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terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Uma das possíveis explicações para o facto de Amílcar Cabral se opor tanto à Tradição africana/guineense como à Democracia

Não sou neo-cabralista e nem tão pouco sou do PAIGC. Isto não quer dizer que sou contra Amílcar Cabral ou contra o PAIGC – significa que defendo uma posição construtiva e imparcial.

 Amílcar Cabral considera, por um lado, que a «Democracia para os gregos era só para os de cima, eles é que eram o povo, os outros eram escravos. Até hoje é a mesma coisa em muitos lados. Quem tem a força na mão, o Poder, faz a Democracia para ele» (Cabral, 1983: 111). Por esta via, Oscar Oramas  (1998: 143) recorda-nos o sorriso irónico de Amílcar Cabral em algumas ocasiões, em que dizia: «sou um ditador democrático, pois tomo decisões e delas informo os meus companheiros».
Por outro lado, é de recordar que Amílcar Cabral referia paralelamente, que «os Régulos da Guiné-Bissau – Chefes Balantas, Fulas, Mancanhas, Mandingas, Manjacos, Papeis, etc., – não tinham lugar no PAIGC, porque, numa organização nova, criada para libertar a nossa terra, são e serão dirigentes aqueles que estão em condições para isso, não porque ontem eram Chefes. Sentia-se, por exemplo, e se sente cada dia em várias áreas de África, quanto representa de atraso para o futuro, de dificuldades para amanhã, fazer oportunismo pondo os Chefes tradicionais na direção duma organização de libertação nacional» (Cabral, 1983: 114).
Caros leitores, somemos os dois parágrafos anteriores com a ideia da sucessão por via matrilinear de que «não é aconselhável o casamento de um Régulo com as mulheres de outras etnias, porque altera o direito de sucessão – era proibido, naturalmente. Porque o filho que resulta desse casamento carece de legitimidade para ser Régulo, caso houver um candidato de peso ao Trono/Poder, por causa dos quatro avós da linhagem do Régulo [princípio 4 dona] (…) é possível até casar com alguém de uma etnia diferente, mas o filho do Régulo terá dificuldade em ficar no Trono/Poder» (Cá, 27-05-2013; Mango, 27-05-2013; Mendes, 2010: 69-74).
  Somadas estas três ideias, podemos supor que Amílcar Cabral já sabia de antemão o que planeavam os seus colegas guineenses sobre o impacto desse costume antigo na  Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB», que define como critério de elegibilidade para o lugar de Presidente da República «PR» o facto de se ter quatro avós guineenses. Ou seja, atendendo a isto, Amílcar Cabral não poderia ser (ou seria por pouco tempo) PR na Guiné-Bissau (CRGB, 1996: art.-63º; Kosta, 2007: 221, 712-718; Silva, 2010: 9, 221).  Aliás, este costume reflectia-se no pacto de unidade e luta entre guineenses e caboverdianos, independentemente do eventual funcionamento ou não da Democracia na Guiné-Bissau, na medida em que previa que cada povo – guineenses e caboverdianos – governasse apenas na sua terra. O mesmo acontece com o seu irmão, Luís Cabral, que também seria excluído por este critério. Penso que estas ideias fortemente nacionalistas acabavam por chocar, de certa forma, com as ideias e proveniência de Amílcar Cabral, pelo que ele as tentou contornar com estas refutações.
Ainda hoje se arrasta um bloqueio de qualquer um que seja conotado com os mestiços fora do quadro do antigo costume, tais como Carlos Domingos Gomes, Jr. «Cadogo» e Domingos Simões Pereiras «DSP». Os dois últimos além de terem acordado os “fantasmas” da ala-dura do PAIGC – «os ultra-conservadores» que não desejam ceder nem um milímetro do Poder de que dispõem com a legitimidade conquistada na luta de libertação nacional, tanto Cadogo como DSP não souberam usar a “Raposa” e o “Leão” de Maquiavel, acabando por ser “afugentados” pelos “Lobos” até ao ponto de “caírem” nas “Armadilhas”.
Embora eu considere que Amílcar Cabral deve ser valorizado como uma pessoa visionária e “além do seu tempo”, sugiro aos neo-cabralistas que tentem descolar-se um pouco das ideias de Amílcar Cabral, procurando alguma consistência nas suas propostas. Voltando à polémica ideia de entregar a Guiné-Bissau à tutela das Nações Unidas, eu não estou contra a proposta, mas fico surpreendido por ver grandes seguidores de Amílcar Cabral a abraçar esta proposta quando ele a refutava de forma tão peremptória. Mas penso que poderá ser um excelente ponto de partida para um grande debate nacional, embora, tal como escrevi no modelo que proponho no meu livro, preferia que fosse uma potência próxima de Portugal a desempenhar um papel deste género na Guiné-Bissau. As Nações Unidas caem, muitas vezes, no controlo dos EUA e a passagem dos americanos em vários países do mundo (Ruanda, Congo, Sudão, Líbia, Iraque, Afeganistão, etc.) deve ser olhada com muita desconfiança. Espero conseguir acalmar os ânimos relativamente às razões que terão levado Amílcar Cabral a recusar tanto a Democracia como a Tradição.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 219, 225, 265, 269). Lisboa: Chiado Editora.

4 comentários:

  1. Excelente carrissimo bem visto e tudo esta para quem quer minuciosamente degerir.Abraco
    Eduardo Monteiro

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  2. Caro Eduardo Monteiro, muito obrigado pelo seu comentário. Conto com mais comentários da sua parte. Abraço

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  3. Prof. Os meus agradecimentos pela excelentes comentário. Ainda não tive oportunidade de ler a tese do seu doutoramento, mas achei muito interessante este argumentos apresentado nesta reflexão. Estas a contribuir para um debate que todos do guineenses precisam ter. Um abraço. Dinis Silva Cá

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  4. Caríssimo amigo jurista Dr. Dinis Cá, muito obrigado pelas tuas palavras. Conto contigo para continuar a comentar o blogue e espero que gostes do livro quando tiveres oportunidades de o ler. Grande abraço

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