Estimados leitores, neste
post analiso em profundidade, como prometido, as propostas apresentadas por
Cipriano Cassamá para a resolução da crise política na Guiné-Bissau (primeira
parte). Na segunda parte, faço um breve comentário sobre a entrevista de Baciro
Djá e na terceira parte apresento duas propostas do meu Modelo para acabar com
a Indisciplina no Parlamento. A análise das declarações de ontem de Domingos
Simões Pereira ficará para o próximo post, mas deixo já algumas questões no ar,
para vos inspirar.
Primeira parte: Cipriano Cassamá, presidente da
Assembleia Nacional Popular «ANP», apresentou
em nome do Parlamento guineense três
cenários para a saída da actual crise política: 1º cenário – PAIGC e PRS formariam um Governo comandado pelo PAIGC (enquanto
vencedor das eleições), mantendo-se Carlos
Correia como Primeiro-Ministro «PM».
Dentro deste cenário, admite-se também a formação de um Governo com todos os partidos com representação
parlamentar e mais os 15 Deputados expulsos/retornados
ou então com alguns elementos ligados ao Presidente da República «PR»; 2º cenário – seria nomeado um novo PM do PAIGC à frente de um Governo conjunto com o PRS; 3º cenário – o ex-PM, Domingos Simões Pereira «DSP» lideraria um Governo do PAIGC,
integrado por membros do PRS e elementos próximos ao PR José Mário Vaz «Jomav»
(Diário Digital, 04-05-2016).
Tal como referi anteriormente, ao assumir
claramente que não
equaciona a realização de eleições antecipadas,
Jomav “puxou” temporariamente Cipriano Cassamá, os Deputados eleitos (tanto do PRS
como do PAIGC) e o Supremo Tribunal de Justiça «STJ», piscando-lhes o olho e transformando-os
em aliados. Ao mesmo tempo, ao
admitir a possibilidade de criar um Governo de Iniciativa Presidencial «GIP», “empurrou”
Carlos Correia e DSP para fora. Três
dias depois do discurso de Jomav na ANP, Cipriano Cassamá encontrou-se com ele, na ausência de DSP, Carlos Correia e do seu
vice-presidente Inácio Correia, para lhe dar conta das diligências em curso
para a realização do debate sugerido
pelo Chefe de Estado. Cipriano Cassamá afirmou ter encontrado no PR um amigo e irmão descrevendo um encontro de cordialidade (RFI, 22-04-2016). Por aqui vemos que Cipriano Cassamá aceitou o convite
do piscar de olho de Jomav. Também podemos
questionar se o sucessivo adiamento dos trabalhos na ANP (ver mais abaixo) não
constitui também uma forma de dilatar o tempo para oferecer ao PR argumentos
suficientes para a queda do Governo.
Além disso, o facto da sua proposta não prever eleições antecipadas (e colocar
DSP como a terceira opção/cenário) prova de
que lado está Cipriano Cassamá ou seja, que ele não está com DSP, mas
preferiu salvar a sua posição junto do PR. Se DSP já esteve à frente do Governo
e foi afastado por Jomav, o terceiro cenário não faz sentido e parece ter sido
incluído apenas para enganar DSP. Cipriano Cassamá tem mais a ganhar em salvar a sua posição porque se acontecer algum imprevisto ao Jomav, Cipriano Cassamá será o PR, de acordo com a CRGB. Perante isto, volto a questionar: será que
DSP tem verdadeiros aliados no PAIGC?
Estas propostas
apresentadas por Cipriano Cassamá não me surpreenderam, porque vão ao encontro do que eu já tinha proposto
muito antes. Comecei por realçar a importância de DSP e o PAIGC fazerem cedências, procurando a reconciliação
com Jomav e com o PRS. Falei também da possibilidade de,
por um lado, haver um acordo entre o
PAIGC e o PRS e, por outro lado, de se criar um acordo de paz dentro do próprio PAIGC com os Deputados expulsos (embora
considerasse isto menos provável). Há mais de duas semanas, sugeri que o PAIGC partilhasse
com o PRS cargos relevantes (por exemplo, a partilha de cargos relevantes –
Ministros, Secretários e até Vice-Primeiro-Ministro – com o PRS e com os 15
Deputados). Finalmente, no meu post anterior, propus, em
função do modelo político em vigor, que fossem recolocados os 15 Deputados retornados em cargos governativos,
permitindo assim a reconciliação com
eles. Nesta reformulação governativa, seriam retiradas 15 pessoas (entre
Ministros e Secretários de Estado) que passariam a ocupar os lugares dos 15
Deputados retornados. Depois desta troca, seria importante ponderar a parceria com os outros partidos políticos, de
forma a maximizar os consensos. Se o PAIGC tivesse seguido a minha proposta de reintegrar os 15 Deputados
expulsos/retornados no Governo, a maioria absoluta do PAIGC estaria garantida e o partido
ficaria a salvo. Como podem ver, caros leitores,
eu já tinha avançado várias vezes as
propostas agora apresentadas por Cipriano Cassamá.
Segunda parte: O
Tribunal Regional de Bissau considerou nula a deliberação do PAIGC que expulsava Baciro Djá do cargo de terceiro vice-presidente
do partido-Estado PAIGC por ter aceite o cargo de PM sem ter sido proposto pelo partido-Estado PAIGC. Baciro Djá anunciou que vai retomar o seu lugar na direcção do PAIGC e convidou ex-PM Domingos
Simões Pereira, actual líder do partido, a abandonar o cargo (A Bola, 06-05-2016).
Em
entrevista à RFI, Baciro Djá afirmou também que o PR da Guiné-Bissau não deve dissolver o Parlamento visto que não
há capacidade financeira para realizar novas eleições. Para além de ter sido
nomeado PM por Jomav e depois ter sido retirado, Baciro Djá faz parte do grupo dos 15 Deputados
expulsos/retornados (RFI, 08-05-2016).
Perante
esta anulação e também a outra, relativa à expulsão dos 15 Deputados do PAIGC, confirma-se a minha previsão de que os 15 Deputados, o PR Jomav e o PRS iriam pedir as “cabeças dos
derrotados” como prémio. Perante isto, está respondida a pergunta de DSP: onde se vão sentar os 15 Deputados
expulsos? (RFI, 06-04-2016).
Embora
o Tribunal da Relação tenha intervindo hoje mesmo, invalidando a decisão de
anulação do Tribunal Regional de Bissau relativa aos 15 Deputados (RTP África 10-05-2016), põe-se a
questão de saber, quatro sentenças depois, qual
o peso que esta decisão terá se o PR decidir afastar o Governo de Carlos Correia?
Agora cabe a Jomav pôr fim a estas
idas e voltas entre as diferentes partes.
Embora a realização de novas eleições não possa
ser descartada por completo, deve ser encarada como um acontecimento com baixa probabilidade de ocorrência. O mais
provável é a iminente queda (ou
profunda remodelação) do Governo de Carlos Correia.
Terceira parte: A ANP suspendeu os seus trabalhos pelo quarto
dia consecutivo, depois de trocas de insultos
entre os Deputados do PRS e do PAIGC, depois de Inácio Correia,
vice-presidente da ANP, ter sido impedido pelos Deputados do PRS de ler o seu
discurso de abertura (Notícias ao Minuto, 06-05-2016). O surgimento destas
crispações leva-me a propor, no meu
Modelo Político de Governação (pp. 520-521), por um lado, a redução
do número de Deputados de 102 para entre 60 e 45, de forma a agilizar os
trabalhos a desenvolver. É que as assembleias
numerosas, como vemos no caso da Guiné-Bissau, «inclinam-se sempre para os excessos, visto as paixões de cada membro
serem excitadas pelas de todos, que se consideram irresponsáveis». Por outro
lado, subscrevo a ideia de criação de
uma segunda Câmara, que regule «os excessos e os abusos a que a Câmara dos Deputados
pode ser levada, concentrando em si todo
o Poder do Estado, tornando o Poder executivo e judiciário seus servidores,
e não respeitando direitos públicos nem privados»; i.e., «uma assembleia única,
não tendo num corpo independente um centro de resistência legal, constitui a
mais perfeita organização do despotismo».
Neste sentido, a segunda Câmara
«contribui para o melhor exercício desta função [legislativa], em virtude do
novo exame a que é submetido o projecto» (o que corresponde à metáfora popular
de que dois olhos vêem mais do que um) (Marnoco & Souza, 1910: 411, 414-417 citados por Kosta, 2007: 421).
Tenho andado a
insistir, há muito tempo, em propostas
que possam ajudar a resolver os actuais
problemas da Guiné-Bissau, como demonstrei neste texto. O facto de algumas
pessoas apresentarem publicamente algumas propostas no mesmo sentido das
minhas, leva-me a recorrer à metáfora popular que “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Ou seja, a mudança é possível na Guiné-Bissau, e
vale a pena insistir sempre, mesmo que os obstáculos pareçam intransponíveis.
Para terminar, deixo no ar algumas questões que
servirão de ponte para um próximo post acerca do discurso de ontem de DSP. Será
que têm razão os que defendem que a Constituição
da República da Guiné-Bissau não consagra a criação de um GIP? Quantos
tipos de GIP existem e a qual deles se referem? Se até os constitucionalistas defendem um GIP, onde está o problema?
Faz sentido que o PRS não se imiscua nos
assuntos internos do PAIGC? Se o Governo de Carlos Correia cair, que “alcunha política” lhe poderemos
atribuir? Com uma eventual nova maioria parlamentar, até que ponto Cipriano Cassamá é "irremovível"? Será que quem ri por último ri
melhor? Será que é melhor afastar-se
do que ser afastado? Será que Jomav tem a faca e o queijo na mão?
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 63; 332-333; 520-521). Lisboa: Chiado Editora.
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