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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Quando Joaquim Chissano apontou um dedo à Guiné-Bissau, três dedos viraram-se contra ele

O objectivo deste post é chamar a atenção para o facto de muitas pessoas (especialmente, governantes e políticos) criticarem países como a Guiné-Bissau, sem contudo fazerem uma análise rigorosa e sem olharem, previamente, para a situação dos seus próprios países. Já falei disso anteriormente quando defendi que “quem tem telhados de vidro não deve andar à pedrada”.

Em 2012, o ex-Presidente da República de Moçambique, Joaquim Alberto Chissano exortou a Comunidade Internacional para prestar uma assistência permanente de longo prazo à Guiné-Bissau, visando ajudar o país a “autoeducar-se na cultura da paz e da democracia”. Joaquim Chissano lamentou o recurso sistemático à violência para a resolução de diferendos, advogando a articulação da Comunidade Internacional na pacificação do país. Estas afirmações surgiram na sequência de um ataque à residência do ex-Primeiro-Ministro e ex-candidato presidencial, Carlos Gomes Júnior e ocupação de vários postos estratégicos da capital da Guiné-Bissau por um grupo de militares (Sapo Notícias, 13-04-2012).
As palavras do ex-PR de Moçambique podem ser interpretadas como bons conselhos para quem deseja as maiores felicidades para a Guiné-Bissau e ao povo guineense. Mas cabe-me agora apresentar alguns factos da realidade moçambicana.
  A realidade moçambicana está inundada de conflitos de várias ordens, entre assassinatos, perseguições e confrontos armados entre os dois maiores partidos político-militares de Moçambique – a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana) e a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) que perturbam a estabilidade do país (Expresso, 05-04-2013).
Para sustentar estas ideias, apresento três exemplos concretos da realidade moçambicana.
Em primeiro lugar, tenho os casos de raptos e assassinatos de Albinos, muito recorrente em Moçambique, para tráfico de órgãos destinados à realização de feitiços para atrair boa sorte, amor e riqueza (A Bola África, 25-11-2015).
Em segundo lugar, o assassinato de opositores políticos ou vozes críticas incómodas como o caso de Gilles Cistac, um constitucionalista e professor universitário baleado em plena luz do dia. O especialista de Direito Constitucional, de origem francesa, defendeu uma posição da RENAMO acerca da criação de províncias autónomas em Moçambique, tendo recebido ameaças, antes de ter sido alvejado pelas costas num local público (Público, 03-03-2015).
Em terceiro lugar, a tentativa de assassinato de Manuel Bissopo, secretário-geral da RENAMO, que denunciou, pouco antes do ataque, alegados raptos e assassínios de membros do seu partido. Também num local público e à luz do dia, a sua viatura foi bloqueada por dois outros carros, de onde saíram os tiros (Diário de Notícias, 20-01-2016).
Moçambique vive uma situação de incerteza política há vários meses depois de o líder da RENAMO reivindicar a vitória nas eleições gerais de 2014 e de ameaçar tomar o Poder em seis províncias do Norte e Centro do país (Diário de Notícias, 20-01-2016).
Perante estes factos, questiono se Joaquim Chissano considera que Moçambique deve “autoeducar-se na cultura da paz e da Democracia”, tal como recomendou à Guiné-Bissau (Sapo Notícias, 13-04-2012). Quem parece estar de acordo comigo é o académico Lourenço do Rosário, que disse que nunca foi criada a cultura de paz e reconciliação em Moçambique após os acordos de Roma de 1992 (Miramar, 22-10-2015), facto que está por detrás da polarização da sociedade moçambicana entre os partidos da FRELIMO e da RENAMO, e da agudização das suas contradições.
Posto isto caríssimos leitores, recomendo categoricamente a Joaquim Chissano que valorize a lição de que quando a casa do vizinho do lado estiver a arder, convém ajudá-lo a apagar o fogo para evitar a eventual propagação do incêndio para a nossa própria casa (Kosta, 2007: 703)[1].
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 190, 321). Lisboa: Chiado Editora.




[1] Joaquim Chissano parece ter ouvido a minha crítica, e já tomou posição relativamente a um dos problemas que apontei, ao defender a necessidade de uma educação forte para a sociedade moçambicana para erradicar o rapto, morte e perseguição dos Albinos (Rádio Moçambique, 16-09-2015).

domingo, 24 de janeiro de 2016

Agradecimento ao Professor Doutor Viriato Soromenho-Marques e como encontrar o meu livro

Caros amigos, foi com muita alegria que vi ontem o Professor Doutor Viriato Soromenho-Marques recomendar o meu livro no programa "O Princípio da Incerteza" da RTP3. 
É muito bom ver o meu trabalho reconhecido por uma das maiores figuras da Academia em Portugal e um grande especialista no estudo do Modelo Político americano[1]. O Professor Doutor Viriato Soromenho-Marques aceitou dar-me uma entrevista para o meu projecto de doutoramento, revelendo os seus conhecimentos sobre a sua área de estudo, mas também sobre África, em especial a Guiné-Bissau. Deu-me conselhos muito úteis, principalmente no que diz respeito à tradição e ao futuro político do meu país. Ao contrário do que muitos defendem, ele partilha com Amílcar Cabral (e também com o Dr. Alfredo Handem que igualmente me concedeu uma entrevista) de que a reforma política deve anteceder a reforma militar (da qual vos falarei num próximo post).
Recordo, mais uma vez, que o meu livro está à venda em Portugal nas principais livrarias (Fnac, Bertrand, Almedina, Leya, etc.) e também online, no site da Chiado Editora ou na Wook.
Para os leitores que vivem em Lisboa, também podem ir à livraria  Desassossego (junto à Assembleia da República) da Chiado Editora.
Para os leitores do Porto, recomendo uma visita à UNICEPE - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto (junto à reitoria da Universidade do Porto), onde o livro também está à venda (e onde fui muito bem recebido para uma apresentação no mês de Outubro passado) e onde poderão encontrar muitas outras obras ligadas a África e à Guiné-Bissau.
Para os que se encontram fora de Portugal, é possível encomendar online também no site da Chiado Editora.
No Brasil, o livro está disponível nas seguintes livrarias:  Fnac, Livraria Cultura, Saraiva, Livraria da Travessa e Livraria Galileu
Para quem está em Bissau, pode tentar junto da Casa dos Direitos onde penso que haverá ainda exemplares disponíveis.
Para os que estiverem interessados num exemplar com uma dedicatória e o meu cartão de visita incluído, basta entrar em contacto comigo.
Espero que este gesto do Professor Doutor Viriato Soromenho-Marques possa contribuir para dar maior visibilidade à minha obra e que demonstre que há muitos estrangeiros interessados no bem-estar da Guiné-Bissau.

[1] José Viriato Soromenho Marques é professor Catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, regendo as cadeiras de Filosofia Social e Política e de História das Ideias na Europa Contemporânea (licenciatura). Tem formação superior (licenciatura, mestrado e doutoramento) em Filosofia. Desenvolveu, ao longo da sua carreira, uma intensa actividade no movimento associativo ligado à defesa do ambiente. Publicou cerca de três centenas de estudos, abordando temas filosóficos, político-estratégicos, e ambientais. De entre os quinze livros publicados destaco “A Revolução Federal: Filosofia Política e Debate Constitucional na Fundação dos EUA” e “O Federalista, de Hamilton, Madison e Jay, tradução, introdução e notas com a colaboração de João C. S. Duarte” (Lisboa, Edições Colibri, 2003) (“Dados biográficos”, s.d.). [In Mendes, Livonildo Francisco (2015).Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 37). Lisboa: Chiado Editora.]

sábado, 23 de janeiro de 2016

Factos e refutações sobre as ligações de Cabo Verde com África

Caríssimos leitores, num post não consigo pôr tudo, ponho apenas algumas ideias e factos credíveis do ponto de vista científico. Por eu ser defensor do slogan de que “não importa a cor do gato, desde que apanhe o rato”, ou seja, não me interessa a posição de alguns caboverdianos em relação a África, desde o momento que haja uma cooperação saudável entre Cabo Verde [caboverdianos] e os restantes [países] africanos.

três factos e duas refutações principais a ter em conta[1].
1º facto: Cabo Verde, é um país onde os portugueses conseguiram, de raiz, socializar os seus habitantes. Por isso é difícil falar da fragmentação étnica caboverdiana, tendo em conta que, desde a nascença foi-lhes incutida a ideia de pertencerem a um povo caboverdiano (ainda que alguns conheçam as suas pertenças étnicas). Estes factos facilitaram a coesão social e não lhes permitiram usar razões étnicas e ideológicas para iniciar disputas armadas e políticas. E isto acabou também por criar um certo distanciamento em relação ao continente africano (Mendes, 2010: 17-39; Oramas, 1998: 16, 19-20, 24-35; Wick, 2012: 69-76).
2º facto: Nesta linha de pensamento, verifico que os estereótipos criados na época colonial ainda se fazem sentir. Os cidadãos de Cabo Verde, que eram mais facilmente considerados “civilizados” (não tendo sofrido com o estatuto do indígena), ainda hoje são vistos de forma mais positiva. Há muito tempo que Cabo Verde beneficiava do sistema de ensino português, o que contribuiu para a redução da taxa de analfabetismo e para a criação de alicerces sólidos para que Cabo Verde conseguisse estar onde está. Cabo Verde era utilizado pelos portugueses como “placa giratória” onde se formavam os quadros administrativos para as outras colónias. Não é por acaso que vários portugueses argumentaram que o arquipélago de Cabo Verde tanto podia ser considerado africano como europeu. Ao longo da história, Portugal sempre tratou Cabo Verde de forma privilegiada em relação às outras colónias. Prova deste facto são, por um lado, as palavras de Mário Soares, que afirmou que sempre estivera convencido de que «Cabo Verde tinha mais a ganhar como região de Portugal do que como país africano independente» e que, na sua opinião, Cabo Verde «não é realmente África». Por outro lado, o próprio Spínola admitia que parte dos naturais de Cabo Verde havia alcançado um estádio de desenvolvimento cultural que mais os aproximava da Metrópole (Portugal) do que a Guiné-Bissau (Lopes, 1998: 88; Macqueen, 1998: 142-143; Mendes, 2010: 35-36; Oramas, 1998: 16, 24-29; Silva, 2010: 23, 34, 40).
1ª refutação: Caros leitores, há um estudo recente sobre a diversidade genética em Cabo Verde mostra que 57% dos genes são de origem africana e 43% são de origem mestiça (africana-europeia), portanto, este aspecto não serve de critério para excluir Cabo Verde do continente africano. Além disso, como podemos verificar quando observamos o mapa do mundo, a localização geográfica também não pode ser um critério de exclusão de África, porque, se optássemos por essa via, haveria zonas da Europa que deixariam de pertencer a este continente, como os Açores ou a Islândia (A Semana, 27-05-2010; Mendes, 2010: 35-36). Além disso, culturalmente, as grandes semelhanças entre Cabo Verde e o restante continente africano são evidentes.
3º facto: No que respeita a adequação do regime político democrático em Cabo Verde, há muitas explicações por detrás da sua estabilidade política. Cabo Verde está numa situação especial, por isso não tem tido muitos problemas como outros Estados dos Países Africanos de Língua Oficial Português «PALOP». Para além de gozar de muitas vantagens históricas, que já apontei, este país nunca foi palco da luta armada; o facto de ser um território no meio do Oceano Atlântico oferece uma enorme segurança, tranquilidade e estabilidade política por não ter países vizinhos; tem a religião católica como religião dominante; não tem grupos étnicos; tem apenas duas línguas – crioulo e português – dominadas pela esmagadora maioria da sua população; em termos de Democracia, Cabo Verde é um país onde não se pode falar de golpes de Estado e onde também todos os órgãos de soberania - «Presidentes da República, Primeiros-Ministros, Governos, Parlamento, etc.» - que são eleitos chegam ao fim dos seus mandatos pela forma prevista na lei; a Democracia funciona em termos de tipologias de Sistemas de Partidos Políticos como uma espécie de bipartidarismo imperfeito bipolarizado entre os dois principais partidos políticos (Partido Africano para a Independência de Cabo Verde «PAICV» e Movimento para Democracia «MpD») e outros partidos mais fracos; formalmente é um Estado soberano africano.
2ª refutação: Contudo, se analisarmos em termos práticos, é quase como se fosse uma terceira região autónoma de Portugal, isto é, depois da Madeira e dos Açores. Cabo Verde cabe no teorema kafftiano (Kosta, 2007: 531): «quanto mais pobre e dependente é um Estado, maiores as probabilidades de instauração da Democracia» (Fernandes, 2010: 205; Mendes, 2010: 35-36; Tocqueville, 2002: 21-23). Em concordância com esta visão crítica, o intelectual guineense Carlos Lopes aconselhou os governantes caboverdianos a aproximarem-se mais dos seus conterrâneos africanos, em vez de ficarem dependentes do excesso de apoio do Ocidente (Jornal Digital, 19-05-2014). Esta total dependência de Cabo Verde ao longo dos séculos até hoje leva-me a refutar as palavras do seu Primeiro-Ministro José Maria Neves que disse que o seu país está a fazer o “take-off”, a “levantar voo” e a precisar de “mais combustível e de mais cuidados”, não podendo ser comparado com outros países “em pleno voo”, em “velocidade de cruzeiro” e a voar há muito tempo “apesar das turbulências”. Pelo contrário, Cabo Verde está há muito tempo a “abastecer-se” de combustível e, na minha opinião, em pleno voo. Posso até dizer que está preparar-se para aterrar (RDP África, s.d.). Nesta linha de dependência, o líder do MpD Ulisses Correia e Silva acertou em cheio com “um murro no estômago” no governo do PAICV, quando veio confirmar que a candidatura da Ministra das Finanças de Cabo Verde ao BAD foi chumbada porque Cabo Verde se distanciou dos outros países africanos (A Bola África, 02-06-2015).

Caríssimos leitores, por tudo o que foi dito, não podemos ser injustos nos ataques a Cabo Verde. Há outros países que também resultaram da miscigenação gerada pela colonização, mas que nunca foram identificados como africanos, por razões diversas (países da América, como os EUA ou o Brasil, por exemplo).
Para concluir, reitero o que defendi no primeiro parágrafo: a situação identitária de Cabo Verde é complexa e deve ser respeitada. Até porque as condições de vida no arquipélago são muito mais difíceis do que, por vezes, imaginamos. Mesmo que alguns caboverdianos não olhem positivamente para a sua raiz africana, África deve reconhecer Cabo Verde como sua parte integrante, promovendo relações duradouras e estáveis entre os povos.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 129-130, 139-140, 323). Lisboa: Chiado Editora.



[1] Este post poderá ser articulado com um texto interessante publicado pelo Público, no âmbito de uma série especial de artigos sobre “Racismo em Português”.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Origem da língua crioula falada na Guiné-Bissau e em Cabo Verde

Caríssimos leitores, este post deve ser articulado com o anterior. Assumo a responsabilidade de desconstruir a “narrativa” sobre o crioulo, evitando que se “compre gato por lebre”. Mais uma vez, sugiro que leiam as páginas 101-117 do meu livro, para maior aprofundamento deste tema. O próximo post encerra uma série de três, debruçando-se sobre a relação de Cabo Verde com África.

É preciso perceber que uma língua crioula é a que serve de veículo comum entre falantes de dialectos diferentes. Por exemplo, na Guiné-Bissau, a língua crioula resulta de contactos políticos e comerciais  entre os portugueses e os povos do Golfo da Guiné (principalmente os Mandingas e os Fulasdesde a época do Grande-Império do Mali, no século XIII. Na Guiné-Bissau, esta língua começou a ser aperfeiçoada com maior intensidade a partir do século XVI, numa altura em que os Mandingas dominavam o comércio na região de Kaabu (Gabú), que estava em grande expansão e desenvolvimento. Por isso a língua crioula é também utilizada na Gâmbia e no Sul do Senegal, em Casamança. É interessante compreender o papel desempenhado pela língua Malinké/Mandinga na formação do crioulo da Costa Ocidental africana muito antes do surgimento dos caboverdianos. Por isso, importa sublinhar que, no caso do crioulo de base lexical portuguesa, a base vocabular africana provém do malinké (Bull, 1989: 55; Lopes, 1982: 38, 87; 1999: 154-156; 2005: 26; Mendes, 1992: 69; Mendes, 2010: 19).
Esta ordem de ideias abre-me um novo horizonte para o conhecimento de Cabo Verde. Apesar de ser um país povoado, na sua maioria, por escravos da Guiné-Bissau, o povo caboverdiano não fala praticamente nenhum dialecto dos grupos étnicos que lhe deram origem. Isso faz-me crer que a divisão ou não em grupos étnicos é muitas vezes um facto artificial e relativo. É artificial porque pode ser imposto, como foi no caso de Cabo Verde, do Brasil e dos EUA, que são exemplos paradigmáticos de “Novas Colónias” onde as divisões étnicas foram totalmente suprimidas e incorporadas pela cultura e língua dominantes, tornando-se países mais “coesos e unidos”. É relativo na medida em que pode sofrer fortes transformações ao longo do tempo, ao ponto de já não fazer sentido falar em grupos étnicos, ou seja, acaba por culminar com o seu esquecimento ou desaparecimento.
O facto de os Malinkés/Mandingas serem considerados “maus falantes” do crioulo poderia levar-me a questionar o seu papel na criação desta língua. No entanto, creio que o facto de alguém (neste caso, um grupo étnico) estar na origem de um fenómeno não o torna, necessariamente, especialista nesse fenómeno (neste caso, “bom falante”). Adaptado à linguagem política, posso dizer que o facto da Antiga Grécia ser o “berço da Democracia ocidental”, isso não faz da actual Grécia uma Democracia mais sólida do Ocidente. Por esta via mantenho a minha posição de que a origem do crioulo seja Malinké, apesar de, posteriormente, a sua apropriação por uma camada de crioulos constituída por Afro-Portugueses, com a sua história e consciência histórica ligadas à presença colonial, poder ter feito desaparecer dos vocábulos a identificação Malinké[1]. Com base na mesma linha de pensamento, faço uma analogia entre o Império Romano e o “Grande-Império” do Mali, que pode ser aplicada ao domínio cultural. Tal como o latim que, através do Império Romano, deu origem a muitas línguas europeias – portuguesa, francesa, italiana, espanhola –, foi assim que a língua Malinké, pelo domínio do “Grande-Império” do Mali, deu origem à língua crioula e a muitos dialectos da sub-região cujos países e grupos étnicos estavam sob domínio dos Mandingas. Isto indica que mesmo na camada Afro-Portuguesa, a influência Mandinga-Kaabunké (Gabú) foi importante e que o Malinké está também na origem da componente africana da cultura desta camada da população (Djaló, 2012: 154; Lopes, 1999: 155-158, 166-184, 227-228).
O que muitas vezes não é explicado por pensadores contemporâneos diz respeito ao “pidjin”, que foi a “língua franca” que evoluiu para o crioulo que nós conhecemos hoje. O “pidjin” é considerado como um Sistema incompleto utilizado na comunicação com pessoas pertencendo a uma outra comunidade linguística. Há quem defenda que não é uma língua materna de ninguém e a sua utilização responde a necessidades de comunicação precisas. Enquanto o crioulo é a língua materna de um grupo de locutores, e enquanto tal, deve responder ao conjunto das suas necessidades linguísticas. A transição do “pidjin” para o crioulo implicou fortes modificações socioculturais (Bull, 1989: 55-57; Djaló, 2012: 154; Lopes, 1999: 156-158, 166-184, 227-228).
Face a todas as considerações anteriores, importa agora refutar a tese, popularizada por alguns autorespró-caboverdianos”, de que a actual Guiné-Bissau seria uma colónia de uma colónia, ou seja: que Portugal teria colonizado Cabo Verde e que, por sua vez, Cabo Verde teria colonizado a actual Guiné-Bissau. Esta tese baseia-se no argumento de que as duas colónias foram governadas, em certos períodos de tempo, pelos mesmos Governadores com residência em Cabo Verde, que teriam domínio sobre a Administração da actual Guiné-Bissau. De acordo com estes autores, só em 1879, com o decreto de 18 de Março, a actual Guiné-Bissau teria recebido a sua autonomia administrativa, passando a cidade de Bolama a ser a segunda capital da actual Guiné-Bissau (depois de Cacheu) (Cardoso, 2002: 12-13; Kosta, 2007: 185; Lara, 2000: 100-103; Pélissier, 1989: 29, 41, vol. I).
Como referi anteriormente, todos os dados indicam que foram os escravos guineenses que deram origem à atual população de Cabo Verde e, por consequência, ao crioulo que hoje é uma das línguas oficiais do arquipélago, a par da língua portuguesa. Aliás, a nomeação [30-03-1834] de Honório Pereira Barreto [24-04-1813 a 16-04-1859] para o cargo de Governador da Guiné-Portuguesa, demostra que o território não era uma colónia de Cabo Verde. É curioso perguntar sobre quem seria o colonizador se os portugueses não tivessem ido para a actual Guiné-Bissau. Já que os portugueses chegaram no século XV, depois da etnia Mandinga no século XIII e da etnia Fula no século XIV, posso imaginar uma resposta simples e directa – os Mandingas seriam colonizadores, visto que, os Impérios do Mali e de Gabú exerceram um Poder dominante na Guiné-Bissau. Os Mandingasdeixaram de exercer o seu Poder quando os Fulas receberam o apoio de armas de fogo dos portugueses e obtiveram a vitória na famosa batalha de Kansala de 1867. A mesma questão sugere-nos que, se os portugueses não tivessem ocupado a actual Guiné-Bissau, talvez Cabo Verde não existisse ou talvez fosse um território muito diferente do actual (Duarte Silva, 1939: 1-8; Kosta, 2007: 185-188, 204; Lopes, 1982: 63, 88; 1988: 10; 1999: 166-184; Mendes, 2010: 20-21; Silva, 2010: 23, 31).
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 111-117). Lisboa: Chiado Editora.


[1] Neste sentido, discordo em absoluto de alguns comentários públicos como o comentário do poeta caboverdiano José Luís Tavares, quando afirma que “o crioulo de Cabo Verde é o pai de todos os crioulos que existem” [no programa televisivo Conversas ao Sul da RTP África] (RTP África, 22-01-2015).

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A descoberta de Cabo Verde e o surgimento dos “caboverdianos”


Guineenses, parem de stressar com “as ideias” e “os factos” mal contados. Como Sociólogo-Politicólogo africano/guineense cabe-me atacar em diagonal para descodificar os possíveis “embustes”. Começo por falar no surgimento de Cabo Verde e, nos próximos posts falarei das origens do crioulo e da relação de Cabo Verde com África.
Embora eu tenha estudado em Portugalnão faço parte daqueles africanos/guineenses que passam toda a sua vida nas Universidades estrangeiras (europeias) – «licenciatura, mestrado, doutoramento, etc.», – sem terem estudado a realidade do seu continente/país. Caros leitores, peço aos interessados em conhecer a história da chegada dos vários povos à actual Guiné-Bissau, que leiam por favor as páginas 101-117 do meu livro. E peçam aos outros guineenses formados para fazerem a sua parte, tal como estou a tentar fazer a minha.
No que toca ao surgimento dos caboverdianos, e face ao contexto histórico dos Estados africanos, verifica-se alguma falta de clareza nas suas relações. Quando olho para a Guiné-Bissau e para Cabo Verde, apercebo-me que estes dois países/povos da África Ocidental têm raízes submersas, que não permitem uma clara compreensão dos factos e ideias comuns entre guineenses e caboverdianos.
descoberta oficial de Cabo Verde ocorreu no século XV (1455/56), mas a sua autoria, constitui um enigma, sendo atribuída a diferentes personalidades: Alvise da Mosto “Cadamosto”, Vicente Dias, Diogo Gomes e António Noli. Cabo Verde era, no momento da descoberta do arquipélago, o nome do actual Senegal, por estar na ponta de África e ser um cabo ou pedaço de terra bastante verde que entra pelo mar (daí terem-lhe dado o nome de Cap Vert ou Cabo Verde). Ao avançar um pouco mais no mar, os marinheiros encontraram um conjunto de ilhas que, por estarem perto do “Cabo Verde”, receberam o mesmo nome. A ilha que foi descoberta no mês de Maio recebeu o nome de ilha de Maio; a que foi descoberta no dia de S. Tiago foi ilha de S. Tiago; a que tinha o terreno com muito sal ficou ilha do Sal; a outra por ser bonita de longe passou a ser a ilha da Boa Vista, etc. Parte-se, supostamente, do princípio de que não vivia ninguém no arquipélago de Cabo Verde quando os portugueses lá chegaram, no entanto, existe a hipótese de que estas ilhas já teriam sido ocupadas por habitantes da Costa de África, em especial Manjacos (da Guiné-Bissau) e Lebus/“Lebuns” (pescadores da Costa do Senegal). A verdade é que, quando os portugueses encontraram as ilhas de Cabo Verde, disseram que estas estavam desabitadas e começaram a ser utilizadas como ponto de apoio ao comércio triangular[1]: os seus habitantes actuais são, sobretudo, descendentes dos escravos vindos da actual Guiné-Bissau (Cabral, 2008: 129-131; Djaló, 2012: 139-149; Lara, 2000: 67; Lopes, 1982: 20; 1999: 33-34; Mendes, 2010: 18-19).
Outro dos factores associados com a origem de Cabo Verde foi a necessidade de criar um Sistema de Segurança Geoestratégica dos Portugueses face a algumas revoltas na sub-região africana, em particular, na própria Guiné. Portugal precisava de um espaço seguro para se proteger e armazenar os seus escravos, e Cabo Verde oferecia-lhe essas condições. O facto de ser um território no meio do Oceano Atlântico oferece uma enorme segurança e tranquilidade.
O facto de os guineenses estarem na origem dos primeiros habitantes de Cabo Verde é um indicador que nos ajuda a perceber a razão pela qual, ao longo dos séculos, os dois países foram governados, muitas vezes, pelos mesmos Governadores com residência na Praia, em Cabo Verde. Este aspecto relaciona-se também com o facto de a Guiné-Bissau e Cabo Verde serem os dois países da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP) onde a língua crioula é a mais falada e utilizada. Presume-se que o crioulo tenha sido desenvolvido pelo contacto entre os portugueses e povos do Golfo da Guiné (principalmente as etnias Mandinga e Fula), ainda antes da chegada “oficial” de Portugal ao território da actual Guiné-Bissau, sendo depois levado para as ilhas de Cabo Verde pelos escravos guineenses. Todos os dados indicam que foram os escravos guineenses que deram origem à atual população de Cabo Verde e, por consequência, ao crioulo que hoje é uma das línguas oficiais do arquipélago, a par da língua portuguesa. Mais tarde, o crioulo terá sido transportado para S. Tomé e Príncipe por colonos portugueses que usavam trabalhadores caboverdianos como quadros administrativos para as outras colónias (Cabral, 2008: 127-131; Cardoso, 1989: 52; Bull, 1989: 57; Kosta, 2007: 187; Lara, 2000: 101; Lopes, 1982: 20, 63, 87-88; 2005: 26; Mendes, 2010: 19-20).
Caríssimos leitores, no próximo post, irei abordar o tema do surgimento dos crioulos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 104-116, 169). Lisboa: Chiado Editora.



[1] Chama-se comércio triangular devido ao percurso que os traficantes de escravos faziam da Europa para África e desta para a América, regressando de novo para a Europa (o percurso era em forma de um triângulo, daí advém o seu nome de comércio triangular); mas também pode ser chamado de tráfico negreiro, tendo em conta que eram os negros ou africanos que eram traficados ao longo destas rotas (Kosta, 2007: 218; Lara, 2000: 39).

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti. Sobre a falta de coerência do Primeiro-Ministro de Cabo Verde José Maria Neves

Neste post procuro demonstrar a incoerência do Primeiro-Ministro «PM» de Cabo Verde José Maria Neves, articulando três acontecimentos: a sua posição face ao Presidente da República «PR» de Angola José Eduardo dos Santos; a sua indignação face aos comentários do representante da União da Europeia «UE» sobre Cabo Verde e a sua recente declaração sobre a Guiné-Bissau

I. Sobre a prisão preventiva dos 15 activistas detidos desde Junho de 2015 em Angola, acusados de conspirar para destituir o regime político de José Eduardo dos Santos, o chefe do governo caboverdiano disse que se trata de uma questão interna, escusando-se, por isso, a comentar: “tratando-se de uma questão interna de outro país, enquanto governo não nos cabe pronunciar sobre esta matéria que se refere à justiça e à governação de um outro país (…) as relações são entre Estados, são normais, boas e, portando, não ficarão beliscadas por causa de decisões de órgão de soberania de Angola” (Sapo Notícias, 26-10-2015).
II. No final de um encontro de Ulisses Correia e Silva (presidente do maior partido da oposição em Cabo Verde - Movimento para a Democracia «MpD») com diferentes chefes de missões diplomáticas, o representante da União Europeia em Cabo Verde, José Manuel Pinto Teixeira, declarou que a União Europeia espera que Cabo Verde disponibilize fundos necessários para eleições deste ano. Estas declarações não agradaram ao PM caboverdiano, que aconselhou os funcionários estrangeiros em Cabo Verde a não se imiscuírem nos assuntos político-eleitorais do país, através da sua página numa rede social. José Maria Neves apelou para o sentido de Estado dos agentes políticos e órgãos de soberania durante o período eleitoral e disse ainda que “Cabo Verde é um Estado de Direito Democrático e um país credível na arena internacional” (RFI, 07-10-2015).
III. No que toca ao caso guineense, os PM de Portugal e Cabo Verde, António Costa e José Maria Neves, mostraram-se preocupados com a instabilidade política na Guiné-Bissau e apelaram para que se reencontre rapidamente o caminho da estabilidade democrática. Os dois PM falaram na cidade da Praia numa conferência de imprensa conjunta no âmbito da primeira deslocação oficial de António Costa como PM a Cabo Verde. O PM caboverdiano mostrou-se “muito preocupado” com a situação na Guiné-Bissau, onde a estabilidade política e governativa está novamente ameaçada depois de 15 deputados do PAIGC terem deixado de responder pelo partido, que venceu com maioria as eleições de 2014. José Maria Neves afirmou que “a CPLP e também Portugal e Cabo Verde continuarão a trabalhar para que haja estabilidade e paz”, manifestando um forte apoio ao povo da Guiné-Bissau “neste momento mais complexo e mais difícil” (Porto Canal, 19-01-2016).

Atendendo a estes três acontecimentos, facilmente percebemos uma forte incongruência na postura de José Maria Neves face a diferentes situações. Por um lado, mostra a sua cobardia face a Angola (além dos interesses económicos), recusando comentar as questões internas deste país e mostra-se profundamente revoltado com declarações de um diplomata estrangeiro a respeito de Cabo Verde. Por outro lado, não se inibe de comentar, a todo o momento, a situação da Guiné-Bissau, opinando e fazendo sugestões. Claramente vemos aqui dois pesos e duas medidas, que me levam a ficar bastante desapontado com o PM caboverdiano, apesar de já o ter elogiado diversas vezes. E volto a realçar que “quem tem telhados de vidro, não deve andar à pedrada”.
Para finalizar, gostaria de perguntar a José Maria Neves e à elite política caboverdiana se, ao invés de andarem a desvalorizar os guineenses, não seria melhor que a Guiné-Bissau e Cabo Verde comemorassem em conjunto o aniversário do assassinato de Amílcar Cabral, em Bissau ou, alternadamente, um ano na Guiné-Bissau e outro ano em Cabo Verde. Se são países irmãos, porque não se comportam como tal?
São reflexões destas que fazem falta nos comentários dos diversos quadrantes que discutem a política guineense, em especial, aos neo-cabralistas e pró-PAIGC.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau. Lisboa: Chiado Editora.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Estas palavras dos Veteranos do PAIGC, a serem verdadeiras, mostram que as teias do Poder na Guiné-Bissau são muito mais complexas do que poderíamos imaginar...

Está disponível no Youtube um vídeo que contém, supostamente, uma entrevista dada por alguns dos veteranos do PAIGC. Se esta gravação for verdadeira, levanta muitas questões difíceis de responder...Quem manda na Guiné-Bissau? Até quando os jovens quadros (mas não só) continuarão a ser usados como fantoches de alguns grupos de interesses? Como se pode sair desta situação complexa se há tantos motivos e esquemas ocultos? Como é que os visados nestas declarações podem continuar a desempenhar os seus cargos depois desta humilhação? Como se podem posicionar os "neo-cabralistas" face a tantas invocações de Amílcar Cabral nesta entrevista?

A este propósito, convido os leitores a reverem estes quatro posts anteriores:





Uma possível solução, proposta por mim, pode ser vista aqui: O pior cego é aquele que não quer ver

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau. Lisboa: Chiado Editora.