a ser, pelo contrário, a formação de técnicos locais na agricultura e indústria; o incentivo ao desenvolvimento de universidades e pontos de investigação na Guiné-Bissau, para que os guineenses possam criar as suas próprias tecnologias, e formar os seus próprios técnicos. Nas palavras de Confúcio: “é mais importante ensinar a pescar do que oferecer o peixe” (551 a.C. – 479 a.C.). E isto tem também o seu enquadramento nas palavras de James Shikwati: “quando damos a esmola a um mendigo e voltamos a vê-lo na rua no dia seguinte, não podemos dizer que o ajudámos. Ele continua a mendigar […]. Precisamos de tirar o mendigo da rua […]. Temos de descobrir as potencialidades desse mendigo […], pois, isso sim estaremos a melhorar a sua vida”. O que implica que a Guiné-Bissau necessita é de uma chance para ser capaz de administrar e canalizar a sua própria riqueza. Mas isto não significa que a Guiné-Bissau deve deixar de cooperar com outros Estados, bem pelo contrário, deve cooperar, mas de forma inteligente (Mendes, 2010: 93; Schelp, 10-08-2005).

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 191-192, 199-201, 464). Lisboa: Chiado Editora.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Pôr de lado o machado de guerra: homenagem a Carmen Pereira, aproveitamento político da situação e cerco ao Palácio do Governo

Prezados leitores, no post de hoje abordo três pontos da actualidade: o falecimento de Carmen Pereira, a quem presto homenagem (primeiro ponto); o possível aproveitamento político desta situação (segundo ponto) e o perigo do actual cerco ao Governo demitido/barricado (terceiro ponto).
Primeiro ponto. Começo este post prestando homenagem a Carmen Pereira (1937-2016), que faleceu inesperadamente no passado sábado (Público, 05-06-2016). Espero que descanse em paz e envio sentidas condolências para a família. Num post anteriortive a oportunidade de lhe desejar as melhoras e foi um choque receber esta notícia. Morreu numa altura de grande turbulência no país e no PAIGC, no entanto, considero que as divergências devem ser postas de lado – não importa estar a favor da luta armada ou não, ser do PAIGC ou não, ser pró-José Mário Vaz «Jomav» ou pró-Domingos Simões Pereira «DSP». O que importa agora é pôr de lado o machado de guerra, unindo-se para lhe prestar uma homenagem condigna, que dignifique o contributo que deu ao país. Na minha opinião, deve evitar-se a todo o custo que se repita o que aconteceu no dia dos Heróis Nacionais, em que houve uma alternância entre a Fortaleza de Amura e o Cemitério Municipal de Bissau e não uma cerimónia conjunta de todos os guineenses.
Para além de Carmen Pereira, o mundo perdeu também Muhammed Ali «Cassius Marcellus Clay Jr.» (1942-2016), o maior pugilista de todos os tempos, um dos maiores desportistas do século XX, um defensor dos direitos humanos e homem de grande força e coragem, cujo slogan também gosto de usar ("flutuar/voar como uma borboleta e picar como uma abelha"). Estas duas perdas justificaram a minha decisão de abrir um precedente neste blogue – não costumo fazer estas homenagens e não voltarei a fazê-lo de ânimo leve, mas os dois dias em que partiram Carmen Pereira e Muhammed Ali [3 e 4 de Junho] coincidem com a perda das duas primeiras mulheres do meu pai (entre elas, a minha mãe). Que a alma de todos eles descanse em paz.
Segundo ponto. O Governo demitido/barricado do ex-Primeiro–Ministro «PM» Carlos Correia emitiu um comunicado decretando três dias de luto devido ao falecimento de Carmen Pereira (RDP África, 05-06-2016). O Presidente da República «PR» declarou também através de um comunicado que deveria ser organizado um funeral com honras de Estado e decretado o luto nacional (Comunicado da Presidência da República, 05-06-2016). O Governo do PM em exercício, Baciro Djá, emitiu também um comunicado sobre este assunto, prevendo igualmente um funeral com honras de Estado (RTP África, 06-06-2016).
À partida, as três partes estão coincidentes, no entanto, o que não deve acontecer em momento algum é o aproveitamento político da morte de Carmen Pereira para tentar legitimar os seus interesses. Neste caso, o Governo demitido/barricado de Carlos Correia, não estando em funções, deve pôr termo à emissão de comunicados do Conselho de Ministros, respeitando o Governo em funções de Baciro Djá. Embora a sua posição seja compreensível moralmente, em termos de respeito pela lei, estes comunicados não têm validade porque este Governo já não se encontra em funções. Além disso, seria muito indelicado se não participassem presencialmente na despedida a Carmen Pereira, principalmente Carlos Correia e Manuel «Manecas» dos Santos, seus camaradas de luta.
Terceiro ponto. Neste momento, continuamos a assistir a um “cerco” do Palácio do Governo, sendo que o Ministério Público deu, na sexta-feira [04-06-2016], 48 horas para a desocupação das instalações (Voz da América, 04-06-2016). A Guarda Nacional encontra-se do lado de fora do Palácio, impedindo a entrada de qualquer pessoa ou objecto (incluindo comida e bebida), mas deixando o caminho livre para a saída.
Perante isto, importa chamar a atenção para os prós & contras do cerco como estratégia. Tal como eu já tinha dito anteriormente, na política tal como na guerra, “quando cercares um exército [Governo demitido/barricado de Carlos Correia], deixa uma saída livre”. Isto não quer dizer que deixe o inimigo escapar – o objectivo é “fazê-lo crer que existe um caminho para a segurança, assim evitando que ele lute com a coragem do desespero”. Se quiseres «depois, podes esmagá-lo». Segundo os ensinamentos de Sun Tzu, devem acautelar-se três questões: evitar a junção das forças inimigas num mesmo local; atacar o exército inimigo no campo de batalha; e prevenir o cerco de cidades fortificadas. Um cerco prolongado acarreta grandes perigos para quem está a cercar, podendo inverter a vantagem para os que estão cercados (veja-se o exemplo de Hitler quando o seu exército cercou o exército russo de Estaline durante o inverno soviético. Estaline dilatou o tempo até que os alemães ficassem suficientemente fracos por causa do frio, da fome e da saturação para serem vencidos). Neste caso, se o Ministério Público, o Governo de Baciro Djá e a Presidência da República prolongarem o “cerco”, o tiro pode sair-lhes pela culatra. As pessoas que estão cercadas, além de serem apoiadas por alguns veteranos de guerra, têm apoiantes em diversos sectores, nomeadamente nas forças de defesa e segurança, além de estarem numa posição estratégica muito perto de um grande quartel. Por isso, é urgente pôr fim a esta situação de “cerco”. Não podemos tolerar um novo 7 de Junho (como em 1998), em que a Junta Militar se barricou no referido quartel, acabando por sair vitoriosa (Sun Tzu, 2007: 72, 78, 120).

Para terminar, e perante as incertezas que ainda vivemos, deixo uma interrogação no ar: quantos falsos amigos de DSP & Jomav ainda estão por revelar?
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau. Lisboa: Chiado Editora.
E também alguns dos grandes clássicos da estratégia: Sun Tzu (“A Arte da Guerra”), Tucídides (“História da Guerra do Peloponeso”) e Maquiavel (“O Príncipe”).

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Falhas e avisos sérios: primeiras considerações sobre o Governo de Baciro Djá

Caros leitores, hoje trago-vos as minhas primeiras considerações sobre o novo elenco governamental liderado por Baciro Djá. No último post, disse que era cedo para me pronunciar, mas agora já há alguns comentários a fazer. Apenas um dia depois da tomada de posse, posso já apontar cinco falhas a este executivo: quatro delas são habituais e já não constituem novidade; a quinta é extremamente perigosa e pode constituir um mau presságio para este novo Governo (e para o próprio Presidente da República «PR»). Aproveito também neste post, e face a este cenário, volto a apresentar algumas das propostas do meu Modelo Político de Governação relativamente ao número de elementos e à igualdade de género.
Primeira falha – O novo Governo é formado por 32 membros, entre 20 ministros e 12 secretários de Estado (RFI, 02-06-2016). Na situação em que a Guiné-Bissau se encontra, não faz sentido ter um Governo com esta dimensão, que implica gastos enormes e uma maior dispersão de recursos e tempo. Numa situação destas, quando se procura contentar a todos, é muito difícil evitar que se instale o sentimento de alguma frustração, sendo obrigatória a criação de um órgão que funcione como cláusula-travão para filtrar as propostas antes da sua chegada junto dos órgãos competentes (Keane, 2009: 39-41; Leão, 2001: 270). Se José Mário Vaz «Jomav» já se queixava do elevado número de membros do Governo, é difícil acreditar que esteja de acordo com este figurino. As áreas-chave que ele enumerou (salvação da campanha do cajú, a produção de arroz e o fornecimento de peixe às populações, água potável, energia eléctrica, melhor educação, serviços de saúde e infraestruturas sociais) parecem não bater certo com este enorme elenco Governativo (Voz da América, 03-06-2016). Este é um ponto do qual os seus opositores podem fazer um forte aproveitamento político.
No meu Modelo Político de Governação, os ministérios devem corresponder e articular-se com as Áreas de Especialistas que compõem o órgão consultivo das Áreas de Estudos – Órgão Consultivo Multidisciplinar Imparcial «AE-OCMI», tal como eu já referi de forma muito superficial num post anterior. No primeiro bloco do Modelo Político Unificador, o Governo guineense passará a funcionar com 8 ministérios, na expectativa de terem no máximo 10 secretarias de Estado que serão subdivididas em outras categorias administrativas. No segundo e terceiro bloco há uma “lipoaspiração governamental”, para ficarmos só com um dos órgãos – ou os ministérios ou as secretarias (entre 8 e 10). De preferência, com aqueles que apresentem menores custos e maior viabilidade para a estabilidade política da Guiné-Bissau.
Segunda falha – Dos 32 membros do Governo, apenas quatro são mulheres (uma ministra e três secretárias de Estado). Aliás, o único ministério liderado por uma mulher diz respeito à Mulher, Família e Coesão Social. Esta situação reflecte a grande desigualdade de género patente na sociedade guineense, profundamente desrespeitadora dos direitos das mulheres – tanto na Assembleia Nacional Popular «ANP», nos tribunais, nas Forças Armadas, etc. Colocar uma ministra apenas, e naquele lugar em particular, transmite a ideia de um preconceito latente que encara as mulheres como domésticas, quando, na realidade, há quadros femininos com grande potencial tanto na Guiné-Bissau como na diáspora.
No meu modelo, as mulheres deverão ocupar, preferencialmente, 50% dos lugares de topo, seja no Governo, na Administração Pública, ou em qualquer organismo, incluindo os privados. É necessária uma profunda mudança de mentalidades, em coerência com a mudança de discursos e de procedimentos práticos exemplares, para que a Guiné-Bissau possa alcançar o sucesso.
Terceira falha – Está a faltar ainda a escolha do nome para ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros, e a tomada de posse dos ministros dos Recursos Naturais e do Interior, que são áreas-chave. Espero que Baciro Djá não repita o mesmo erro de Carlos Correia, que tomou para si a pasta dos Recursos Naturais, sem nunca ter chegado a escolher um ministro. Baciro Djá, que está a ser nomeado Primeiro-Ministro «PM» pela segunda vez, e já estaria preparado para esta segunda nomeação, deveria ter uma lista pronta muito mais rapidamente.
        Quarta falha – O nome de Botche Candé foi apresentado como Ministro de Estado e do Interior, no entanto, este não chegou a tomar posse. Numa conferência de imprensa, Botche Candé disse ter sido convidado para o cargo pelo PR através de telefone, tendo respondido que não podia aceitar antes de consultar o seu partido. Apesar disso, afirmou que jamais trairia o seu partido, o PAIGC (ANG, 03-06-2016). Este caso levanta muitas dúvidas. Porque razão o PR José Mário Vaz «Jomav» contactou Botche Candé e não outra pessoa da confiança de Domingos Simões Pereira «DSP»? Porque razão não recusou, deixando que o seu nome constasse na lista para depois tornar o caso público? Será que Botche Candé não é uma das “toupeiras” de Jomav? De que lado está Botche Candé? Até quando DSP fechará os olhos e ouvidos ao facto de não ter verdadeiros aliados dentro do PAIGC? Será que Botche Candé também esteve barricado? Recomendo a todos a leitura da Arte da Guerra de Sun Tzu (em especial “A utilização de Espiões”) e, de Plutarco, Como tirar partido/proveito dos seus inimigos e Como distinguir um bajulador de um amigo.
Penso que Botche Candé não está a contar toda a verdade. É provável que tenha uma relação muito mais próxima com Jomav do que está a querer transmitir. Este convite e integração na lista, para um posto de alta responsabilidade, por parte de alguém que já o demitiu, revela uma forte confiança da parte de Jomav. A conferência de imprensa de Botche Candé poderá ser uma manobra de populismo para tentar enganar a ala pró-DSP, de forma a que não desconfiem do seu papel duplo no PAIGC. O maior gesto de solidariedade para com DSP seria barricar-se com o Governo demitido, e não andar em conversações com Jomav para integrar o Governo de Baciro Djá. Estou convencido que DSP deveria ponderar seriamente uma retirada estratégica, tal como já aconselhei.
Quinta falha e mais preocupante de todas - O PR entregou ontem um cheque da Agência de Cooperação Guiné-Bissau/Senegal no valor de 500 milhões de francos CFA ao PM Baciro Djá, para a construção de uma avenida com o nome do ex-PR João Bernardo Vieira «Nino Vieira», que ligará a Praça do Império à zona industrial de Bolola (ANG, 02-06-2016).
     Esta ideia de homenagear o ex-PR Nino Vieira não é nova: em Abril do ano passado, o actual presidente da ANP, Cipriano Cassamá, apresentou a proposta de construção de uma estátua do antigo dirigente [Nino Vieira] em Bissau, com o apoio de Cuba (GBissau, 30-04-2015). Estes dois factos reforçam a minha tese de que Cipriano Cassamá e Jomav estão em sintonia.
Tudo indica que Nino Vieira terá uma estátua e uma avenida em homenagem ao seu contributo para a pátria. Contudo, a sua morte, ainda por esclarecer, e o seu passado, que deixou feridas abertas, revelam que a sua figura provoca tensão na sociedade guineense, em especial pela forma como estes gestos podem ser recebidos por um certo sector da classe castrense e da sociedade em geral. É claro que Nino Vieira merece ser homenageado, no entanto, é necessário um consenso político-militar para ponderar as outras figuras que também deveriam ser homenageadas desta forma, para criar um ambiente mais pacífico e equilibrado. Neste momento, isto não é prioritário – há questões muito mais urgentes para resolver e esta iniciativa passa uma imagem muito duvidosa sobre as prioridades deste novo Governo. Desde quando o cheque se encontrava na posse de Jomav? É correcto entregar um cheque destes para iniciar a obra num período chuvoso da Guiné-Bissau? Parece que esta será uma tentativa de “puxar” os apoiantes do ex-PR Nino Vieira que ainda estão na ala pró-DSP. Receber apoio é muito bom, mas é preciso ser realista: não seria este dinheiro muito mais bem aproveitado numa escola, num hospital, nos quartéis, etc.? Além disso, há dúvida sobre o posicionamento de Macky Sall, este cheque pode ser um presente envenenado, tal como muitos outros que são “oferecidos” aos países em dificuldades. Este acto deve ser ponderado e corrigido, sob pena de ser utilizado para gerar ainda mais confusão, levando à queda do Governo e do próprio Jomav
Conclusão. Este Governo deve pautar-se pela moderação, reconciliação, diálogo e, na medida do possível, pela transparência junto da sociedade, da comunidade internacional e da comunicação social. Em relação ao Governo demitido, ainda barricado, sugiro que procure um entendimento, resolvendo a situação sem o recurso à força. Vou ponderar, num próximo post, apresentar um tipo de Governo que poderá vir a criar estruturas para uma verdadeira modernização política da Guiné-Bissau.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 81, 86, 263, 434, 456-457, 462-463, 550). Lisboa: Chiado Editora.