O objectivo deste post é chamar a atenção para o facto
de muitas pessoas (especialmente,
governantes e políticos) criticarem
países como a Guiné-Bissau, sem contudo
fazerem uma análise rigorosa e sem olharem, previamente, para a situação dos seus próprios países. Já
falei disso anteriormente quando defendi que “quem tem telhados de vidro não deve andar à pedrada”.
Em 2012, o ex-Presidente da República de Moçambique,
Joaquim Alberto Chissano exortou a Comunidade Internacional para prestar
uma assistência permanente de longo
prazo à Guiné-Bissau, visando ajudar o país a “autoeducar-se na cultura da paz e da democracia”. Joaquim Chissano lamentou
o recurso sistemático à violência para
a resolução de diferendos, advogando
a articulação da Comunidade Internacional
na pacificação do país. Estas afirmações
surgiram na sequência de um ataque à
residência do ex-Primeiro-Ministro e ex-candidato presidencial, Carlos Gomes Júnior e ocupação de vários
postos estratégicos da capital da
Guiné-Bissau por um grupo de militares
(Sapo Notícias, 13-04-2012).
As palavras do ex-PR de Moçambique podem
ser interpretadas como bons conselhos
para quem deseja as maiores felicidades
para a Guiné-Bissau e ao povo guineense.
Mas cabe-me agora apresentar alguns factos da realidade moçambicana.
A realidade
moçambicana está inundada de
conflitos de várias ordens, entre assassinatos, perseguições e confrontos armados
entre os dois maiores partidos
político-militares de Moçambique – a RENAMO
(Resistência Nacional Moçambicana) e a FRELIMO
(Frente de Libertação de Moçambique) que perturbam
a estabilidade do país (Expresso, 05-04-2013).
Para sustentar
estas ideias, apresento três exemplos
concretos da realidade moçambicana.
Em primeiro
lugar, tenho os casos de raptos e assassinatos
de Albinos, muito recorrente em Moçambique, para tráfico de órgãos destinados à realização
de feitiços para atrair boa sorte,
amor e riqueza (A Bola África, 25-11-2015).
Em segundo
lugar, o assassinato de opositores
políticos ou vozes críticas incómodas
como o caso de Gilles Cistac, um
constitucionalista e professor universitário baleado em plena luz do dia. O especialista de Direito Constitucional,
de origem francesa, defendeu uma posição da RENAMO acerca da criação de províncias autónomas em
Moçambique, tendo recebido ameaças,
antes de ter sido alvejado pelas costas
num local público (Público, 03-03-2015).
Em terceiro
lugar, a tentativa de assassinato de Manuel
Bissopo, secretário-geral da RENAMO, que denunciou, pouco antes do ataque, alegados raptos e assassínios de
membros do seu partido. Também num local
público e à luz do dia, a sua viatura foi bloqueada por dois outros
carros, de onde saíram os tiros (Diário de Notícias, 20-01-2016).
Moçambique vive uma situação de incerteza política há vários meses depois de o líder da RENAMO reivindicar a vitória nas eleições gerais de 2014 e de ameaçar tomar o Poder em seis províncias do Norte e Centro do país
(Diário de Notícias, 20-01-2016).
Perante estes
factos, questiono se Joaquim Chissano
considera que Moçambique deve “autoeducar-se na cultura da paz e da
Democracia”, tal como recomendou à
Guiné-Bissau (Sapo Notícias, 13-04-2012). Quem parece estar de acordo comigo é o académico Lourenço do Rosário, que disse que nunca foi criada a cultura de paz e reconciliação em Moçambique após os acordos de Roma de 1992
(Miramar, 22-10-2015), facto que está
por detrás da polarização da sociedade moçambicana entre os partidos da FRELIMO e da RENAMO, e da agudização das suas contradições.
Posto isto caríssimos
leitores, recomendo categoricamente a Joaquim Chissano que valorize a lição de que quando a
casa do vizinho do lado estiver a arder, convém ajudá-lo a apagar o fogo para
evitar a eventual propagação do incêndio para a nossa própria casa (Kosta,
2007: 703)[1].
Para mais
informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma
de Governação na Guiné-Bissau (pp. 190, 321). Lisboa: Chiado Editora.
[1] Joaquim Chissano parece ter ouvido a minha crítica, e já tomou posição relativamente a um dos problemas que apontei, ao defender a necessidade de uma educação forte para a sociedade moçambicana para erradicar
o rapto, morte e perseguição dos Albinos (Rádio
Moçambique, 16-09-2015).