Caros
leitores, no post de hoje retomo, na primeira
parte, a questão das manobras de Miguel
Trovoada e da presença das tropas
dos EUA em África, em especial em Cabo
Verde e no Senegal. Na segunda parte, recordo a Olusegun Obasanjo para
ter cuidado com o que diz. Finalmente, na terceira parte,
apresento uma possível solução para o
fim desta crise política em que a Guiné-Bissau se encontra mergulhada.
Primeira Parte: Tal como referi anteriormente, Miguel Trovoada parece ter conseguido “adormecer” as autoridades político-militares guineenses, aproveitando, com as suas “ajudas”, para instalar mais uma base nos Bijagós, reforçando as posições das NU e dos EUA na região (A Semana, 28-04-2016). A este respeito, recordo a importância de nos questionarmos: é a Guiné-Bissau que supervisiona as NU no seu território ou são as NU que têm controlo do território guineense?
Além disso,
a realização de manobras militares conjuntas entre Cabo
Verde e os EUA, em conjugação com a criação desta nova
base (Sapo
Notícias, 15-04-2016) devem alertar as forças armadas guineenses.
As tropas norte-americanas têm
vindo a exercer influência ao longo dos últimos anos em África através
de exercícios conjuntos e manobras em diversos países africanos (DW, 02-02-2016; RTP, 02-05-2016; Sapo Notícias, 15-04-2016).
Estas
manobras à margem do território guineense serão com certeza do agrado
daqueles que defendem a transformação
da Guiné-Bissau num protectorado das NU. Contudo,
estamos a assistir paulatinamente a uma entrada
dos EUA no continente africano, ocupando de forma mais ou menos discreta
bases e posições de Poder que atravessam todo o continente. Depois de terem
actuado em todo o Norte de África,
deixando um rasto de destruição sem
solução à vista, os EUA viraram o seu olhar mais para Sul, procurando obter
lucros em zonas com grandes reservas
de recursos naturais, e onde as fragilidades políticas permitem a sua
penetração. Ou seja, estas fragilidades
facilitam a entrada dos EUA e, simultaneamente, a sua entrada piora ainda mais as situações locais.
Convém lembrar, porém, que ninguém tem acesso a um território sem a colaboração de elementos locais –
no caso da Guiné-Bissau podemos contar com os quadros tanto da anglofonia como da francofonia, que se unem num interesse
comum. Neste caso, Portugal/Lusofonia
está a perder terreno, o que não é nada bom para a Guiné-Bissau. Esta
atitude do Senegal, de Cabo Verde e dos EUA pode ser interpretada como uma antecipação da estratégia traçada no meu livro sobre a posição que a Guiné-Bissau deveria tomar
perante o conflito de Casamança
entre o Senegal e os Rebeldes
Felupes/Djolas (Mendes, 2015: 466-473).
Segunda Parte: Olusegun Obasanjo, enviado
especial da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental «CEDEAO» para a Guiné-Bissau, regressou
há alguns dias a Bissau, para tentar resolver
a crise política no país, conciliando
as partes em conflito (Voz da América, 02-05-2016). O seu regresso parece um pouco
contraditório face às últimas palavras
que pronunciou antes da sua partida no mês de Fevereiro. Como se pode ouvir no vídeo,
Obasanjo avisa o povo e os líderes
guineenses, que a comunidade
internacional já está saturada/cansada da instabilidade na Guiné-Bissau,
tal como eu já tinha referido num post anterior. Cabe-me agora perguntar: se
está tão cansado da Guiné-Bissau, porque
regressou? Será que está à procura
de um “tacho” junto de alguma organização internacional? No meu entender, a
Guiné-Bissau é que tem razões para estar saturada,
cansada e farta da presença de Obasanjo
e de outros representantes do seu tipo, que em nada contribuem para o
regresso da paz ao país (até parece que assustam
a paz em vez de a fazer regressar!).
Terceira parte: Como eu já tinha escrito, Jomav, enquanto PR, tem
como objectivo evitar tudo o que o ex-PM DSP quer, ou seja, evitar novas
eleições enquanto DSP for presidente do PAIGC. Porque, no caso de se
realizarem novas eleições, DSP será o candidato natural do
PAIGC e sairá seguramente como vencedor para ser proposto como
novo PM, enquanto Jomav terá a sua posição enfraquecida e os seus problemas serão
agravados, tal como se verificou entre o ex-PR Nino Vieira e o ex-PM Carlos
Domingos Gomes «Cadogo». Jomav, o PRS e os 15
Deputados retornados estão em consonância neste
aspecto, pois sabiam que a decisão favorável aos 15 Deputados levaria
inevitavelmente a um recuo de DSP, tal como Jomav recuou face
à nomeação inconstitucional de Baciro Djá como
PM (sendo obrigado a aceitar os condicionalismos de DSP e do PAIGC na nomeação
de Carlos Correia como PM). No seu discurso, Jomav fez questão de mencionar
este caso, deixando claro que as decisões dos tribunais devem ser
acatadas categoricamente por todos. Posto isto, DSP não deve continuar a
persistir na sua posição – é a sua vez
de acatar as decisões do tribunal, recuando ao repor os 15 Deputados retornados
pela sua decisão precipitada.
A solução mais viável, de acordo com o modelo político em vigor na Guiné-Bissau, seria a recolocação dos 15 Deputados
retornados em cargos governativos, permitindo assim a reconciliação com eles. Nesta
reformulação governativa, seriam
retiradas 15 pessoas (entre Ministros e Secretários de Estado) que passariam a ocupar os lugares dos 15 Deputados retornados. Os outros 15 militantes entretanto escolhidos para ocupar os
lugares dos 15 Deputados expulsos/retornados no Parlamento deveriam voltar aos seus cargos anteriores. Depois desta troca, seria importante ponderar a parceria com os outros partidos, de forma a maximizar os consensos. Se DSP quer mesmo sair vitorioso
desta batalha, deveria seguir o caminho
que o ex-PM Carlos Domingos Gomes Jr. «Cadogo»
seguiu – ao ser demitido pelo ex-PR Nino Vieira (que entretanto nomeou mais
três PM), retirou-se, ficando em
silêncio no seio do partido-Estado PAIGC. Nas eleições legislativas seguintes, Cadogo candidatou-se e venceu, de modo
que o PR não teve alternativa senão aceitá-lo. Se Cadogo tivesse causado perturbação (como DSP está a causar), teria sido forçado a renovar a
confiança no seio do partido, correndo o risco de perder o seu lugar. E é
precisamente isto que está a acontecer agora com DSP. Embora Cadogo não tenha
nenhuma formação superior na área da Ciência Política (ao contrário de DSP), agiu como se tivesse conhecimentos sólidos
nesta área. Neste sentido, de acordo com o impasse no Parlamento, cabe ao PR Jomav a última palavra, tendo consciência da consequência da sua decisão.
Para terminar, deixo-vos com os ensinamentos de um grande clássico. Cícero afirmava que o orgulho e a teimosia são luxos que um líder não pode ter, reforçando que, se os líderes
não tiverem um conhecimento profundo daquilo de que falam, os seus discursos
não passarão de papagueamentos, e as suas acções serão perigosamente mal orientadas. Cícero escreve ainda que, em
política, é irresponsável assumir uma
postura inabalável quando as circunstâncias estão em constante mutação. Há
alturas em que se justifica uma tomada de posição inflexível, mas recusar constantemente ceder é sinal de
fraqueza, não de força (Cícero, 2013: 14-18).
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco
(2015). Modelo
Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (p. 466-473, 540). Lisboa: Chiado Editora.
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