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sábado, 9 de janeiro de 2016

Desmistificar os paradoxos neo-cabralistas sobre a democracia, presença de tropas estrangeiras na Guiné-Bissau, do protectorado das Nações Unidas na Guiné-Bissau

Caros leitores, leiam este post se querem saber o que pensaria Amílcar Cabral sobre o que os seus pseudo-seguidores, defensores, porta-vozes «os neo-cabralistas» - dizem de/sobre ele e propõem para África/Guiné-Bissau. Este tema exige um estudo sério e não um cocktail gratuito de insultos de pessoas que usam o nome de Amílcar Cabral e do PAIGC para garantirem a sua sobrevivência. Embora eu tenha estudado em Portugal, eu não faço parte daqueles africanos/guineenses que passam toda a sua vida nas Universidades estrangeiras (europeias) – «licenciatura, mestrado, doutoramento, etc.», – sem terem estudado a realidade do seu continente/país. O insulto, a inveja, a incompetência e a violência não podem nunca ser confundidos com mérito. Não sou neo-cabralista e nem tão pouco o meu sucesso depende do cabralismo ou do PAIGC. Isto não quer dizer que sou contra Cabral ou contra o PAIGC – significa que defendo uma posição construtiva e imparcial, livre de “rabos-de-palha” (ou seja, cunhas, filiações partidárias, favores, etc.).

No que concerne a resolução dos problemas da Guiné-Bissau, muitos “neo-cabralistas” têm defendido a sua resolução através de intervenções internacionais. O historiador Julião Soares Sousa (Comunicação Pessoal, 27-04-2010), por exemplo, apresentou algumas propostas de mudança para a estabilidade político-militar e bem-estar da Guiné-Bissau. Como historiador, defendeu que a Democracia guineense deveria ser suspensa durante 10 anos, e que o país deveria ser entregue às Nações Unidas (N.U.) durante esse período, para que a Guiné-Bissau pudesse estabilizar-se (Sousa, 2012: 25, 103-104, 180). Este ponto de vista de Julião Sousa, além de não ser novo, também não constitui uma ideia isolada, porque há outros guineenses que partilham esta posição.
Em primeiro lugar, o historiador Leopoldo Amado tem vindo a defender, publicamente, a ideia de que a Comunidade Internacional deveria ponderar seriamente a possibilidade de a Guiné-Bissau passar à gestão das Nações Unidas por um período entre 8 a 10 anos, como uma espécie de protectorado e, só então, proceder-se à transferência de Poderes através de eleições (Público, 24-10-2004).
Em segundo lugar, o jornalista António Pedro da Góia «Tonigoía», que pretende reunir, pelo menos, 10 mil assinaturas para apresentar uma petição ao representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas no país (Miguel Trovoada), para as Nações Unidas assumirem a gestão da Guiné-Bissau durante 20 anos, à semelhança do que aconteceu com Timor-Leste (Voz de América, 07-10-2015).
E, em terceiro lugar, o sociólogo-historiador Carlos Lopes, argumenta que os acontecimentos em curso na Guiné-Bissau influenciaram muito o governo de Carlos Domingos Gomes, Jr. a assinar um contrato com o governo angolano para a presença das suas tropas no território guineense. Carlos Lopes defende que não basta só a solidariedade - os esforços para transformar um país tão débil têm de ser gigantescos. No caso de alguns países, existe um conjunto de “campeões” ou bons padrinhos. Na Costa do Marfim e no Senegal, por exemplo, sabemos que a França não deixará cair esses países (o Mali também se inclui neste caso). Já no caso da Guiné-Bissau, Portugal poderia eventualmente mobilizar algumas forças colaterais, nomeadamente na União Europeia, mas não mais do que isso. Segundo Lopes, Angola poderia ser esse campeão da Guiné-Bissau, porque lhe é mais fácil mandar tropas e dispor dos meios necessários. Sendo assim, essas equações acabaram por ser estudadas e implementadas (Foreign Policy/Edição FP, 01-2010: 71-72).
Como Sociólogo-Politicólogo afirmo que os neo-cabralistas olham ainda para a Democracia da mesma forma que Amílcar Cabral encarava a Democracia. Isto porque Amílcar Cabral estava contra a Democracia como regime político. De acordo com ele, referindo-se à Democracia na Grécia: a «Democracia para eles era só para os de cima, eles é que eram o povo, os outros eram escravos. Até hoje é a mesma coisa em muitos lados. Quem tem a força na mão, o Poder, faz a Democracia para ele» (Cabral, 1983: 111). Por esta via, Oscar Oramas (1998: 143) recorda-nos o sorriso irónico de Amílcar Cabral em algumas ocasiões, em que dizia: «sou um ditador democrático, pois tomo decisões e delas informo os meus companheiros». Na mesma ordem de ideias, muitos neo-cabralistas & pró-PAIGC acham que a Democracia é o principal responsável pelo mal-estar de Guiné-Bissau/África.
Com base nesta ordem de ideias aconselho, pelo rigor científico e por humildade política, os neo-cabralistas a repensar as suas posições. A ideia de suspender a Democracia foi inspirada pela ironia de Manuela Ferreira Leite que, ao tentar explicar por que falham os governos portugueses, acabou por dizer que «mais vale suspender por mais de seis meses a Democracia em Portugal para se poder fazer todas as reformas necessárias e só depois, então, repô-la». Mas, se os neo-cabralistas tivessem acesso às lições de Agostinho Guedes, aconselhariam os guineenses para que mantivessem o regime político democrático. Porque suspender a Democracia significa suspender o respeito que é devido a cada um dos cidadãos da Guiné-Bissau. Hoje existe algum consenso à volta da ideia de que qualquer regime político democrático assenta em três valores: a liberdade, a igualdade e a solidariedade. Cada guineense tem o direito de ser respeitado, na sua individualidade e na sua liberdade, mas tem também o dever de respeitar o seu próximo, na sua individualidade e liberdade – este é o fundamento ético da Democracia como regime político mais difundido e abraçado do mundo, tendo em conta o artigo-1º, 24º da CRGB e do artigo-1º, 13º da CRP (Fernandes, 2004: 84-86, 94-95, 101-104, 110-114; Jornal de Notícias, 19-11-2008; Público, 28-05-2013).
Nesta linha de pensamento, fica explicado que PAIGC e os defensores do neo-cabralismo usam a Democracia como “marioneta para fazer valer as suas intenções, silenciando de forma progressiva a esmagadora maioria dos cidadãos guineenses. Por esta razão defendo que a aproximação dos defensores do PAIGC e dos neo-cabralistas à política pode, neste sentido, representar algum perigo. Por que os guineenses defensores do PAIGC e os neo-cabralistas olham para a Democracia como um produto da modernidade, como algo importado do Ocidente, mas esquecem-se que a própria Democracia é muito mais antiga que o PAIGC e que Amílcar Cabral. Até porque desde Aristóteles (384-322 a.C.) até ao contexto actual não é consensual a ideia de que a Democracia seja um regime político típico do Ocidente. E tudo dá entender que a Democracia tem a sua origem em alguns países de África/Médio Oriente  – «Egipto, Líbano, Líbia, Síria, Irão, Iraque, etc.» – que são alvos de perseguição das principais potências ocidentais  (Mendes, 2010: 40-62).
 Um outro aproveitamento paradoxal que existe da filosofia de Amílcar Cabral prende-se com a intervenção militar. Amílcar Cabral garante-nos que «[…] nem tampouco consideramos necessária a medida radical do envio de tropas da ONU  para o nosso país […] porque estamos seguros de o poder fazer nós próprios do PAIGC […] lutar unicamente pelos nossos próprios meios (Cabral, 2008: 94, 101-104). Mas os neo-cabralistas não perceberam que a participação de militares cubanos ao lado do PAIGC na luta armada contra o colonialismo português constitui um grande contra-senso na posição de Amílcar Cabral. Este esconde o medo de que uma intervenção das N.U. para a manutenção da paz trouxesse consigo o risco da sua morte, tal como sucedeu no Congo em 1961 com o assassinato de Patrice Lumumba (Mendes, 2015: 240, Nota de rodapé-86; Oramas, 1998: 79-91, 116-117; Silva, 2010: 165-180).
Estes factos evidenciam um grande paradoxo porque, se Amílcar Cabral contribuiu, em parte, com a sua filosofia político-militar, para a desinstalação de Portugal na Guiné-Bissau, então seria lógico que se opusesse à ocupação da Guiné-Bissau por uma outra potência estrangeira, ainda mais quando se trata da própria ONU, que ele já tinha recusado em momentos de maior dificuldade. Isto leva-nos a pensar que, se Amílcar Cabral fosse vivo, dificilmente estaria de acordo com os seus supostos seguidores neo-cabralistas (Cabral, 2008: 94, 101-104; Nóbrega, 2003: 165-166; Sousa, 2012: 25, 180).
Por outro lado, posso mesmo supor que muitos dos guineenses que defendem a filosofia de Amílcar Cabral, fazem-no, não porque concordam com ela, mas porque tentam deste modo de esconder as suas antipatias face a Portugal e aos portugueses. Portanto, infelizmente, parece-me que muitos dos neo-cabralistas que escrevem e falam sobre Cabral nunca leram as suas obras e os seus discursos, acabando por apresentar visões distorcidas e pouco fiéis ao passado, sem distinção entre aspectos negativos dos positivos.


Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 188, 218-219, 240-241, 268-269, 460). Lisboa: Chiado Editora.


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