Caros leitores, mais uma
vez, sejam bem-vindos. Como
Sociólogo & Politicólogo Guineense, confesso que é difícil fazer uma análise cronológica actual da história do
Partido Africano para Independência
da Guiné-Bissau e Cabo Verde «PAIGC» – isso ocuparia mais de um Livro –, pelo que não cabe num simples post. Ainda assim,
pretendo fazer no post de hoje um breve Enquadramento
das Crises Internas do PAIGC, com
destaque para um trabalho que considero muito actual, que é a Obra do Sociólogo Guineense, Doutor Carlos Cardoso (em correlação com Obras
de outros autores, em especial, o meu próprio Livro).
No primeiro ponto,
vou fazer quatro tipos de Enquadramento muito sintéticos, baseados em esquemas[1] que ajudam a compreender a
informação. No segundo
ponto, falarei do Núcleo Duro da Crise Política do PAIGC a partir da Abertura
Democrática. No terceiro,
farei a ligação com a Crise Política Americana, retratada no post anterior. No quarto e último ponto, farei uma
actualização sobre a chegada dos três Dragões e da Gárgula.
Antes de começar a minha
reflexão propriamente dita, quero deixar duas
chamadas de atenção: em primeiro lugar, todos nós pertencemos a uma ou várias etnias e por isso estamos, de uma forma
ou outra, envolvidos nesta complexa
dinâmica social (leiam o meu livro para
compreender melhor as implicações disto); em segundo lugar, sempre que falo num
grupo em particular, estou a referir a posição
da uma maioria dentro daquele grupo – isso não quer dizer que não há dissidentes ou pessoas com opiniões contrárias dentro daquele grupo. O meu
objectivo não é fazer generalizações, mas analisar
tendências.
Primeiro ponto. Em relação ao Primeiro
Enquadramento Histórico, começo por representar o PAIGC como uma Miniatura do
Império de Mali e Gabú.
Os Povos Originários da Guiné (Manjacos,
Papeis e Mancanhas) ocupavam a zona
Norte do País e uniam-se em torno do Império
de Baceârel. Estas Três Etnias[2], de origem comum, compreendiam os dialectos umas das outras.
Por outras palavras, é aquilo que o Professor Doutor, Kafft Kosta (2007: 169-255, 266-270, citado por Mendes, 2015: 208) designa de Triângulo Litoral Papel-Manjaco-Mancanha por pertencerem ao mesmo
tronco comum – Burâmos (Genético;
Linguístico; Religioso; Cultural; Registo na Organização e Dinâmica do Poder Político;
Estrutura Jurídica e Económica). Quando chegaram
outros Povos ao Território da Antiga Guiné – Balantas, Beafadas, Mandingas e Fulas – aliaram-se e ocuparam as zonas Leste, Sul, e
também algumas zonas do Norte. Os Mandingas e Fulas (estas etnias), aliás, tinham
já Alianças anteriores, desde os Impérios
de Mali e Gabú. Embora o PAIGC
se apresente desde a sua criação, como um Partido
de todas as Etnias/Raças, com base na Filosofia
Política subjacente à figura do seu ‘criador, Amílcar Lopes Cabral’ (Nóbrega, 2003: 308-309, citado por Mendes, 2015:
494-495), mas, na verdade, havia (e
ainda há) Etnias – Mandingas, Beafadas e Balantas – dominantes
no PAIGC. Essas mesmas Etnias
representavam o Núcleo Duro do Império de Mali e do Império de Gabú. Esta mensagem de Amílcar Cabral tinha como objectivo principal a coesão
do Partido. Sendo “um Guineense de
origem Caboverdiana”, Amílcar Cabral tinha que proceder desta forma para
ser bem sucedido.
Esquema 1 (Adaptado de Livonildo Francisco Mendes, 2015: 101-109, 145-146).
No
que toca ao Segundo Enquadramento
Histórico, há dois fenómenos importantes: 1.º A chegada ‘oficial’ dos Portugueses,
no Século XV (1444/46) e sua permanência até ao Século XX (1974); 2º. O surgimento dos
Caboverdianos[3] no Século XV (1455/56). Na
sua chegada, os Portugueses ocuparam
a zona Norte da Guiné, onde os Mandingas não exerciam muito Poder. Esta era uma zona onde predominavam os Grupos Étnicos mais antigos
da Guiné, provenientes do mesmo tronco
comum – “Burâmos” (Manjaco, Papel e Mancanha) –, com quem os Portugueses se identificavam melhor, por terem uma Estrutura Política mais próxima das Sociedades Europeias. Esta estratégia permitiu aos Portugueses o
estabelecimento de Alianças e a
exploração dos pontos fracos das
diferentes Etnias, em específico, da Etnia
Mandinga (Mendes, 2015: 108-117). Os Fulas
reverteram o jogo de Poder e, tendo recebido armas de fogo dos Portugueses, aproveitaram esta nova Aliança para derrotar, primeiro, Balantas e Beafadas e, depois, os Mandingas, na famosa Batalha de Kansala em 1867. Mais
uma vez, estamos perante Dois Blocos
de Alianças que se olhavam com
desconfiança mútua.
Quando chegou a Luta Armada, verificamos que, de acordo
com as Alianças estabelecidas, é
quase uma repetição das antigas Alianças,
em que Portugal mantém a maioria dos
seus Aliados com a nova designação
de “Comandos Africanos” (Caboverdianos,
Mancanhas, Manjacos, Fulas e individualidades), contra a Aliança do MLN «Movimento
de Libertação Nacional» designado de PAIGC
construído por uma maioria de guineenses
e uma minoria de Caboverdianos,
mantendo e reforçando a antiga Aliança
do Império de Gabú com algumas Etnias descontentes com acções de
Portugal (Balantas, Beafadas, Mandingas, Bijagós, Felupes, Pepéis, etc.). As únicas excepções a este paralelismo neste Xadrez Étnico dizem
respeito aos Fulas e Pepéis. Os Fulas, como vimos, mudaram graças à posse das armas
modernas. Os Pepéis, por sua
vez, ficaram desagradados com a ocupação efectiva de Bissau e dos seus Reinos, alinhando pelo PAIGC contra os colonizadores.
Esquema 3 (Adaptado de Livonildo Francisco Mendes, 2015: 140, 145-151)
Para o contexto da Abertura Democrática na
Guiné-Bissau, é importante ter em consideração o registo do II
Congresso Extraordinário do PAIGC
de 20 de Janeiro a 1 de Fevereiro de 1991 no qual, por ocasião da
realização da reunião do Comité Central, em Junho do mesmo ano, surgiu a
Assinatura da Carta dos 121 Militantes com as seguintes reivindicações:
Democratização Interna do PAIGC; diálogo com as Formações Políticas nascentes;
definição de uma Linha Política Clara que permitisse restaurar a confiança dos
Militantes, ‘Simpatizantes, Aderentes e Eleitores’. Esta Carta dos 121 Militantes
dividiu nitidamente o Partido em Dois Grandes Grupos: os que são a Favor da
Mudança e os que, embora aceitando-a formalmente, tendem a Defender o Statu
Quo (manter as coisas como
estão). Estes 121 Militantes “Renovadores”
ou “Descontentes” viram as suas esperanças de uma mudança no seio
do PAIGC frustradas. Há quem defenda que o II Congresso[4]
terá sido marcado por uma Luta entre Três Facções que coexistiam na Organização [PAIGC]: os Conservadores, os Reformistas e
os Liberais.
Estes últimos [os Liberais], apesar de favoráveis à Abertura
Política e ao Pluralismo, preferiam a Criação
de Tendências dentro do PAIGC, num Sistema
de Partido Único, mas com uma prática mais Democrática, argumentando que não existia uma Oposição digna desse nome
e que o ideal era melhorar o que existia, trocando as principais Figuras do
Quadro Político Guineense e renovando as estruturas e métodos de funcionamento.
O seu esquema previa que um tal tipo
de Democracia Interna permitiria ao País desenvolver-se, mantendo a Estabilidade actual
(Azevedo, 2009: 154-155; Cardoso, 1996: 27, 30-31; Nóbrega, 2003: 263-268; Mendes, 2015: 380).
Na linha de debate, os Reformadores achavam insuficiente a Filosofia defendida pelos Liberais; propunham ir mais além, ou
seja, era preciso ter a Coragem de
se abrir a Disputa Política com
outras Formações Políticas e aceitar
a alternância no Poder. Os Reformadores
consideravam que somente uma
Democracia de tipo Ocidental – mantendo, contudo, determinadas conquistas
do tempo da Luta pela Independência – era susceptível de fazer avançar o País. Ao
seu lado, estava toda a Classe
de Jovens Tecnocratas e a novíssima Classe Empresarial e Comercial –
sobretudo esta –, que queria participar na condução dos destinos do País. No
campo totalmente oposto, situavam-se os Conservadores,
que não desejavam ceder um milímetro que
fosse do Poder de que dispunham, argumentando com a legitimidade
conquistada na Luta de Libertação Nacional e agitando como perigo o fantasma do abandono dos Antigos Combatentes
da Liberdade da Pátria num Quadro Político diferente. Muita gente esperava
que o PAIGC desse provas da sua vontade de remodelar-se por dentro. Mas
o que aconteceu neste II Congresso foi um reforço da Ala Dura, que se traduziu na
ocupação de Altos Postos de Direcção do Partido e do Estado. Os da Ala Dura eram caracterizados não
só pelo seu posicionamento negativo em
relação à Mudança, mas também pela sua posição “Anti-Burmedju”, ou contra os Mestiços ‘Caboverdianos’,
posição que era partilhada por uma
esmagadora maioria de Partidos Políticos
da Guiné-Bissau (Azevedo, 2009: 154-155; Cardoso, 1996: 31; Mendes, 2015: 380-381).
Sendo assim, as
origens da Actual Oposição ao PAIGC não podem ser procuradas só no período
da Liberalização. Ela data também dos primeiros anos após a Independência. Podemos
dizer que ela se foi construindo, pedra por pedra, à medida que os erros do
próprio Regime Político e Sistema Político do PAIGC se vinham transformando em
condições propícias ao seu aparecimento.
Pela sua forma de surgimento,
distinguimos dois tipos de Oposição: o primeiro tipo, para além de ter
um carácter mais histórico, por ter surgido ao longo da Trajectória Política
por que passou o País, é marcado por uma Certa Exterioridade em relação ao
próprio Aparelho do PAIGC e às Estruturas do Poder. O segundo tipo é de constituição mais recente e é, em grande
medida, Interno
ao próprio Aparelho, tanto do PAIGC como do Estado (Azevedo, 2009: 139-170;
Cardoso, 1996: 31-32; Kosta, 2007: 414; Mendes, 2015:
381).
Esquema 4 (Adaptado de Livonildo Francisco Mendes, 2015)
Fazendo agora a ponte com o post anterior e a História dos
Partidos Políticos nos EUA,
podemos fazer um paralelismo entre
os anti-Federalistas,
que eram contra a União dos Estados
e as Alas Duras
– «Conservadora e Liberal dentro do PAIGC»
–, que estavam Contra as Mudanças no
II Congresso Extraordinário do PAIGC. No Quadro
Político actual, podemos relacionar estas Alas Duras com os Dissidentes do MADEM
G-15. Esta analogia encaixa bem,
na medida em que os Dissidentes do MADEM G-15 foram Derrotados no Congresso de Cacheu
(o PAIGC ganhou as Eleições Legislativas/Presidenciais de 2014 com os elementos
do MADEM-15, mas, estes elementos foram Expulsos do PAIGC, sem participarem na
Convenção, na Universidade de Verão e no último Congresso do PAIGC em Bissau),
tal como os anti-Federalistas
de Thomas Jefferson foram derrotados no Primeira Eleição a Favor dos Federalistas de John
Adams. Do lado contrário, temos a Ala Reformista do PAIGC – a Actual Direcção do PAIGC –, a Favor da Mudança, mais próxima dos Federalistas Americanos
que defendiam a União. No momento Político
Actual podemos considerar que é a Actual Direcção do PAICG que se enquadra
nesta Ala
Reformista[5].
Nesta lógica o Presidente
do PAIGC Domingos Simões Pereira «DSP» deve corresponder à Figura
Política de John Adams e Braima Camará «Bá-Quekutó» deve corresponder à Figura Política de Thomas Jefferson. Tendo em conta a História dos EUA, os anti-Federalistas
(MADEM G-15 mais
os seus Aliados) poderão, eventualmente, lançar um “Candidato” (fazendo o papel de Thomas
Jefferson)
para concorrer às Eleições Legislativas
contra um “Candidato”
dos Federalistas
(PAIGC mais os seus Aliados),
fazendo papel de Aaron
Burr. Seguindo a analogia, no
primeiro embate, Thomas Jefferson perdeu contra John Adams. Na segunda eleição, John Adams não voltou a Candidatar-se, sendo substituído por Aaron Burr. Assim, não sabemos
se Domingos
Simões Pereira «DSP» (John Adams) voltará a ser o Candidato do PAIGC, ou se optará por uma
outra Figura de Peso (pode ser uma
surpresa…) que desempenhará o papel de Aaron Burr. Ainda neste cenário, alguém poderá desempenhar o papel de Alexander Hamilton
Guineense entre os Federalistas [um ‘Amigo ou ex-Amigo’] vindo a influenciar
claramente a Vitória do Thomas Jefferson Guineense (que também poderá ou não ser Braima Camará…quem sabe da surpresa)! Ilustres
leitores, põe-se a questão de saber qual será o desfecho entre o Aaron Burr Guineense e o Alexander Hamilton Guineense?
A Bola está do vosso lado.
De acordo com a História Política Americana alguém de entre
os Federalistas
deve assumir o Papel de George Washington
para convocar uma verdadeira Convenção Nacional
para a União
Política dos Guineenses e da Guiné-Bissau. No próximo post, irei falar
desta possível Convenção e apresentar o Conteúdo de uma Proposta de Mudança daquilo que irá representar
a Filosofia Política dos Dois Pilares Partidários entre Republicanos
Guineenses & Democratas Guineenses. Os Republicanos Guineenses e Democratas
Guineenses poderão inclinar-se para o lado quiserem.
Esquema 5 (Adaptado de Livonildo Francisco Mendes, 2015; ver também este post)
No quarto e último ponto. Finalmente,
chegaram a Bissau os meus três últimos Dragões com uma Gárgula e agora a minha equipa está completa. Um dos Dragões entrou pela zona Norte, outro pelo Sul e outro ainda pelo Leste.
A Gárgula está comigo em Bissau para me proteger dos Politiqueiros Guineenses. Voltarei a
dar notícias dos meus ajudantes muito em breve.
[1]
Estes esquemas apresentam
apenas algumas ideias gerais, não contemplam todas as partes envolvidas. Por
exemplo, no último esquema, não são incluídos os Sindicatos, a Sociedade Civil,
Forças Armadas, Universidades, Grupos Étnicos,
Grupos Religiosos, Meios de Comunicação Social, ONG, Régulos e outras figuras do Poder
Tradicional, etc. Todos estes têm um papel a desempenhar nesta Bipartidarização/Bipolarização Política
na Guiné-Bissau.
[2] A originalidade do Tronco Comum das três Etnias da Guiné-Bissau, é notável nas três Capitais da Guiné colonial – Cacheu [Manjacos], Bolama
[Mancanhas] e Bissau [Pepéis] –, localizam-se em Regiões predominantemente onde estas Etnias exerceram mais Poder Político (Mendes, 2015: 109).
[3] Face ao contexto histórico dos Estados Africanos,
verifica-se alguma falta de clareza
nas suas relações. Quando olhamos para a Guiné-Bissau
e para Cabo Verde, apercebemo-nos
que estes Dois Países/Povos da
África Ocidental têm raízes submersas,
que não permitem uma clara compreensão
dos factos comuns entre Guineenses
e Caboverdianos. A hipótese de que não vivia ninguém no Arquipélago de Cabo
Verde quando os Portugueses lá chegaram é fraquíssima. No entanto, existe a hipótese plausível de que as Ilhas
já teriam sido ocupadas por habitantes da Costa de África, em especial pelos Manjacos (Papéis e Mancanhas) da Guiné, Etnias que faziam
parte da Trilogia do Poder de Baceârel.
Não é por acaso que ainda hoje os Caboverdianos
consideram os Guineenses/Africanos
de Manjacos, tendo em conta a Memória Colectiva dos Caboverdianos transmitida
ao longo de Gerações (Mendes, 2015:
111-112).
[4] Cremos que o
melhor para a Guiné-Bissau nessa
altura, seria se este Movimento Opositor
no seio do PAIGC tivesse aproveitado esta oportunidade para formar um Novo Partido, dissidente do “Partido-Pai”, criando uma Força Política de Oposição forte e consistente. À semelhança do que aconteceu em
Cabo Verde (Bipartidarismo Imperfeito), com a formação do Movimento para a Democracia “MpD”, a Guiné-Bissau
ficaria com a Tipologia de
Bipartidarismo Perfeito, contribuindo para a sua Paz e Estabilidade.
O Bipartidarismo Perfeito – sistema
em que os dois maiores Partidos Políticos se alternam na Governação do País; Bipartidarismo Imperfeito – sistema em
que a Governação do País depende de um Terceiro Partido Político que se coliga
alternadamente com um dos Dois Partidos Políticos mais votados (Fernandes,
2010: 205; Mendes, 2015: 379-380).
[5] Este argumento
pode até ser contrariado por alguém que entenda que a Actual Direcção do PAIGC
deveria pertencer à Ala Dura (Conservadores e Liberais) do próprio PAIGC,
devido ao radicalismo e persistência do Presidente e Direcção do PAIGC com os
seus Aliados, de não aceitar de mudar de posições perante algumas decisões tomadas.