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terça-feira, 31 de maio de 2016

Da tourada política à nomeação de Baciro Djá, passando pela barricada do Governo demitido

Ilustres leitores, neste post começo por esclarecer o significado do conceito de tourada política, que tem marcado a sociedade guineense ao longo da sua história (primeiro ponto). Em seguida, abordo cinco pontos que marcam a actualidade política na Guiné-Bissau: a tomada de posse de Baciro Djá (segundo ponto); a barricada dos membros do Governo demitido (terceiro ponto); a viagem e declarações de Domingos Simões Pereira «DSP» (quarto ponto); a posição delicada de Biaguê Nan Tan, Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas «CEMGFA» (quinto ponto); e a geoestratégia/realpolitik entre os países da sub-região e as Nações Unidas «NU» (sexto ponto). Termino com alguns conselhos aos principais actores deste xadrez político.



 Primeiro ponto. Tourada política é um termo utilizado na minha tese de doutoramento e na minha obra a partir da semelhança com as práticas ancestrais em que o animal «touro» é castigado e torturado até ao limite. Na política, este termo pode ser importado e adaptado, significando a prática de actos pouco adequado aos princípios democráticos contra uma pessoa «político». Isto envolve diversos tipos de ataque, nomeadamente, humilhações, injúrias e até violência física (perseguição, espancamento, prisão/detenção, tortura, expulsão do país e morte). Infelizmente, este não é um problema de hoje – ao longo da história da Guiné-Bissau, quase todos os guineenses sofreram directa ou indirectamente com a tourada política. Este é um problema muito sério que deve ser combatido urgentemente, de todas as formas possíveis. Mas há esperança porque, de acordo com alguns estudos, o touro poderá até ser um animal pacífico, se não for incomodado.
    Segundo ponto. O Presidente da República «PR» José Mário Vaz «Jomav» deu posse a Baciro Dja como novo Primeiro-Ministro «PM», nove meses depois de o mesmo ter sido obrigado a renunciar ao cargo por imposição do Supremo Tribunal de Justiça «STJ». Ao intervir, o novo Chefe do Executivo guineense reiterou que “a legitimidade do Governo decorre de uma maioria parlamentar e da responsabilidade perante o PR. Sem estas duas condições não há o regular funcionamento das instituições". Jomav considerou o dia "inesquecível" e justificou a sua decisão com o facto de que "só a segunda força mais votada no âmbito da dinâmica parlamentar" conseguiu ultrapassar o "bloqueio" na Assembleia Nacional Popular «ANP» (Voz daAmérica, 27-05-2016).
     Tal como está patente no discurso de Baciro DjáJomav tomou a sua decisão com o fundamento da perda da maioria absoluta da parte do PAIGC. Esta perda de 15 Deputados expulsos/retornados dá uma nova maioria ao PRS, que tem 41 Deputados. Este Governo de Incidência Parlamentar «GIP» é Constitucional tanto em Portugal como na Guiné-Bissau, tendo em conta que cabe ao PR apenas proporcionar as condições de aproximação entre os partidos políticos, favorecer eventualmente acordos parlamentares, mas nunca patrocinar soluções governativas à margem do Parlamento e sem o aval dos partidos representados no Parlamento. No caso português, embora de contornos diferentes, o partido vencedor das eleições (PSD/CDS) não tinha uma maioria parlamentar. Por isso, um acordo entre todos os outros partidos permitiu formar um Governo alternativoDe acordo com o modelo em vigor, não basta vencer as eleições legislativas, mas é preciso garantir os votos adequados no Parlamento, para que se possa governar (CRGB, 1996: arts. 62.º-104.º; Jornal de Notícias, 25-11-2015; Novais, 2010: 73-121, 461- 463).
Como eu tinha anunciado anteriormente, a nomeação de Baciro Djá parece estar relacionada com uma retribuição pelos serviços que prestou a Jomav e para o compensar face aos seus problemas com DSP. Se DSP tivesse reagido da mesma forma que Cadogo Jr. reagiu após a nomeação do seu grande rival, Aristides Gomes pelo ex-PR Nino Vieira, talvez estivesse numa melhor situação. O tempo que o Governo de Carlos Correia durou, poderia corresponder à duração da primeira nomeação de Baciro Djá. Findo este período, poderia ser substituído de forma mais pacífica por alguém da confiança de DSP ou ficar em gestão até à realização de novas eleições (que seriam, eventualmente, antecipadas). Nessa altura, Cadogo Jr. foi muito inteligente na sua forma de lidar com as pressões de Nino Vieira, acabando por colher os frutos desta moderação.
Independentemente de tudo, dou as boas vindas a Baciro Djá enquanto PM empossado, porque defendo, como sempre, que “a cor do gato não importa, desde que apanhe o rato”. Ainda é cedo para falar do seu Governo, mas os guineenses ficarão à espera para avaliar a sua actuação.
Terceiro ponto. Entretanto, os membros do Executivo demitido barricaram-se no Palácio do Governo, em protesto contra a nomeação pelo PR do novo PM. Agnelo Regalla, ex-ministro da Comunicação Social, afirmou que "foi uma decisão assumida colegialmente e todos estão aqui para salvar a democracia: na última das circunstâncias haverá dois Governos, um legítimo e outro ilegítimo", referiu. Agnelo Regalla acusa o PR de querer dar posse a um Governo que sabe não ter suporte político para depois "dissolver o parlamento" e manter em gestão um executivo "à sua imagem", em vez da equipa de Carlos Correia (Diário de Notícias, 27-05-2016).
      A decisão de Jomav é compreensível mas não convence as pessoas de que Baciro Djá seja uma figura de equilíbrio, razão pela qual estamos a assistir a um agravamento do clima de tensão no PAIGC e na sociedade guineense. Do meu ponto de vista, Jomav prefere ter um Governo de alguém da sua confiança em gestão do que ter um Governo da confiança de DSP.
Esta barricada levanta duas questões: porque razão os ex-membros de Governo não se barricaram quando Carlos Correia foi demitido? Por que razão escolheram precisamente o Palácio do Governo para se barricarem? Na minha opinião, este protesto teria mais impacto se tivesse ocorrido imediatamente após a demissão do Governo. Esta forma de barricar depois da nomeação de Baciro Djá levanta suspeitas, tal como foi avançado por outros blogues, que o objectivo é a destruição de provas antes da chegada de um novo Governo ao Palácio. E, não podemos esquecer que o Governo demitido, assim como a ala pró-DSP, beneficiam do apoio de parte dos veteranos de guerra, entre os quais Carlos Correia e Manuel "Manecas" dos  Santos. O Palácio do Governo está localizado num ponto estratégico, junto a um importante quartel militar (desde a época colonial até hoje) que foi ocupado pela Junta Militar de 7 de Junho de 1998. Nesta linha de pensamento, para evitar problemas ainda maiores, quanto mais rápido terminar esta barricada, melhor será. Já foram veiculadas informações sobre uma possível tentativa de Golpe de Estado, o que causa grande preocupação. É a primeira vez que algo deste género acontece, passando uma má imagem dentro do país e para o exterior.
Quarto ponto. DSP regressou a Bissau depois de ter estado em Dakar com o presidente em exercício da CEDEAO, o PR senegalês Macky Sall. DSP fez um périplo pela sub-região africana, durante o qual abordou a situação política à luz da decisão do PR Jomav de nomear pela segunda vez Baciro Djá como PM.
DSP reiterou sem rodeios, que Jomav violou a Constituição por não ter auscultado os partidos com assento parlamentar nem o Conselho de Estado, deixando clara a sua intenção quanto a um eventual recurso ao tribunal. Ainda, elogiou a atitude dos membros do Governo demitido que se encontram barricados, considerando-a um acto de resistência (RFI, 29-05-2016).
     Embora os elementos da polícia anti-motim tenham entrado no Palácio do Governo, os membros do Governo de Carlos Correia mantêm-se irredutíveis, e dizem que só abandonam o local à força (RFI, 30-05-2016).
Os argumentos de DSP parecem bastante válidos, contudo, há um ponto que mina a sua credibilidade: o facto de não ter cumprido a decisão do STJ sobre a readmissão dos 15 Deputados expulsos/retornados, faz com que ele tenha pouca moralidade para dizer que o PR não cumpre a Lei. O elogio feito ao Governo barricado também não é adequado – DSP deve assumir uma postura de demarcação face àqueles actos, porque o Governo de Carlos Correia também foi nomeado e não assistimos a este tipo de contestação. Quantos Governos já foram nomeados na Guiné-Bissau à revelia do PAIGC ou do PRS? DSP deve recordar a Carlos Correia que ele também foi nomeado pelo ex-PR Nino Vieira, tendo sido demitido por inconstitucionalidade, tal como aconteceu com a primeira nomeação de Baciro Djá. E pior: Carlos Correia voltou a ser nomeado pelo PR sem ter havido qualquer outra nomeação antes. Pela quarta vez, Carlos Correia foi nomeado (sem nunca ter ido a eleições e sem ter sido indigitado pelo partido), e ninguém se barricou. No caso do PRS, quantas vezes o ex-PR Kumba Yalá nomeou PM sem ter passado por um processo de auscultação dos partidos políticos? Quatro. E quem é que se barricou naquela altura? Esta forma de desrespeitar a nomeação de Baciro Djá pode trazer consequências indesejadas. As atitudes de desrespeito que têm vindo a ser manifestadas durante o mandato de Jomav mostram um desprezo pela sua figura. No meu entender, Jomav deve assumir uma postura que ponha fim a este desrespeito. Se o PAIGC quer mesmo assumir uma postura democrática, ainda há tempo de termos uma Constituição e uma profunda mudança de mentalidades, que correspondam a uma verdadeira cultura democrática, articulando com a mudança do sistema eleitoral, sistema de partidos políticos e sistema político de Governo.
É preciso ter em conta, neste contencioso, que se algo de errado acontecer à ala pró-Jomav, a ala pró-DSP será responsabilizada; tal como se algo acontecer à ala pró-DSP, a ala pró-Jomav será responsabilizada. Além disso, não posso deixar de perguntar onde anda Cipriano Cassamá. Voltam as dúvidas se realmente está solidário com DSP e com o Governo demitido. Também está barricado?
Quinto ponto. O Conselho de Ministros do Governo demitido responsabilizou o PR e o CEMGFA pela violência contra cidadãos e pelo eventual agravamento da crise política no país e pelas consequências que daí poderão advir (ANG, 30-05-2016).
Num post anterior, eu já tinha sugerido ao CEMGFA Biaguê Nan Tan que os seus discursos abrem espaço à distorção e especulação, criando ainda mais incerteza e instabilidade. Tal como aconteceu com o caso em que os membros do executivo foram impedidos por membros de forças de segurança de entrar nos respectivos gabinetes, a situação actual permite ao PAIGC conotar o CEMGFA, Biaguê Nan Tan, com a ala pró-Jomav. Tal como eu já tinha avisado, as declarações do CEMGFA sobre o destino a dar aos golpistas, se não fossem esclarecidas, abriam espaço a interpretações das duas alas (ala pró-Jomav e ala pró-DSP). Uma vez que o STJ deu razão aos 15 Deputados expulsos/retornados, o PAIGC ficou em desvantagem. Por isso, aproveitou as várias intervenções do CEMGFA, para se posicionar contra Biaguê Nan Tan.
Sexto ponto. DSP exigiu que o PR apresente o conteúdo da proposta de Governo feita pelo PRS. Ora, se DSP não esclareceu ao fundo as razões que o levaram ao Senegal nos últimos dias, como pode fazer este tipo de exigência? Antes das últimas declarações de Murade Murargy, DSP era um aliado natural dos PALOP e da CPLP. A aproximação de DSP ao Senegal e a outros países da sub-região, que não faziam parte dos seus aliados, deve levantar suspeitas.
Já alertei para a forte presença dos EUA na sub-região através do quarteto EUA–Cabo-Verde–Senegal–Guiné-Conakri (RTP, 02-05-2016), e também para o domínio das NU na Guiné-Bissau. Angola, que marcou presença na Guiné-Bissau através das suas tropas, parece também querer aproximar-se dos países da sub-região, como revela o empréstimo de 150 milhões de dólares (113,7 milhões de euros) à Guiné-Conacri (Expresso, 12-12-2011). Ainda, a visita de Obama e do seu staff ao Senegal, a Cabo-Verde e a Angola, revela também um esforço de aproximação entre estes países com fortes interesses na Guiné-Bissau (Euronews, 28-06-2013).
A presença das NU através de vários tipos de representantes também não tem sido marcada pelo sucesso. Espero que Modibo Touré não traga consigo o rasto de “azar” que ficou atrás dele em todos os países por onde passou.
Finalmente, para encerrar este conjunto de evidências, importa assinalar que o Conselho de Segurança das NU foi informado sobre a situação na Guiné-Bissau, numa reunião à porta fechada em Nova Iorque, a pedido do Senegal. Os membros do conselho pretendiam saber mais sobre a crise no país, sendo uma das suas preocupações a possibilidade de uma intervenção militar caso a crise política não seja resolvida (Observador, 26-05-2016).
Conclusão. De acordo com Maquiavel, dificilmente Baciro Djá será aceite e muito menos será respeitado pela ala pró-DSP. Por um lado, porque «aquele [Baciro Djá] que chega ao Principado [PM] com a ajuda dos Grandes [PR & PRS] mantém-se com mais dificuldade do que aquele que o atinge com a ajuda do Povo» (Maquiavel, 2007: 49-52; Mendes, 2010: 31). Por outro lado, a sua nomeação revela que não permaneceu neutro, tomando a posição mais vantajosa para ele e seguindo um dos conselhos de Maquiavel:  «num confronto entre as duas partes [entre Jomav & DSP], é preciso saber posicionar, na melhor das hipóteses, do lado do amigo [Jomav] e não do inimigo» [DSP] (Maquiavel, 2007: 95-96).
Perante isto, se Baciro Djá quer terminar o seu mandato, terá de recorrer a duas estratégias: em primeiro lugar, o método daquele árbitro que participa numa partida entre duas equipas com uma rivalidade muito intensa. Nesta situação, o árbitro opta por dar um cartão amarelo a todos os jogadores, incluindo aos que estão no banco, deitando depois o cartão fora. Isto significa que, a partir daquele momento, qualquer passo em falso significa uma expulsão (cartão vermelho). Em segundo lugar, deve rodear-se de membros de Governo e conselheiros  competentes (embora eu não seja a favor de conselheiros), adoptando a técnica do “lobo esfomeado” que, ao correr em plena velocidade, mantém a boca aberta para apanhar qualquer passarinho que voe distraído.
Uma vez que Jomav já apanhou o seu antigo homólogo Cavaco Silva no número de Governos (quatro), resta esperar que não ultrapasse muito mais, porque a Guiné-Bissau já conta com 19 Governos, em que nenhum cumpriu o seu mandato na forma prevista na Lei (sendo que em Portugal são 21, com 5 que chegaram ao fim).
DSP e o elenco de Governo demitido terão ainda outras oportunidades para dar o seu contributo ao país (até porque alguns deles são jovens quadros com potencial), por isso, devem deixar a barricada e tentar resolver os problemas dentro do PAIGC. Na situação em que a Guiné-Bissau se encontra, o recurso à violência e às touradas políticas deve ser liminarmente afastado. O povo está cansado, pobre e sem a esperança de uma solução à vista. Até quando?
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 162-164, 179, 187, 470-471, 529). Lisboa: Chiado Editora.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Esclarecimento sobre rabos de palha e o balde de água fria de Miguel Trovoada

Caros leitores, o tema que me traz hoje prende-se com alguns comentários menos positivos que tenho recebido relativamente aos meus posts, que me obrigam a prestar um esclarecimento. Tenho vindo a partilhar os meus posts no facebook - nas minhas páginas e também em muitos grupos de guineenses e amigos da Guiné-Bissau. Por vezes, estes posts originam comentários que me levam a crer que o facebook é um campo minado, cheio de pessoas desejosas por dar a sua opinião, nem sempre da forma mais educada e cordial. Aproveito também a oportunidade para voltar a falar de Miguel Trovoada e das suas recentes declarações.

Por exemplo, sobre o post “Sobre exonerações e nomeações na Guiné-Bissau” (23-11-2015), uma pessoa acusou-me de ser defensor de José Mário Vaz «Jomav». Mais recentemente, sobre o post "O prometido "churrasco" dos políticos guineenses: análise dos acontecimentos recentes na Guiné-Bissau" (17-05-2016), fui acusado de falta de coerência. Mas são apenas dois exemplos no meio de muitos.
Sobre a questão da coerência, não tenho conhecimento de qualquer outro autor guineense que tenha desenvolvido este tema como eu, desde 2010 até hoje (com a minha dissertação de mestrado, tese de doutoramento e livro). E mais, chamo a atenção: o facto de eu ter criticado José Maria Neves, Joaquim Chissano, Miguel Trovoada, Patrice Trovoada e Murade Murargy pelos seus comentários sobre a Guiné-Bissau não significa que tenho de criticar todos os não guineenses que emitem uma opinião sobre a Guiné-Bissau. Critico aquilo que acho que deve ser criticado e elogio o que acho que deve ser elogiado, independentemente da posição, partido político, nacionalidade, sexo, cor da pele ou etnia.
    Aliás, importa assinalar que, já de regresso a S. Tomé e Príncipe, Miguel Trovoada reconheceu a minha proposta da necessidade de fazer cedências e de procurar a reconciliação dentro do PAIGC, com os restantes partidos e também com os 15 Deputados expulsos/retornados (RTP África, 19-05-2016). A declaração de Miguel Trovoada é, por um lado, um balde de água fria para Domingos Simões Pereira «DSP», por já nem sequer equacionar a possibilidade de realização de eleições (nem legislativas nem presidenciais). Por outro lado, revela que ainda há sinais do pacto entre eles (Trovoada e DSP), pelo persistente apoio ao tão elogiado Governo de inclusão de DSP. Será que Miguel Trovoada está a sacudir a água do capote, tentando livrar-se das críticas de que foi alvo, e aproveitando a distância para lançar farpas a DSP? Tanto a entrevista de Miguel Trovoada, como as declarações de Murade Murargy e a atitude de Cipriano Cassamá mostram que DSP não estava rodeado de verdadeiros amigos - e, neste momento, já nenhum deles defende a hipótese de eleições antecipadas. Assim, DSP acabou por ver-se abandonado, tornando-se uma presa fácil de "apanhar com a mão".
      Enquanto Politicólogo e Sociólogo africano/guineense, o que escrevo baseia-se na análise cuidadosa e crítica dos fenómenos políticos. Apesar do respeito que tenho por todos eles, eu não apoio nem o PAIGC, nem Jomav, nem DSP nem nenhum dos outros partidos e agentes políticos. Não tenho partido nem sou apoiante de ninguém. Comento os acontecimentos com base numa lógica de imparcialidade, rigor e humildade científica, aplicando os meus conhecimentos da matéria. Compreendo que a maioria das pessoas que comenta não tem esta postura, pois vêem comprometidos desde tenra idade e acabam por não Poder exprimir-se livremente. Não é o meu caso. Critico DSP, o PAIGC, o PRS, tal como já critiquei Jomav (fui das primeiras pessoas a criticá-lo depois da sua tomada de posse, tanto na minha tese de doutoramento em 2014, como no meu livro) e muitos outros. Eu sei que há pessoas que pensam que devemos apoiar alguém só porque somos da mesma etnia, por exemplo, mas eu discordo completamente disso.
Como já disse anteriormente, temas sérios não podem ser abordados com um cocktail gratuito de insultos de pessoas que usam o nome de Amílcar Cabral e do PAIGC para garantirem a sua sobrevivência. Embora eu tenha estudado em Portugal, não faço parte daqueles africanos/guineenses que passam toda a sua vida nas Universidades estrangeiras (europeias) – «licenciatura, mestrado, doutoramento, etc.», – sem terem estudado a realidade do seu continente/país. O insulto, a inveja, a incompetência e a violência não podem nunca ser confundidos com mérito. Não sou neo-cabralista e nem tão pouco o meu sucesso depende do cabralismo ou do PAIGC. Isto não quer dizer que sou contra Cabral ou contra o PAIGC – significa que defendo uma posição construtiva e imparcial, livre de “rabos-de-palha” (ou seja, cunhas, filiações partidárias, favores, etc.). Prova disso é que fiz o meu Mestrado e Doutoramento sem qualquer apoio e ainda trabalho num computador portátil de 2004/2005!
Percebo que há uma divisão enorme, e que a maioria dos guineenses apoia ou DSP ou Jomav (falando genericamente), mas é difícil perceber de que lado está a razão. Não sei qual é a solução para esta crise, mas apresentei as minhas propostas de acordo com o modelo político de governação em vigor. Como aqueles que leram o meu livro saberão, eu defendo um modelo completamente diferente dos modelos existentes até hoje e não escrevo para agradar a este ou àquele.
Não me arrependo das coisas que escrevo, mas estou sempre aberto a todos os comentários e sugestões, até porque, muitas vezes, as críticas ou questões são muito mais úteis do que os elogios. Por isso, quero deixar um aviso a todos os leitores: se estão contentes comigo porque, aparentemente, “apoiei o vosso lado”, desenganem-se! Mais tarde ou mais cedo vão perceber que eu ataco todos os flancos e não gosto de ter amigos que só concordam comigo porque escrevo aquilo que vai ao encontro das suas expectativas. Mas fiquem descansados, porque ainda tenho alguns amigos de confiança!
Termino invocando quatro figuras que têm inspirado o meu trabalho e a minha vida, e que servem de modelos para mim: Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Cheikh Anta Diop e Nelson Mandela. São modelos que, sendo sujeitos a críticas, servem como orientação – neste sentido, se alguém tiver de conotar-me como “seguidor, defensor ou porta-voz” de alguém, por favor, tenha isto em conta. Para mim, as pessoas de grande valor devem cumprir dois critérios: em primeiro lugar, não podem estar associadas à violência ou derramamento de sangue; em segundo lugar, devem ser coerentes nas suas palavras, nas suas acções e nos seus pensamentos. São estas pessoas, a meu ver, que merecem ser seguidas, defendidas e recordadas.
Recomendo a leitura do meu livro, especialmente as páginas da página 211 (nota 74), 534 (nota 180), 478, 548 e 551: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau. Lisboa: Chiado Editora.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Mais uma cambalhota política na Guiné-Bissau: discursos de DSP e Jomav e a queda de Carlos Correia

Caros leitores, o tema de hoje é ainda mais sensível que o habitual, mas mantenho a minha postura de imparcialidade e coerência perante os factos ocorridos. No primeiro bloco, sintetizo as declarações de Domingos Simões Pereira «DSP» do dia 9 de Maio, em nome de um grupo de partidos pertencentes ao "Espaço de Concertação Política dos Partidos Defensores de Valores Democráticos". No segundo bloco, apresento os temas centrais do comunicado do Conselho de Ministros emitido ontem. No terceiro bloco, faço uma desconstrução do conceito de Governo de Iniciativa Presidencial/Governo de Incidência Parlamentar. No quarto bloco, faço uma reflexão sobre a queda do Governo de Carlos Correia. Termino com alguns conselhos para o líder do PAIGC e com mais perguntas para deixar no ar.

Primeiro Bloco. Nas suas declarações de 9 de Maio, o presidente do PAIGC e ex-Primeiro-Ministro «PM», DSP, acusou repetidamente o Presidente da República «PR», José Mário Vaz «Jomav» de não ter qualquer solução para a Guiné-Bissau, defendendo a realização de eleições gerais. DSP afirma que “a grande maioria dos cidadãos reconhece o PR como o maior promotor da crise que se agudiza no país, com graves riscos políticos e sociais” (Voz da América, 09-05-2016). Estas declarações foram proferidas no âmbito do Espaço de Concertação Política dos Partidos Defensores de Valores Democráticos que congrega PAIGC, PCD, UM, PUN, MP e PST, e que denuncia uma tentativa de consumação de golpe de Estado Institucional por parte do PR, do PRS e do grupo dos 15 Deputados expulsos/retornados do PAIGC (RFI, 09-05-2016). Nesta linha de pensamento, defende-se que o actual executivo passe a funcionar como "Governo de Gestão" e que sejam convocadas eleições gerais antecipadas - para PR e Assembleia Nacional Popular «ANP». O PAIGC e partidos políticos aliados referem que o PR Jomav "está refém do grupo criado por ele próprio", movido por "interesses pessoais, impondo ao Chefe de Estado a assinatura do decreto de demissão do Governo e entrega do Poder ao PRS e aos 15 [Deputados]" (Notícias ao Minuto, 09-05-2016).
Segundo Bloco. Depois do PR Jomav se ter encontrado com os partidos políticos e ter convocado o Conselho de Estado para analisar a situação política do país, o Conselho de Ministros reuniu-se com emergência, emitindo um comunicado com os seguintes tópicos: 1. responsabilizar Jomav pelas imprevisíveis consequências na queda de mais um Governo constitucional do PAIGC; 2. acusar Jomav pelo mau relacionamento da Guiné-Bissau com os seus parceiros de cooperação pela intenção de criar um Governo inconstitucional; 3. responsabilizar Jomav de ser parte do problema e do mau clima na ANP devido à sua aliança com os 15 Deputados expulsos/retornados que alinharam com a oposição com o objectivo de criar uma nova maioria parlamentar para derrubar o Governo; 4. as acções de Jomav visam bloquear e fragilizar a acção governativa; 5. caberá ao PAIGC indicar um novo executivo, mantendo várias figuras e com Carlos Correia como PM (RTP Notícias, 11-05-2016).
Estes dois primeiros blocos não trazem nada de novo para além das habituais retóricas de acusação e de responsabilização de Jomav pela instabilidade política que se vive no país.
Terceiro Bloco. Será que têm razão os que defendem que a Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB» não consagra a criação de um GIP? Quantos tipos de GIP existem e a qual deles se referem? Se até os Constitucionalistas defendem um GIP, onde está o problema? Na Guiné-Bissau, nenhum Governo chegou ao fim do seu mandato da forma prevista na lei, e existiram vários Governos de Iniciativa Presidencial “GIP” ou Governos de Alianças Partidárias do PR, Governos de Iniciativa Militar “GIM”, Governos de Vigilância Militar “GVM” e Governos de Gestão. Os conflitos entre os PR, PM e Parlamentares/ANP têm sido constantes em todas as fases do processo de democratização guineense, sobretudo perante um sistema de partidos políticos fragmentado e fraco (Amaral, 2002: 7-15; Azevedo, 2009: 159-170; CRGB, 1996: arts.: 62º-104º; Fernandes, 2010: 97-102, 143-158; Kosta, 2007: 459-481; Mendes, 2010: 92; Miranda, 1996: 136-137; Novais, 2010: 73-121, 461-463). Aqueles que são contra a criação de um GIP na Guiné-Bissau, devem apresentar um modelo alternativo, já que a CRGB prevê claramente esta modalidade, como demonstra a própria História.
De acordo com a sigla, GIP pode ter uma dupla conotação do ponto de vista da Sociologia do Poder e da Política, da Ciência Política e do Direito Constitucional. Por um lado, pode significar um “Governo de Iniciativa Presidencial «GIP»”; por outro lado, pode significar um “Governo de Incidência Parlamentar «GIP»”. O Governo de Iniciativa Presidencial[1] «GIP», em Portugal foi baptizado pelo PR Ramalho Eanes durante os seus dois mandatos entre 1976-1986, onde optou por ensaiar um conjunto de experiências governativas que ficariam conhecidas como os “Governos de Iniciativa Presidencial”, sendo que nenhum dos 10 Governos terminou o seu mandato pela forma prevista na lei. No que diz respeito ao Governo de Incidência Parlamentar, é o tipo de Governo do PM António Costa, formado no Parlamento, no diálogo e na negociação interpartidárias (Novais, 2010: 73-121, 461-463).
No seu discurso na ANP, Jomav afirmou que «caso não haja disponibilidade política, séria e urgente por parte do partido formalmente maioritário [PAIGC], para uma “solução abrangente” poderia ser forçado, dentro do quadro parlamentar, a considerar outras opções governativas [GIP] que assegurem a estabilidade até ao fim da legislatura». E poderia fazê-lo com o fundamento da perda da maioria absoluta da parte do PAIGC. Esta perda de 15 Deputados expulsos/retornados dá uma nova maioria ao PRS, que tem 41 Deputados, tal como frisaram DSP e o Conselho de Ministros. Este Governo de Incidência Parlamentar «GIP» é Constitucional tanto em Portugal como na Guiné-Bissau, tendo em conta que cabe ao PR apenas proporcionar as condições de aproximação entre os partidos políticos, favorecer eventualmente acordos parlamentares, mas nunca patrocinar soluções governativas à margem do Parlamento e sem o aval dos partidos representados no Parlamento. De acordo com o modelo em vigor, não basta vencer as eleições legislativas, mas é preciso garantir os votos adequados no Parlamento, para que se possa governar (CRGB, 1996: arts. 62.º-104.º; Jornal de Notícias, 25-11-2015; Novais, 2010: 73-121, 461- 463).
Quarto bloco. Faz sentido que o PRS não se imiscua nos assuntos internos do PAIGC? Com uma nova maioria parlamentar, até que ponto Cipriano Cassamá é "irremovível"? Será que Jomav tem a faca e o queijo na mão? Será que é melhor afastar-se do que ser afastado? Será que quem ri por último ri melhorSe o PRS faz parte da solução, de acordo com o modelo em vigor, tem uma palavra a dizer sobre as declarações e acções do PAIGC, sem sombra de dúvida. Até porque já fez parte de um Governo de inclusão liderado pelo ex-PM DSP, a convite do próprio PAIGC.
O Presidente da República da Guiné-Bissau afirmou hoje que "demitir o Governo e iniciar um processo de audição às forças políticas" é a única solução para a crise institucional no país (Notícias ao Minuto, 12-05-2016; RDP África, 12-05-2015). A queda do Governo, anunciada por decreto presidencial, prova que Jomav tem de facto a faca como o queijo na mão, e acabou por “cortar” onde quis. O decreto presidencial saiu logo a seguir ao seu comunicado à Nação, enquadrando-se na técnica de Muhammad Ali: "flutuar como uma borboleta e picar como uma abelha" (Mearsheimer, 1995).
Jomav obriga os seus opositores a engolir o “violentíssimo sapode que já falei. Quem aceita governar dentro do modelo em vigor, tem de reconhecer o papel do PR como moderador, facilitador e árbitro, pois é esse o papel que lhe está destinado. Aqui fica demonstrado que seria preferível retirar-se do que ser retirado – tanto para o ex-PM DSP, como para o agora ex-PM Carlos Correia. No caso de Cipriano Cassamá, a sua posição só poderá ser esclarecida depois da formação do GIP – aí veremos se é ou não irremovível. Um aspecto é indiscutível: se Cipriano Cassamá estiver, realmente, do lado de DSP e de Carlos Correia, deverá pôr o seu lugar à disposição no caso de o GIP não ser do agrado da liderança do PAIGC.
Com a queda de Carlos Correia, podemos apelidar Carlos Correia de “PM habituado às quedas” (porque é a quarta vez que “cai” sem chegar nunca ao fim do mandato) ou “bombeiro que não consegue apagar as chamas” (porque foi várias vezes chamado para “tapar o buraco” ou “apagar o fogo”, mas as coisas nunca correram bem). Infelizmente, os Governos suportados por Carlos Correia correram sempre mal, uma vez que ele nunca ascendeu pela via mais legítima, que são as eleições, mas entrou a “meio do jogo”. Isto ensina uma lição aos seus sucessores, que devem evitar colocar-se nesta posição delicada, de ser chamado e afastado sem conseguir concretizar nada de facto. Jomav “rebentou” o “balão de oxigénio” oferecido a Carlos Correia em Janeiro, mostrando que, tal como eu previa, este era um “sol de pouca dura”. Jomav terá agora de coabitar com o quarto Governo durante o seu mandato – o 19.º Governo da Guiné-Bissau. Esperemos que seja encontrada uma solução coerente e credível entre os partidos políticos (incluindo mulheres e jovens competentes), para restabelecer um mínimo de equilíbrio na política guineense.
Termino, mais uma vez, com uma palavra para DSP e para o PAIGC. Volto a frisar que o mais conveniente seria que DSP fizesse uma retirada estratégica da liderança do partido, para preservar a sua sobrevivência política. Claro que venceu as eleições como líder do partido (apesar da desilusão na formação do seu Governo), mas as circunstâncias não são favoráveis, neste momento, para a sua permanência. Como já referi anteriormente, e também no meu livro, às vezes é melhor fazer um Compasso de Espera Político «CEP», como os políticos experientes sabem e fazem. DSP tem todo o tempo e oportunidade para terminar o seu doutoramento e apresentar um projecto sólido para a Guiné-Bissau, num contexto mais favorável.
Face à situação em que nos encontramos, importa saber: quem será o próximo PM? Irá o PAIGC “lançar” Raimundo Pereira? ou Aristides Ocante? Ou Aladje João FadiaSerá o lugar de vice-PM partilhado com o PRS ou com uma figura carismática de reconhecido valor? Como ficou o projecto saído do debate organizado por Miguel Trovoada antes da sua saída? Já não haverá nenhuma proposta? Será que podemos ficar à espera de algum guineense que esteja a desempenhar funções nas altas instâncias internacionais (já que todos são do partido)? Será desta vez que veremos um verdadeiro independente a assumir funções? E que tal pensarem num Governo de Meritocratas e Tecnocratas (falarei deste tema num dos próximos posts)? Quanto a mim, a minha obra está à disposição de todos para discutir o futuro da Guiné-Bissau. 
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 351-352, 409, 440). Lisboa: Chiado Editora.


[1] Na perspectiva do Constitucionalista português Jorge Reis Novais (2010: 98-99, 462-464), tratava-se de Governos constituídos exclusivamente a partir de Belém, compostos por pessoas politicamente próximas do PR e “independentes”, e que depois se apresentavam no Parlamento com a esperança de beneficiarem, no mínimo, da não aprovação/rejeição activa dos partidos parlamentares. Os Governos de Iniciativa Presidencial «GIP» ou Governos de Alianças Partidárias «GAP» do PR são dos mais frequentes na Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe (18 Governos eleitos nenhum cumpriu o seu mandato) e em Portugal (dos 21 Governos eleitos só 5 chegaram o fim dos seus mandatos).

terça-feira, 10 de maio de 2016

As Propostas de Cipriano Cassamá, a Entrevista de Baciro Djá e a Indisciplina na Assembleia Nacional Popular

Estimados leitores, neste post analiso em profundidade, como prometido, as propostas apresentadas por Cipriano Cassamá para a resolução da crise política na Guiné-Bissau (primeira parte). Na segunda parte, faço um breve comentário sobre a entrevista de Baciro Djá e na terceira parte apresento duas propostas do meu Modelo para acabar com a Indisciplina no Parlamento. A análise das declarações de ontem de Domingos Simões Pereira ficará para o próximo post, mas deixo já algumas questões no ar, para vos inspirar.

Primeira parte: Cipriano Cassamá, presidente da Assembleia Nacional Popular «ANP», apresentou em nome do Parlamento guineense três cenários para a saída da actual crise política: 1º cenário – PAIGC e PRS formariam um Governo comandado pelo PAIGC (enquanto vencedor das eleições), mantendo-se Carlos Correia como Primeiro-Ministro «PM». Dentro deste cenário, admite-se também a formação de um Governo com todos os partidos com representação parlamentar e mais os 15 Deputados expulsos/retornados ou então com alguns elementos ligados ao Presidente da República «PR»; 2º cenário – seria nomeado um novo PM do PAIGC à frente de um Governo conjunto com o PRS; 3º cenário – o ex-PM, Domingos Simões Pereira «DSP» lideraria um Governo do PAIGC, integrado por membros do PRS e elementos próximos ao PR José Mário Vaz «Jomav» (Diário Digital, 04-05-2016).
Tal como referi anteriormente, ao assumir claramente que não equaciona a realização de eleições antecipadas, Jomav “puxou” temporariamente Cipriano Cassamá, os Deputados eleitos (tanto do PRS como do PAIGC) e o Supremo Tribunal de Justiça «STJ», piscando-lhes o olho e transformando-os em aliados. Ao mesmo tempo, ao admitir a possibilidade de criar um Governo de Iniciativa Presidencial «GIP», “empurrou” Carlos Correia e DSP para fora.  Três dias depois do discurso de Jomav na ANP, Cipriano Cassamá encontrou-se com ele, na ausência de DSP, Carlos Correia e do seu vice-presidente Inácio Correia, para lhe dar conta das diligências em curso para a realização do debate sugerido pelo Chefe de Estado. Cipriano Cassamá afirmou ter encontrado no PR um amigo e irmão descrevendo um encontro de cordialidade (RFI, 22-04-2016). Por aqui vemos que Cipriano Cassamá aceitou o convite do piscar de olho de Jomav. Também podemos questionar se o sucessivo adiamento dos trabalhos na ANP (ver mais abaixo) não constitui também uma forma de dilatar o tempo para oferecer ao PR argumentos suficientes para a queda do Governo. Além disso, o facto da sua proposta não prever eleições antecipadas (e colocar DSP como a terceira opção/cenário) prova de que lado está Cipriano Cassamá ou seja, que ele não está com DSP, mas preferiu salvar a sua posição junto do PR. Se DSP já esteve à frente do Governo e foi afastado por Jomav, o terceiro cenário não faz sentido e parece ter sido incluído apenas para enganar DSP. Cipriano Cassamá tem mais a ganhar em salvar a sua posição porque se acontecer algum imprevisto ao Jomav, Cipriano Cassamá será o PR, de acordo com a CRGB. Perante isto, volto a questionar: será que DSP tem verdadeiros aliados no PAIGC?
Estas propostas apresentadas por Cipriano Cassamá não me surpreenderam, porque vão ao encontro do que eu já tinha proposto muito antes. Comecei por realçar a importância de DSP e o PAIGC fazerem cedências, procurando a reconciliação com Jomav e com o PRS. Falei também da possibilidade de, por um lado, haver um acordo entre o PAIGC e o PRS e, por outro lado, de se criar um acordo de paz dentro do próprio PAIGC com os Deputados expulsos (embora considerasse isto menos provável). Há mais de duas semanas, sugeri que o PAIGC partilhasse com o PRS cargos relevantes (por exemplo, a partilha de cargos relevantes – Ministros, Secretários e até Vice-Primeiro-Ministro – com o PRS e com os 15 Deputados). Finalmente, no meu post anterior, propus, em função do modelo político em vigor, que fossem recolocados os 15 Deputados retornados em cargos governativos, permitindo assim a reconciliação com eles. Nesta reformulação governativa, seriam retiradas 15 pessoas (entre Ministros e Secretários de Estado) que passariam a ocupar os lugares dos 15 Deputados retornados. Depois desta troca, seria importante ponderar a parceria com os outros partidos políticos, de forma a maximizar os consensos. Se o PAIGC tivesse seguido a minha proposta de reintegrar os 15 Deputados expulsos/retornados no Governo, a maioria absoluta do PAIGC estaria garantida e o partido ficaria a salvo. Como podem ver, caros leitores, eu já tinha avançado várias vezes as propostas agora apresentadas por Cipriano Cassamá.
Segunda parte: O Tribunal Regional de Bissau considerou nula a deliberação do PAIGC que expulsava Baciro Djá do cargo de terceiro vice-presidente do partido-Estado PAIGC por ter aceite o cargo de PM sem ter sido proposto pelo partido-Estado PAIGC. Baciro Djá anunciou que vai retomar o seu lugar na direcção do PAIGC e convidou ex-PM Domingos Simões Pereira, actual líder do partido, a abandonar o cargo (A Bola, 06-05-2016). Em entrevista à RFI, Baciro Djá afirmou também que o PR da Guiné-Bissau não deve dissolver o Parlamento visto que não há capacidade financeira para realizar novas eleições. Para além de ter sido nomeado PM por Jomav e depois ter sido retirado, Baciro Djá faz parte do grupo dos 15 Deputados expulsos/retornados (RFI, 08-05-2016).

Perante esta anulação e também a outra, relativa à expulsão dos 15 Deputados do PAIGC, confirma-se a minha previsão de que os 15 Deputados, o PR Jomav e o PRS iriam pedir as “cabeças dos derrotados” como prémio.  Perante isto, está respondida a pergunta de DSP: onde se vão sentar os 15 Deputados expulsos? (RFI, 06-04-2016). Embora o Tribunal da Relação tenha intervindo hoje mesmo, invalidando a decisão de anulação do Tribunal Regional de Bissau relativa aos 15 Deputados (RTP África 10-05-2016), põe-se a questão de saber, quatro sentenças depois, qual o peso que esta decisão terá se o PR decidir afastar o Governo de Carlos Correia? Agora cabe a Jomav pôr fim a estas idas e voltas entre as diferentes partes.
Embora a realização de novas eleições não possa ser descartada por completo, deve ser encarada como um acontecimento com baixa probabilidade de ocorrência. O mais provável é a iminente queda (ou profunda remodelação) do Governo de Carlos Correia.
Terceira parte: A ANP suspendeu os seus trabalhos pelo quarto dia consecutivo, depois de trocas de insultos entre os Deputados do PRS e do PAIGC, depois de Inácio Correia, vice-presidente da ANP, ter sido impedido pelos Deputados do PRS de ler o seu discurso de abertura (Notícias ao Minuto, 06-05-2016). O surgimento destas crispações leva-me a propor, no meu Modelo Político de Governação (pp. 520-521), por um lado, a redução do número de Deputados de 102 para entre 60 e 45, de forma a agilizar os trabalhos a desenvolver. É que as assembleias numerosas, como vemos no caso da Guiné-Bissau, «inclinam-se sempre para os excessos, visto as paixões de cada membro serem excitadas pelas de todos, que se consideram irresponsáveis». Por outro lado, subscrevo a ideia de criação de uma segunda Câmara, que regule «os excessos e os abusos a que a Câmara dos Deputados pode ser levada, concentrando em si todo o Poder do Estado, tornando o Poder executivo e judiciário seus servidores, e não respeitando direitos públicos nem privados»; i.e., «uma assembleia única, não tendo num corpo independente um centro de resistência legal, constitui a mais perfeita organização do despotismo». Neste sentido, a segunda Câmara «contribui para o melhor exercício desta função [legislativa], em virtude do novo exame a que é submetido o projecto» (o que corresponde à metáfora popular de que dois olhos vêem mais do que um) (Marnoco & Souza, 1910: 411, 414-417 citados por Kosta, 2007: 421).
Tenho andado a insistir, há muito tempo, em propostas que possam ajudar a resolver os actuais problemas da Guiné-Bissau, como demonstrei neste texto. O facto de algumas pessoas apresentarem publicamente algumas propostas no mesmo sentido das minhas, leva-me a recorrer à metáfora popular que “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Ou seja, a mudança é possível na Guiné-Bissau, e vale a pena insistir sempre, mesmo que os obstáculos pareçam intransponíveis.

Para terminar, deixo no ar algumas questões que servirão de ponte para um próximo post acerca do discurso de ontem de DSP. Será que têm razão os que defendem que a Constituição da República da Guiné-Bissau não consagra a criação de um GIP? Quantos tipos de GIP existem e a qual deles se referem? Se até os constitucionalistas defendem um GIP, onde está o problema? Faz sentido que o PRS não se imiscua nos assuntos internos do PAIGC? Se o Governo de Carlos Correia cair, que “alcunha política” lhe poderemos atribuir? Com uma eventual nova maioria parlamentar, até que ponto Cipriano Cassamá é "irremovível"? Será que quem ri por último ri melhor? Será que é melhor afastar-se do que ser afastado? Será que Jomav tem a faca e o queijo na mão?
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 63; 332-333; 520-521). Lisboa: Chiado Editora.