Caríssimos leitores, num post não consigo pôr tudo, ponho
apenas algumas ideias e factos credíveis do ponto de vista científico. Por eu ser defensor do slogan de que “não importa a cor do gato, desde que apanhe o rato”, ou seja, não me
interessa a posição de alguns
caboverdianos em relação a África, desde o momento que haja uma cooperação saudável entre Cabo Verde [caboverdianos] e os restantes [países] africanos.
Há três factos e duas refutações principais a ter em conta[1].
1º facto: Cabo Verde, é um país
onde os portugueses conseguiram, de
raiz, socializar os seus habitantes. Por isso é difícil falar da
fragmentação étnica caboverdiana,
tendo em conta que, desde a nascença
foi-lhes incutida a ideia de pertencerem a um povo caboverdiano
(ainda que alguns conheçam as suas pertenças étnicas). Estes factos facilitaram a coesão social e não lhes permitiram usar razões étnicas e ideológicas para iniciar disputas armadas e políticas. E isto acabou
também por criar um certo distanciamento
em relação ao continente africano (Mendes,
2010: 17-39; Oramas, 1998: 16, 19-20, 24-35; Wick, 2012: 69-76).
2º facto: Nesta linha de
pensamento, verifico que os estereótipos
criados na época colonial ainda se fazem
sentir. Os cidadãos de Cabo
Verde, que eram mais facilmente considerados “civilizados” (não tendo sofrido com o estatuto do indígena),
ainda hoje são vistos de forma mais positiva. Há muito tempo que Cabo Verde
beneficiava do sistema de ensino português,
o que contribuiu para a redução da taxa de analfabetismo e para a criação de alicerces sólidos para que Cabo Verde conseguisse estar onde está. Cabo Verde era utilizado pelos portugueses como “placa giratória” onde se formavam os quadros administrativos para as outras colónias. Não é por acaso que vários portugueses argumentaram que o arquipélago de Cabo Verde tanto podia ser considerado africano como europeu. Ao
longo da história, Portugal sempre tratou Cabo Verde de forma privilegiada em relação às outras colónias. Prova deste facto são, por um lado, as palavras de Mário
Soares, que afirmou que sempre estivera convencido de que «Cabo Verde tinha mais a ganhar como região
de Portugal do que como país africano independente» e que, na sua opinião,
Cabo Verde «não é realmente África».
Por outro lado, o próprio Spínola admitia que parte dos naturais
de Cabo Verde havia alcançado um estádio de desenvolvimento cultural que mais os aproximava da Metrópole (Portugal)
do que a Guiné-Bissau (Lopes, 1998:
88; Macqueen, 1998: 142-143; Mendes, 2010: 35-36; Oramas, 1998: 16, 24-29;
Silva, 2010: 23, 34, 40).
1ª refutação: Caros
leitores, há um estudo recente sobre a diversidade genética em Cabo Verde
mostra
que 57% dos genes são de origem africana
e 43% são de origem mestiça (africana-europeia), portanto, este aspecto não serve de critério
para excluir Cabo Verde do continente africano. Além disso, como
podemos verificar quando observamos
o mapa do mundo, a localização
geográfica também não pode ser um critério
de exclusão de África, porque, se optássemos
por essa via, haveria zonas da Europa que deixariam de pertencer a este continente,
como os Açores ou a Islândia (A Semana, 27-05-2010; Mendes,
2010: 35-36). Além disso, culturalmente,
as grandes semelhanças entre Cabo Verde
e o restante continente africano são
evidentes.
3º facto: No que
respeita a adequação do regime político
democrático em Cabo Verde, há muitas
explicações por detrás da sua estabilidade
política. Cabo Verde está numa situação
especial, por isso não tem tido
muitos problemas como outros Estados
dos Países Africanos de Língua
Oficial Português «PALOP». Para além de gozar de muitas vantagens históricas, que já apontei,
este país nunca foi palco da luta armada;
o facto de ser um território no meio do
Oceano Atlântico oferece uma enorme segurança, tranquilidade e estabilidade
política por não ter países vizinhos;
tem a religião católica como religião dominante; não tem grupos étnicos; tem apenas duas línguas
– crioulo e português – dominadas pela esmagadora maioria da sua população; em termos de Democracia, Cabo Verde é um país onde não se pode falar de golpes de Estado e onde também todos os órgãos de soberania - «Presidentes da República, Primeiros-Ministros, Governos, Parlamento, etc.» - que são eleitos chegam ao fim dos seus mandatos pela forma prevista na lei; a Democracia funciona em termos de tipologias de Sistemas de Partidos Políticos como uma
espécie de bipartidarismo imperfeito
bipolarizado entre os dois principais
partidos políticos (Partido Africano para a Independência de Cabo Verde «PAICV» e Movimento para Democracia «MpD») e outros partidos mais fracos; formalmente
é um Estado soberano africano.
2ª refutação: Contudo, se
analisarmos em termos práticos, é quase
como se fosse uma terceira região autónoma de Portugal,
isto é, depois da Madeira e dos Açores. Cabo Verde cabe no teorema kafftiano (Kosta, 2007: 531): «quanto mais pobre e
dependente é um Estado, maiores as probabilidades de instauração da Democracia»
(Fernandes, 2010: 205; Mendes, 2010: 35-36; Tocqueville,
2002: 21-23). Em concordância com
esta visão crítica, o intelectual
guineense Carlos Lopes aconselhou os governantes caboverdianos a aproximarem-se mais dos seus conterrâneos
africanos, em vez de ficarem
dependentes do excesso de apoio do
Ocidente (Jornal Digital, 19-05-2014). Esta total dependência de Cabo Verde ao longo dos séculos até hoje
leva-me a refutar as palavras do seu
Primeiro-Ministro José Maria Neves
que disse que o seu país está a fazer o “take-off”,
a “levantar voo” e a precisar de “mais combustível e de mais cuidados”,
não podendo ser comparado com outros
países “em pleno voo”, em “velocidade de cruzeiro” e a voar há muito tempo “apesar das turbulências”. Pelo contrário,
Cabo Verde está há muito tempo a “abastecer-se”
de combustível e, na minha opinião,
em pleno voo. Posso até dizer que
está preparar-se para aterrar (RDP
África, s.d.). Nesta linha de dependência, o líder do MpD Ulisses Correia e Silva acertou em cheio
com “um murro no estômago” no governo do PAICV, quando veio confirmar que a candidatura da Ministra das Finanças de
Cabo Verde ao BAD foi chumbada porque Cabo Verde se distanciou dos outros países africanos (A Bola
África, 02-06-2015).
Caríssimos leitores, por tudo o que foi dito, não podemos ser injustos nos ataques a
Cabo Verde. Há outros países que
também resultaram da miscigenação
gerada pela colonização, mas que nunca foram identificados como africanos,
por razões diversas (países da América,
como os EUA ou o Brasil, por exemplo).
Para concluir, reitero o que
defendi no primeiro parágrafo: a
situação identitária de Cabo Verde é
complexa e deve ser respeitada. Até
porque as condições de vida no
arquipélago são muito mais difíceis do
que, por vezes, imaginamos. Mesmo que
alguns caboverdianos não olhem
positivamente para a sua raiz africana,
África deve reconhecer Cabo Verde
como sua parte integrante,
promovendo relações duradouras e estáveis entre os povos.
[1] Este post poderá ser articulado com um texto interessante publicado pelo Público, no âmbito de uma série especial de artigos sobre “Racismo
em Português”.
Sem comentários:
Enviar um comentário