Na maioria dos posts, existem hiperligações, de cor azul escuro, nas quais basta clicar para ter acesso às notícias, outros posts etc.

sábado, 23 de janeiro de 2016

Factos e refutações sobre as ligações de Cabo Verde com África

Caríssimos leitores, num post não consigo pôr tudo, ponho apenas algumas ideias e factos credíveis do ponto de vista científico. Por eu ser defensor do slogan de que “não importa a cor do gato, desde que apanhe o rato”, ou seja, não me interessa a posição de alguns caboverdianos em relação a África, desde o momento que haja uma cooperação saudável entre Cabo Verde [caboverdianos] e os restantes [países] africanos.

três factos e duas refutações principais a ter em conta[1].
1º facto: Cabo Verde, é um país onde os portugueses conseguiram, de raiz, socializar os seus habitantes. Por isso é difícil falar da fragmentação étnica caboverdiana, tendo em conta que, desde a nascença foi-lhes incutida a ideia de pertencerem a um povo caboverdiano (ainda que alguns conheçam as suas pertenças étnicas). Estes factos facilitaram a coesão social e não lhes permitiram usar razões étnicas e ideológicas para iniciar disputas armadas e políticas. E isto acabou também por criar um certo distanciamento em relação ao continente africano (Mendes, 2010: 17-39; Oramas, 1998: 16, 19-20, 24-35; Wick, 2012: 69-76).
2º facto: Nesta linha de pensamento, verifico que os estereótipos criados na época colonial ainda se fazem sentir. Os cidadãos de Cabo Verde, que eram mais facilmente considerados “civilizados” (não tendo sofrido com o estatuto do indígena), ainda hoje são vistos de forma mais positiva. Há muito tempo que Cabo Verde beneficiava do sistema de ensino português, o que contribuiu para a redução da taxa de analfabetismo e para a criação de alicerces sólidos para que Cabo Verde conseguisse estar onde está. Cabo Verde era utilizado pelos portugueses como “placa giratória” onde se formavam os quadros administrativos para as outras colónias. Não é por acaso que vários portugueses argumentaram que o arquipélago de Cabo Verde tanto podia ser considerado africano como europeu. Ao longo da história, Portugal sempre tratou Cabo Verde de forma privilegiada em relação às outras colónias. Prova deste facto são, por um lado, as palavras de Mário Soares, que afirmou que sempre estivera convencido de que «Cabo Verde tinha mais a ganhar como região de Portugal do que como país africano independente» e que, na sua opinião, Cabo Verde «não é realmente África». Por outro lado, o próprio Spínola admitia que parte dos naturais de Cabo Verde havia alcançado um estádio de desenvolvimento cultural que mais os aproximava da Metrópole (Portugal) do que a Guiné-Bissau (Lopes, 1998: 88; Macqueen, 1998: 142-143; Mendes, 2010: 35-36; Oramas, 1998: 16, 24-29; Silva, 2010: 23, 34, 40).
1ª refutação: Caros leitores, há um estudo recente sobre a diversidade genética em Cabo Verde mostra que 57% dos genes são de origem africana e 43% são de origem mestiça (africana-europeia), portanto, este aspecto não serve de critério para excluir Cabo Verde do continente africano. Além disso, como podemos verificar quando observamos o mapa do mundo, a localização geográfica também não pode ser um critério de exclusão de África, porque, se optássemos por essa via, haveria zonas da Europa que deixariam de pertencer a este continente, como os Açores ou a Islândia (A Semana, 27-05-2010; Mendes, 2010: 35-36). Além disso, culturalmente, as grandes semelhanças entre Cabo Verde e o restante continente africano são evidentes.
3º facto: No que respeita a adequação do regime político democrático em Cabo Verde, há muitas explicações por detrás da sua estabilidade política. Cabo Verde está numa situação especial, por isso não tem tido muitos problemas como outros Estados dos Países Africanos de Língua Oficial Português «PALOP». Para além de gozar de muitas vantagens históricas, que já apontei, este país nunca foi palco da luta armada; o facto de ser um território no meio do Oceano Atlântico oferece uma enorme segurança, tranquilidade e estabilidade política por não ter países vizinhos; tem a religião católica como religião dominante; não tem grupos étnicos; tem apenas duas línguas – crioulo e português – dominadas pela esmagadora maioria da sua população; em termos de Democracia, Cabo Verde é um país onde não se pode falar de golpes de Estado e onde também todos os órgãos de soberania - «Presidentes da República, Primeiros-Ministros, Governos, Parlamento, etc.» - que são eleitos chegam ao fim dos seus mandatos pela forma prevista na lei; a Democracia funciona em termos de tipologias de Sistemas de Partidos Políticos como uma espécie de bipartidarismo imperfeito bipolarizado entre os dois principais partidos políticos (Partido Africano para a Independência de Cabo Verde «PAICV» e Movimento para Democracia «MpD») e outros partidos mais fracos; formalmente é um Estado soberano africano.
2ª refutação: Contudo, se analisarmos em termos práticos, é quase como se fosse uma terceira região autónoma de Portugal, isto é, depois da Madeira e dos Açores. Cabo Verde cabe no teorema kafftiano (Kosta, 2007: 531): «quanto mais pobre e dependente é um Estado, maiores as probabilidades de instauração da Democracia» (Fernandes, 2010: 205; Mendes, 2010: 35-36; Tocqueville, 2002: 21-23). Em concordância com esta visão crítica, o intelectual guineense Carlos Lopes aconselhou os governantes caboverdianos a aproximarem-se mais dos seus conterrâneos africanos, em vez de ficarem dependentes do excesso de apoio do Ocidente (Jornal Digital, 19-05-2014). Esta total dependência de Cabo Verde ao longo dos séculos até hoje leva-me a refutar as palavras do seu Primeiro-Ministro José Maria Neves que disse que o seu país está a fazer o “take-off”, a “levantar voo” e a precisar de “mais combustível e de mais cuidados”, não podendo ser comparado com outros países “em pleno voo”, em “velocidade de cruzeiro” e a voar há muito tempo “apesar das turbulências”. Pelo contrário, Cabo Verde está há muito tempo a “abastecer-se” de combustível e, na minha opinião, em pleno voo. Posso até dizer que está preparar-se para aterrar (RDP África, s.d.). Nesta linha de dependência, o líder do MpD Ulisses Correia e Silva acertou em cheio com “um murro no estômago” no governo do PAICV, quando veio confirmar que a candidatura da Ministra das Finanças de Cabo Verde ao BAD foi chumbada porque Cabo Verde se distanciou dos outros países africanos (A Bola África, 02-06-2015).

Caríssimos leitores, por tudo o que foi dito, não podemos ser injustos nos ataques a Cabo Verde. Há outros países que também resultaram da miscigenação gerada pela colonização, mas que nunca foram identificados como africanos, por razões diversas (países da América, como os EUA ou o Brasil, por exemplo).
Para concluir, reitero o que defendi no primeiro parágrafo: a situação identitária de Cabo Verde é complexa e deve ser respeitada. Até porque as condições de vida no arquipélago são muito mais difíceis do que, por vezes, imaginamos. Mesmo que alguns caboverdianos não olhem positivamente para a sua raiz africana, África deve reconhecer Cabo Verde como sua parte integrante, promovendo relações duradouras e estáveis entre os povos.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 129-130, 139-140, 323). Lisboa: Chiado Editora.



[1] Este post poderá ser articulado com um texto interessante publicado pelo Público, no âmbito de uma série especial de artigos sobre “Racismo em Português”.

Sem comentários:

Enviar um comentário