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domingo, 9 de setembro de 2018

A Ponte entre a Bipolarização Bipartidária dos EUA e as Crises Internas no PAIGC

Caros leitores, mais uma vez, sejam bem-vindos. Como Sociólogo & Politicólogo Guineense, confesso que é difícil fazer uma análise cronológica actual da história do Partido Africano para Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde «PAIGC» – isso ocuparia mais de um Livro –, pelo que não cabe num simples post. Ainda assim, pretendo fazer no post de hoje um breve Enquadramento das Crises Internas do PAIGC, com destaque para um trabalho que considero muito actual, que é a Obra do Sociólogo Guineense, Doutor Carlos Cardoso (em correlação com Obras de outros autores, em especial, o meu próprio Livro).
No primeiro ponto, vou fazer quatro tipos de Enquadramento muito sintéticos, baseados em esquemas[1] que ajudam a compreender a informação. No segundo ponto, falarei do Núcleo Duro da Crise Política do PAIGC a partir da Abertura Democrática. No terceiro, farei a ligação com a Crise Política Americana, retratada no post anterior. No quarto e último ponto, farei uma actualização sobre a chegada dos três Dragões e da Gárgula. 

Antes de começar a minha reflexão propriamente dita, quero deixar duas chamadas de atenção: em primeiro lugar, todos nós pertencemos a uma ou várias etnias e por isso estamos, de uma forma ou outra, envolvidos nesta complexa dinâmica social (leiam o meu livro para compreender melhor as implicações disto); em segundo lugar, sempre que falo num grupo em particular, estou a referir a posição da uma maioria dentro daquele grupo – isso não quer dizer que não há dissidentes ou pessoas com opiniões contrárias dentro daquele grupo. O meu objectivo não é fazer generalizações, mas analisar tendências.
Primeiro ponto. Em relação ao Primeiro Enquadramento Histórico, começo por representar o PAIGC como uma Miniatura do Império de Mali e Gabú.
Os Povos Originários da Guiné (Manjacos, Papeis e Mancanhas) ocupavam a zona Norte do País e uniam-se em torno do Império de Baceârel. Estas Três Etnias[2], de origem comum, compreendiam os dialectos umas das outras. Por outras palavras, é aquilo que o Professor Doutor, Kafft Kosta (2007: 169-255, 266-270, citado por Mendes, 2015: 208) designa de Triângulo Litoral Papel-Manjaco-Mancanha por pertencerem ao mesmo tronco comum – Burâmos (Genético; Linguístico; Religioso; Cultural; Registo na Organização e Dinâmica do Poder Político; Estrutura Jurídica e Económica). Quando chegaram outros Povos ao Território da Antiga Guiné – Balantas, Beafadas, Mandingas e Fulas – aliaram-se e ocuparam as zonas Leste, Sul, e também algumas zonas do Norte. Os Mandingas e Fulas (estas etnias), aliás, tinham já Alianças anteriores, desde os Impérios de Mali e Gabú. Embora o PAIGC se apresente desde a sua criação, como um Partido de todas as Etnias/Raças, com base na Filosofia Política subjacente à figura do seu ‘criador, Amílcar Lopes Cabral’ (Nóbrega, 2003: 308-309, citado por Mendes, 2015: 494-495), mas, na verdade, havia (e ainda há) Etnias – Mandingas, Beafadas e Balantas –  dominantes no PAIGC. Essas mesmas Etnias representavam o Núcleo Duro do Império de Mali e do Império de Gabú. Esta mensagem de Amílcar Cabral tinha como objectivo principal a coesão do Partido. Sendo “um Guineense de origem Caboverdiana”, Amílcar Cabral tinha que proceder desta forma para ser bem sucedido.
Esquema 1 (Adaptado de Livonildo Francisco Mendes, 2015: 101-109, 145-146).
          No que toca ao Segundo Enquadramento Histórico, há dois fenómenos importantes: 1.º A chegada ‘oficial’ dos Portugueses, no Século XV (1444/46) e sua permanência até ao Século XX (1974); 2º. O surgimento dos Caboverdianos[3] no Século XV (1455/56). Na sua chegada, os Portugueses ocuparam a zona Norte da Guiné, onde os Mandingas não exerciam muito Poder. Esta era uma zona onde predominavam os Grupos Étnicos mais antigos da Guiné, provenientes do mesmo tronco comum – “Burâmos” (Manjaco, Papel e Mancanha) –, com quem os Portugueses se identificavam melhor, por terem uma Estrutura Política mais próxima das Sociedades Europeias. Esta estratégia permitiu aos Portugueses o estabelecimento de Alianças e a exploração dos pontos fracos das diferentes Etnias, em específico, da Etnia Mandinga (Mendes, 2015: 108-117). Os Fulas reverteram o jogo de Poder e, tendo recebido armas de fogo dos Portugueses, aproveitaram esta nova Aliança para derrotar, primeiro, Balantas e Beafadas e, depois, os Mandingas, na famosa Batalha de Kansala em 1867. Mais uma vez, estamos perante Dois Blocos de Alianças que se olhavam com desconfiança mútua.
Esquema 2 (Adaptado de Livonildo Francisco Mendes, 2015: 108-117, 145-146)       

Quando chegou a Luta Armada, verificamos que, de acordo com as Alianças estabelecidas, é quase uma repetição das antigas Alianças, em que Portugal mantém a maioria dos seus Aliados com a nova designação de “Comandos Africanos” (Caboverdianos, Mancanhas, Manjacos, Fulas e individualidades), contra a Aliança do MLN «Movimento de Libertação Nacional» designado de PAIGC construído por uma maioria de guineenses e uma minoria de Caboverdianos, mantendo e reforçando a antiga Aliança do Império de Gabú com algumas Etnias descontentes com acções de Portugal (Balantas, Beafadas, Mandingas, Bijagós, Felupes, Pepéis, etc.). As únicas excepções a este paralelismo neste Xadrez Étnico dizem respeito aos Fulas e Pepéis. Os Fulas, como vimos, mudaram graças à posse das armas modernas. Os Pepéis, por sua vez, ficaram desagradados com a ocupação efectiva de Bissau e dos seus Reinos, alinhando pelo PAIGC contra os colonizadores.
Esquema 3 (Adaptado de Livonildo Francisco Mendes, 2015: 140, 145-151)
Para o contexto da Abertura Democrática na Guiné-Bissau, é importante ter em consideração o registo do II Congresso Extraordinário do PAIGC de 20 de Janeiro a 1 de Fevereiro de 1991 no qual, por ocasião da realização da reunião do Comité Central, em Junho do mesmo ano, surgiu a Assinatura da Carta dos 121 Militantes com as seguintes reivindicações: Democratização Interna do PAIGC; diálogo com as Formações Políticas nascentes; definição de uma Linha Política Clara que permitisse restaurar a confiança dos Militantes, ‘Simpatizantes, Aderentes e Eleitores’. Esta Carta dos 121 Militantes dividiu nitidamente o Partido em Dois Grandes Grupos: os que são a Favor da Mudança e os que, embora aceitando-a formalmente, tendem a Defender o Statu Quo (manter as coisas como estão). Estes 121 Militantes Renovadores” ou “Descontentes” viram as suas esperanças de uma mudança no seio do PAIGC frustradas. Há quem defenda que o II Congresso[4] terá sido marcado por uma Luta entre Três Facções que coexistiam na Organização [PAIGC]: os Conservadores, os Reformistas e os Liberais. Estes últimos [os Liberais], apesar de favoráveis à Abertura Política e ao Pluralismo, preferiam a Criação de Tendências dentro do PAIGC, num Sistema de Partido Único, mas com uma prática mais Democrática, argumentando que não existia uma Oposição digna desse nome e que o ideal era melhorar o que existia, trocando as principais Figuras do Quadro Político Guineense e renovando as estruturas e métodos de funcionamento. O seu esquema previa que um tal tipo de Democracia Interna permitiria ao País desenvolver-se, mantendo a Estabilidade actual (Azevedo, 2009: 154-155; Cardoso, 1996: 27, 30-31; Nóbrega, 2003: 263-268; Mendes, 2015: 380).
Na linha de debate, os Reformadores achavam insuficiente a Filosofia defendida pelos Liberais; propunham ir mais além, ou seja, era preciso ter a Coragem de se abrir a Disputa Política com outras Formações Políticas e aceitar a alternância no Poder. Os Reformadores consideravam que somente uma Democracia de tipo Ocidental – mantendo, contudo, determinadas conquistas do tempo da Luta pela Independência – era susceptível de fazer avançar o País. Ao seu lado, estava toda a Classe de Jovens Tecnocratas e a novíssima Classe Empresarial e Comercial – sobretudo esta –, que queria participar na condução dos destinos do País. No campo totalmente oposto, situavam-se os Conservadores, que não desejavam ceder um milímetro que fosse do Poder de que dispunham, argumentando com a legitimidade conquistada na Luta de Libertação Nacional e agitando como perigo o fantasma do abandono dos Antigos Combatentes da Liberdade da Pátria num Quadro Político diferente. Muita gente esperava que o PAIGC desse provas da sua vontade de remodelar-se por dentro. Mas o que aconteceu neste II Congresso foi um reforço da Ala Dura, que se traduziu na ocupação de Altos Postos de Direcção do Partido e do Estado. Os da Ala Dura eram caracterizados não só pelo seu posicionamento negativo em relação à Mudança, mas também pela sua posição “Anti-Burmedju”, ou contra os Mestiços ‘Caboverdianos’, posição que era partilhada por uma esmagadora maioria de Partidos Políticos da Guiné-Bissau (Azevedo, 2009: 154-155; Cardoso, 1996: 31; Mendes, 2015: 380-381).
Sendo assim, as origens da Actual Oposição ao PAIGC não podem ser procuradas só no período da Liberalização. Ela data também dos primeiros anos após a Independência. Podemos dizer que ela se foi construindo, pedra por pedra, à medida que os erros do próprio Regime Político e Sistema Político do PAIGC se vinham transformando em condições propícias ao seu aparecimento. Pela sua forma de surgimento, distinguimos dois tipos de Oposição: o primeiro tipo, para além de ter um carácter mais histórico, por ter surgido ao longo da Trajectória Política por que passou o País, é marcado por uma Certa Exterioridade em relação ao próprio Aparelho do PAIGC e às Estruturas do Poder. O segundo tipo é de constituição mais recente e é, em grande medida, Interno ao próprio Aparelho, tanto do PAIGC como do Estado (Azevedo, 2009: 139-170; Cardoso, 1996: 31-32; Kosta, 2007: 414; Mendes, 2015: 381).

Esquema 4  (Adaptado de Livonildo Francisco Mendes, 2015)
Fazendo agora a ponte com o post anterior e a História dos Partidos Políticos nos EUA, podemos fazer um paralelismo entre os anti-Federalistas, que eram contra a União dos Estados e as Alas Duras – «Conservadora e Liberal dentro do PAIGC» –, que estavam Contra as Mudanças no II Congresso Extraordinário do PAIGC. No Quadro Político actual, podemos relacionar estas Alas Duras com os Dissidentes do MADEM G-15. Esta analogia encaixa bem, na medida em que os Dissidentes do MADEM G-15 foram Derrotados no Congresso de Cacheu (o PAIGC ganhou as Eleições Legislativas/Presidenciais de 2014 com os elementos do MADEM-15, mas, estes elementos foram Expulsos do PAIGC, sem participarem na Convenção, na Universidade de Verão e no último Congresso do PAIGC em Bissau), tal como os anti-Federalistas de Thomas Jefferson foram derrotados no Primeira Eleição a Favor dos Federalistas de John Adams. Do lado contrário, temos a Ala Reformista do PAIGC – a Actual Direcção do PAIGC –, a Favor da Mudança, mais próxima dos Federalistas Americanos que defendiam a União. No momento Político Actual podemos considerar que é a Actual Direcção do PAICG que se enquadra nesta Ala Reformista[5]. Nesta lógica o Presidente do PAIGC Domingos Simões Pereira «DSP» deve corresponder à Figura Política de John Adams e Braima Camará «Bá-Quekutó» deve corresponder à Figura Política de Thomas Jefferson. Tendo em conta a História dos EUA, os anti-Federalistas (MADEM G-15 mais os seus Aliados) poderão, eventualmente, lançar um Candidato” (fazendo o papel de Thomas Jefferson) para concorrer às Eleições Legislativas contra um “Candidato” dos Federalistas (PAIGC mais os seus Aliados), fazendo papel de Aaron Burr. Seguindo a analogia, no primeiro embate, Thomas Jefferson perdeu contra John Adams. Na segunda eleição, John Adams não voltou a Candidatar-se, sendo substituído por Aaron Burr. Assim, não sabemos se Domingos Simões Pereira «DSP» (John Adams) voltará a ser o Candidato do PAIGC, ou se optará por uma outra Figura de Peso (pode ser uma surpresa…) que desempenhará o papel de Aaron Burr. Ainda neste cenário, alguém poderá desempenhar o papel de Alexander Hamilton Guineense entre os Federalistas [um Amigo ou ex-Amigo’] vindo a influenciar claramente a Vitória do Thomas Jefferson Guineense (que também poderá ou não ser Braima Camará…quem sabe da surpresa)! Ilustres leitores, põe-se a questão de saber qual será o desfecho entre o Aaron Burr Guineense e o Alexander Hamilton Guineense? A Bola está do vosso lado.
De acordo com a História Política Americana alguém de entre os Federalistas deve assumir o Papel de George Washington para convocar uma verdadeira Convenção Nacional para a União Política dos Guineenses e da Guiné-Bissau. No próximo post, irei falar desta possível Convenção e apresentar o Conteúdo de uma Proposta de Mudança daquilo que irá representar a Filosofia Política dos Dois Pilares Partidários entre Republicanos Guineenses & Democratas Guineenses. Os Republicanos Guineenses e Democratas Guineenses poderão inclinar-se para o lado quiserem.
Esquema 5 (Adaptado de Livonildo Francisco Mendes, 2015; ver também este post)
No quarto e último ponto. Finalmente, chegaram a Bissau os meus três últimos Dragões com uma Gárgula e agora a minha equipa está completa. Um dos Dragões entrou pela zona Norte, outro pelo Sul e outro ainda pelo Leste. A Gárgula está comigo em Bissau para me proteger dos Politiqueiros Guineenses. Voltarei a dar notícias dos meus ajudantes muito em breve.
Boa leitura meus ilustres leitores!


[1] Estes esquemas apresentam apenas algumas ideias gerais, não contemplam todas as partes envolvidas. Por exemplo, no último esquema, não são incluídos os Sindicatos, a Sociedade Civil, Forças Armadas, Universidades, Grupos Étnicos, Grupos Religiosos, Meios de Comunicação Social, ONG, Régulos e outras figuras do Poder Tradicional, etc. Todos estes têm um papel a desempenhar nesta Bipartidarização/Bipolarização Política na Guiné-Bissau.
[2] A originalidade do Tronco Comum das três Etnias da Guiné-Bissau, é notável nas três Capitais da Guiné colonial – Cacheu [Manjacos], Bolama [Mancanhas] e Bissau [Pepéis] –, localizam-se em Regiões predominantemente onde estas Etnias exerceram mais Poder Político (Mendes, 2015: 109).

[3] Face ao contexto histórico dos Estados Africanos, verifica-se alguma falta de clareza nas suas relações. Quando olhamos para a Guiné-Bissau e para Cabo Verde, apercebemo-nos que estes Dois Países/Povos da África Ocidental têm raízes submersas, que não permitem uma clara compreensão dos factos comuns entre Guineenses e Caboverdianos. A hipótese de que não vivia ninguém no Arquipélago de Cabo Verde quando os Portugueses lá chegaram é fraquíssima. No entanto, existe a hipótese plausível de que as Ilhas já teriam sido ocupadas por habitantes da Costa de África, em especial pelos Manjacos (Papéis e Mancanhas) da Guiné, Etnias que faziam parte da Trilogia do Poder de Baceârel. Não é por acaso que ainda hoje os Caboverdianos consideram os Guineenses/Africanos de Manjacos, tendo em conta a Memória Colectiva dos Caboverdianos transmitida ao longo de Gerações (Mendes, 2015: 111-112).
[4] Cremos que o melhor para a Guiné-Bissau nessa altura, seria se este Movimento Opositor no seio do PAIGC tivesse aproveitado esta oportunidade para formar um Novo Partido, dissidente do “Partido-Pai”, criando uma Força Política de Oposição forte e consistente. À semelhança do que aconteceu em Cabo Verde (Bipartidarismo Imperfeito), com a formação do Movimento para a Democracia “MpD”, a Guiné-Bissau ficaria com a Tipologia de Bipartidarismo Perfeito, contribuindo para a sua Paz e Estabilidade. O Bipartidarismo Perfeito – sistema em que os dois maiores Partidos Políticos se alternam na Governação do País; Bipartidarismo Imperfeito – sistema em que a Governação do País depende de um Terceiro Partido Político que se coliga alternadamente com um dos Dois Partidos Políticos mais votados (Fernandes, 2010: 205; Mendes, 2015: 379-380).

[5] Este argumento pode até ser contrariado por alguém que entenda que a Actual Direcção do PAIGC deveria pertencer à Ala Dura (Conservadores e Liberais) do próprio PAIGC, devido ao radicalismo e persistência do Presidente e Direcção do PAIGC com os seus Aliados, de não aceitar de mudar de posições perante algumas decisões tomadas.

8 comentários:

  1. Interessante análise! parabéns! Vou continuar atento para poder confirmar as previsões das tendências em jogo. Melhor seria era que a política e os políticos estivessem em primeiro lugar para servir e não para ser servidos. Mas isto já são as fraquezas da condição humana e aí pouco se pode fazer.

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    1. Como sempre, os seus comentários são muito pertinentes e motivam-me a continuar. Infelizmente, ainda há um longo caminho a percorrer. Obrigado e até breve meu caro amigo

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  2. Já li e compreendi muito bem o seu ponto de vista. A sua visão se caixa muito bem no contexto político actual na Guiné Bissau. Estou atentamente a espera da outra oferta. Parabéns Tafarel.

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    1. Muito obrigado caro Januário. Fique atento, porque em breve haverá novidades. Abraço

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  3. O Quadro de analise, teoricamente, parece bem construido e explicativo da evoluçao do contexto da Guiné-Bissau, na verdade, é tudo muito simplificado e baseado em premissas que, nao direi falsas, mas que, a meu ver, nao sao muito crediveis nem do ponto de vista historico nem sociologico.

    O autor, propositadamente, omite muitos grupos etnolinguisticos e que em obras fundamentais como a de Walter Rodney que, por sua vez cita autores Portugueses de primeira agua, sao considerados os verdadeiros povos autoctones da regiao, caso dos Banhuns, Cassangas, Cocolis, Padjadincas, entre outros. Este é o primeiro erro. O Segundo é o facto do autor separar a etnia Djola/Beafada do grupo que ele considera como os Povos originarios. O parentesco entre Beafadas e papeis foi confirmado por muitas evidencias, praticas e factos socio-historicos ainda actuais como a realizacao de certas cerimonias e rituais. Outro facto dificil de perceber é a aliança historica, mencionada no texto, entre Mandingas e Fulas, situaçao que os dados historicos nao confirmam, mesmo considerando o facto de ambos serem originarios do Mandé (Mali) e como tal, serem depositarios das mesmas heranças historicas, geneticas e socio-culturais juntamente com os Saracoles e outros da mesma regiao geografica.

    Nao vou me alongar muito e, também, nao é minha intençao negar algum mérito a tentativa de compreensao e de explicaçao que, todavia, deveria ser revista para bem dos leitores e do proprio autor, o Dr. Livonildo Mendes.

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    1. Caro Cherno, muito obrigado pelo seu comentário. Todos os pontos de vista são bem-vindos e enriquecem o debate.
      Naturalmente, omiti muitos autores de referência, porque isto é um blogue e aqui não cabem análises demasiado extensas e complexas. Neste sentido, tenho de refutar a sua crítica, segundo a qual as premissas não seriam “muito credíveis nem do ponto de vista Histórico nem Sociológico”. A minha análise completa pode ser lida no meu livro, o qual já mencionei por diversas vezes neste blogue. Lá poderá encontrar toda a argumentação que nunca pode caber num simples post. Se consultar o meu livro, vai verificar que identifiquei os seguintes grupos étnicos principais: Baiotes, Balantas, Banhus, Beafadas, Bijagós, Brames/Mancanhas, Cassangas, Felupes/Djolas, Fulas, Mandingas, Manjacos, Nalus e Pepéis. Existem outras minorias étnicas, tais como os Bagas, os Bambaras, os Cobianas, os Cocolis, os Conháguis, os Jacancas, os Jaloncas, os Landumas, os Padjadincas, os Quissancas, os Saracolés, os Sossos, os Tendas (Augel & Cardoso, 1996: 169-171; Djaló, 2012: 21-27; Lopes, 1999: 54-72), etc. Desde cedo se verificou no território guineense a distinção entre dois grandes grupos de etnias – os Animistas [Balantas, Bijagós, Mancanhas, Manjacos, Pepéis e Felupes] e os Islamizados [Fulas, Mandingas e Beafadas] (Kosta, 2007: 230-231; Lopes, 1982: 19; Mendes, 1992: 69; Mendes, 2010: 18; Nóbrega, 2003: 51-53, 102; Oramas, 1998: 28-30; Sousa, 2008: 336-338). Esta separação ainda se verifica hoje e tem forte repercussão na realidade guineense (Azevedo, 2009: 159; IPAD, s.d.; Mendes, 2015: 103-104).
      Relativamente à relação entre Djolas e Beafadas, este é um tema controverso, e nem todos os autores concordam nesta matéria. Poderá ser verdade, mas não é consensual. Os Felupes/Djolas são denominados pelos Manjacos de “Batchuqui”, que significa “os primeiros que foram recebidos”, ou seja, dá a entender que terão sido dos primeiros povos a chegar pelo Norte e foram recebidos pelas etnias originárias da Guiné – «Manjacos-Pepéis-Mancanhas» – que partilhavam o Poder no Império de Baceârel. A relação entre Djolas/Felupes e Beafadas poderá ser anterior à sua vinda para a Guiné, sendo, portanto, mais complexa do que aparenta.
      Com base na mesma ordem de ideias, vimos que todas as hipóteses evidenciam que as relações entre Mandingas, Fulas, Beafadas e Balantas seriam anteriores à sua chegada ao território da actual Guiné-Bissau. A ocupação conjunta das terras do Sul e Leste (e também algumas terras do Norte) parece indiciar relações de afinidade entre Fulas, Mandingas, Balantas e Beafadas. Os Balantas e Beafadas parecem, aliás, ter relações de parentesco evidenciadas pelas suas características comuns (Cammilleri, 2010: 15-17; Lopes, 1999: 66). O facto de as quatro etnias mencionadas terem as suas raízes no Sudão Ocidental (que veio a originar os Impérios de Ghana, Mali e Gão) reforça as hipóteses colocadas (Mendes, 2015: 103-108).

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    2. (continuação)
      Na altura em que os Mandingas liderados por Sundiata Keita estavam mais fortes, os Fulas ajudaram este líder a conquistar o Poder. Mais tarde, acabaram por virar-se contra os Mandingas, na tentativa de roubarem o Poder, especialmente durante a liderança de um Fula de nome Koli Tenguela. As relações não foram sempre positivas/pacíficas, mas existiu, de facto uma aliança. Porque de acordo com as regras da aliança, dois grupos podem unir-se contra um inimigo comum e depois disso acabarem por lutar um contra o outro – é a Realpolitik de Lord Palmerston: “nós não temos aliados eternos ou inimigos perpétuos, só os nossos interesses são eternos e perpétuos e é nosso dever segui-los” (Palmerston citado por Palmeira, 2006: 60, 136-142; Mendes, 2015: 107-108; 189).
      Hoje em dia são quase irrefutáveis as teses que defendem os laços de parentesco e de boa vizinhança existentes entre alguns grupos étnicos. Segundo «a tradição oral, os Beafadas estão na origem dos Balantas, ao longo dos séculos as duas etnias partilharam o mesmo espaço e ancestral comum […]; e o próprio vocábulo Beafada significa “os filhos do meu pai, os meus irmãos”. Os elementos linguísticos face aos nomes dos povos que intervêm nesta narração são quatro: Beafadas, Balantas, Mandingas e Pepéis […]». Estes são os povos com quem os Balantas têm tido um relacionamento especial ao longo da história, não só antes e durante a luta armada, mas também após a independência. Esta relação continua presente no Partido-Estado, o Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde “PAIGC”, nas Forças Armadas Revolucionária do Povo “FARP” [ou Forças Armadas da Guiné-Bissau “FAGB”] e, aparentemente, no segundo maior Partido Político, o Partido da Renovação Social “PRS” [e no MADEM-15] (Cammilleri, 2010: 15-17). Apesar de Cammilleri (2010) incluir os Pepéis nestas relações de afinidade, do nosso ponto de vista, essa aproximação só se deu no início do século XX, quando as relações entre Pepéis e Portugueses se deterioraram (Mendes, 2015: 103-108; 237-239).
      Com base nesta ordem de ideias, aconselho-o vivamente a ler o meu livro e a consultar as respectivas fontes, antes de julgar o meu Rigor Científico com base num simples post do blogue. Espero que estes esclarecimentos tenham sido úteis e conto consigo para continuar a acompanhar as minhas publicações.

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