Não sou neo-cabralista e nem tão pouco sou do PAIGC. Isto não
quer dizer que sou contra Amílcar
Cabral ou contra o PAIGC
– significa que defendo uma posição construtiva e imparcial.
Amílcar Cabral considera, por um lado, que a «Democracia para os gregos era
só para os de cima, eles é que eram o povo, os outros eram escravos. Até hoje é a mesma coisa em muitos lados. Quem tem a força na mão, o Poder, faz a Democracia para ele» (Cabral,
1983: 111). Por esta via, Oscar
Oramas (1998: 143)
recorda-nos o sorriso irónico de Amílcar Cabral em algumas ocasiões, em que dizia: «sou um
ditador democrático, pois tomo decisões e delas informo os meus
companheiros».
Por
outro lado, é de recordar que Amílcar Cabral referia paralelamente, que «os Régulos
da Guiné-Bissau – Chefes Balantas, Fulas, Mancanhas, Mandingas, Manjacos, Papeis,
etc., – não tinham lugar no PAIGC,
porque, numa organização nova,
criada para libertar a nossa terra, são e serão dirigentes aqueles que
estão em condições para isso, não
porque ontem eram Chefes. Sentia-se, por exemplo, e se sente
cada dia em várias áreas de África, quanto representa de atraso para o futuro, de
dificuldades para amanhã, fazer oportunismo
pondo os Chefes tradicionais na direção duma organização de
libertação nacional» (Cabral, 1983: 114).
Caros leitores, somemos os dois parágrafos anteriores com a ideia da sucessão por via matrilinear de que «não é aconselhável o casamento de um Régulo com as mulheres de outras etnias,
porque altera o direito de sucessão
– era proibido, naturalmente. Porque o
filho que resulta desse casamento carece
de legitimidade para ser Régulo,
caso houver um candidato de peso ao Trono/Poder, por causa dos quatro avós da linhagem do Régulo [princípio “4 dona”] (…) é possível até
casar com alguém de uma etnia
diferente, mas o filho do Régulo
terá dificuldade em ficar no Trono/Poder» (Cá,
27-05-2013; Mango, 27-05-2013; Mendes, 2010: 69-74).
Somadas estas três ideias, podemos supor que Amílcar Cabral já sabia de antemão o que planeavam os seus colegas
guineenses sobre o impacto desse costume antigo na Constituição
da República da Guiné-Bissau «CRGB», que define como critério de elegibilidade para o lugar de Presidente da República «PR» o facto de se ter quatro avós guineenses. Ou seja, atendendo a isto, Amílcar Cabral
não poderia ser (ou seria por pouco tempo) PR na Guiné-Bissau
(CRGB, 1996: art.-63º; Kosta, 2007: 221,
712-718; Silva, 2010: 9, 221). Aliás,
este costume reflectia-se no pacto de unidade e luta entre
guineenses e caboverdianos, independentemente do eventual funcionamento ou não
da Democracia na Guiné-Bissau, na
medida em que previa que cada povo – guineenses e caboverdianos – governasse apenas na sua terra. O mesmo acontece com o seu irmão, Luís Cabral, que também seria
excluído por este critério. Penso que estas ideias fortemente nacionalistas acabavam por chocar, de certa
forma, com as ideias e proveniência
de Amílcar Cabral, pelo que ele as
tentou contornar com estas refutações.
Ainda hoje se
arrasta um bloqueio de qualquer um que seja conotado com os
mestiços fora do quadro do antigo costume, tais como Carlos Domingos Gomes, Jr. «Cadogo» e Domingos Simões Pereiras «DSP». Os dois últimos além de terem acordado
os “fantasmas” da ala-dura do PAIGC – «os ultra-conservadores» – que não
desejam ceder nem um milímetro do Poder
de que dispõem com a legitimidade conquistada na luta de
libertação nacional, tanto Cadogo
como DSP não souberam usar a “Raposa”
e o “Leão” de Maquiavel, acabando por ser “afugentados”
pelos “Lobos” até ao ponto de “caírem” nas “Armadilhas”.
Embora eu considere que Amílcar Cabral deve ser valorizado como uma pessoa visionária e “além do
seu tempo”, sugiro aos neo-cabralistas que tentem descolar-se um pouco das ideias de Amílcar
Cabral, procurando alguma consistência nas suas propostas. Voltando à polémica
ideia de entregar a Guiné-Bissau à
tutela das Nações Unidas, eu não estou contra a proposta, mas fico surpreendido por ver grandes seguidores de Amílcar Cabral a abraçar esta proposta quando ele a refutava de forma tão
peremptória. Mas penso que poderá ser um excelente
ponto de partida para um grande
debate nacional, embora, tal como escrevi
no modelo que proponho no meu livro, preferia que fosse uma potência próxima de Portugal a desempenhar
um papel deste género na
Guiné-Bissau. As Nações Unidas caem,
muitas vezes, no controlo dos EUA e a passagem dos americanos em vários países do mundo (Ruanda, Congo,
Sudão, Líbia, Iraque, Afeganistão, etc.) deve ser olhada com muita desconfiança. Espero conseguir acalmar os ânimos relativamente às razões
que terão levado Amílcar Cabral a recusar tanto a Democracia como a Tradição.
Para mais informações, consultar o meu
livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo
Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp.
219, 225, 265, 269). Lisboa: Chiado Editora.
Excelente carrissimo bem visto e tudo esta para quem quer minuciosamente degerir.Abraco
ResponderEliminarEduardo Monteiro
Caro Eduardo Monteiro, muito obrigado pelo seu comentário. Conto com mais comentários da sua parte. Abraço
ResponderEliminarProf. Os meus agradecimentos pela excelentes comentário. Ainda não tive oportunidade de ler a tese do seu doutoramento, mas achei muito interessante este argumentos apresentado nesta reflexão. Estas a contribuir para um debate que todos do guineenses precisam ter. Um abraço. Dinis Silva Cá
ResponderEliminarCaríssimo amigo jurista Dr. Dinis Cá, muito obrigado pelas tuas palavras. Conto contigo para continuar a comentar o blogue e espero que gostes do livro quando tiveres oportunidades de o ler. Grande abraço
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