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sexta-feira, 25 de março de 2016

Sobre a notificação da ex-combatente Carmen Pereira pelo Ministério Público

Estimados leitores, neste post aproveito as declarações de Carmen Pereira (a quem desejo rápidas melhoras) para reflectir sobre o papel dos ex-combatentes na sociedade guineense, e sobre a necessidade de criar condições para que tenham um enquadramento claro e justo. Aproveito para deixar em aberto uma questão, para ver respondida nos próximos tempos: será que o regresso à Guiné-Bissau do ex-Presidente da República interino (pela segunda vez), Raimundo Pereira, indica que ele poderá  vir a liderar um futuro Governo de Iniciativa Presidencial (GIP)?

A ex-combatente guineense e dirigente histórica do PAIGC afirmou ter sido notificada pelo Ministério Público para prestar declarações sobre a utilização de fundos do Estado para tratamentos médicos. Em causa estarão mais de 2 milhões de FCFA (3000 euros). Carmen Pereira, de 79 anos, considerou esta situação como provocatória, encarando-a como uma falta de respeito por alguém que dedicou a sua juventude à luta pela liberdade. Para além de Carmen Pereira, terão sido notificados pelo mesmo motivo alguns membros do Governo do PAIGC. Face a estes acontecimentos, o Procurador-Geral da República «PGR», Sedja Man, começou por afirmar que não tinha conhecimento destas notificações, rejeitando o termo "provocação", e sublinhando que "ninguém está acima da lei". Posteriormente, a Procuradoria-Geral da República emitiu um comunicado onde rejeita ter notificado a Combatente de Liberdade de Pátria, Carmen Pereira por alegada suspeição de crime económico, tendo esta notificação sido feita pelo Tribunal Regional de Bissau (ANG, 21-03-2016; RTP África, 18-03-2016).


Importa relembrar, antes de mais, que o Movimento de Libertação Nacional se dividiu em duas partes: uma parte que corresponde ao braço político (PAIGC) e a outra parte é o braço armado (FAGB «Forças Armadas da Guiné-Bissau»). Esta divisão resultou das diferenças de habilitações e estatuto social – os que aparentavam ter mais habilitações foram os que ficaram, de uma forma geral, no PAIGC. Dentro dos ex-combatentes ou veteranos de guerra que ficaram dentro do PAIGC, acabaram por criar-se duas alas opostas que hoje apoiam o Presidente da República «PR» Jomav (José Mário Vaz) ou o ex-Primeiro-Ministro «ex-PM» DSP (Domingos Simões Pereira).
Tendo em conta estas divisões, Carmen Pereira é uma das ex-combatentes que se enquadra na ala pró-DSP. Uma vez que o PGR é uma figura cuja nomeação e exoneração depende da vontade política do PR, presume-se que Sedja Man seja da ala pró-Jomav. Neste sentido, podemos ver como os conflitos entre Jomav e DSP estão a degenerar e a generalizar-se para todos os sectores da sociedade guineense, assumindo a forma de ajustes de contas mascarados.
Perante estes factos, penso que todos estaremos de acordo quanto às justificações de Carmen Pereira e a sua coragem ao dar a cara deve ser valorizada. O seu estado de saúde inspira cuidados e merece a devida atenção[1]. O próprio PM, Carlos Correia, também ex-combatente, exerce este cargo pela quarta vez, o que pode motivar os restantes veteranos a reclamar algo para si (sem falar dos jovens do partido, que ganham fortunas difíceis de justificar). Contudo, a forma como Carmen Pereira se expressou não se coaduna com a própria filosofia que é utilizada para justificar a luta armada contra o colonialismo português. Se os ex-combatentes da pátria lutaram pela justiça e pela liberdade, devem também olhar para estes actos de notificação como sinais de justiça e liberdade, tendo em conta que a lei deve ser aplicada a todos os cidadãos[2]. E se para Carmen Pereira 2 milhões de FCFA não são nada, o que dizem todos os outros ex-combatentes? Será que todos os outros ex-combatentes beneficiam desta quantia? Ou será que só alguns, os da ala política do PAIGC têm direito a estas compensações? Será que aqueles que não têm acesso a estes apoios não se sentem revoltados[3]? Será que a Guiné-Bissau tem capacidade para suportar este valor para cada um dos ex-combatentes e suas famílias? Tenho sérias dúvidas que a maioria dos ex-combatentes (em especial nas forças armadas) receba este tipo de apoios.
Para concluir, proponho algumas medidas urgentes que deveriam ser tomadas para dar um enquadramento mais claro e justo aos ex-combatentes da luta armada. Em primeiro lugar, deveria haver um estatuto claro para definir quem é um antigo combatente e quais são as suas regalias, prevendo também que tipo de apoios são devidos aos familiares de ex-combatentes tombados na batalha, suspensos, falecidos, executados, etc. Em segundo lugar, é preciso criar condições decentes para aqueles que dedicaram parte sua vida à luta armada, porque é aqui que começa a verdadeira reconciliação. Não podemos esquecer, porém, que todos os guineenses merecem viver em igualdade de condições e oportunidades, exercendo a sua cidadania tendo em vista o Bem Comum (de todos e não apenas de alguns), já que a Guiné-Bissau não é uma propriedade privada dos graúdos. Para tal, precisamos de verdadeiros governantes, que reúnam requisitos básicos de Liderança, Poder e Autoridade/Carisma.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 173-177, 263, 379-383, 452, 466, 478, 544). Lisboa: Chiado Editora.


[1] Sobre este assunto, há uma questão importante a ressaltar. Em vez de gastar fortunas em tratamentos no estrangeiro, seria talvez mais útil investir esse dinheiro na construção de hospitais onde os guineenses possam ser tratados quando estiverem doentes, - isto serve também para a valorização dos quadros técnicos de saúde da Guiné-Bissau e para a criação de postos de trabalho em diversas áreas. Nelson Mandela é um exemplo paradigmático disto: fez todos os seus tratamentos no seu país, usufruindo dos investimentos feitos internamente, ao invés de viajar para o exterior como fazem muitos líderes africanos. Aqui reside a essência da mudança de mentalidades (Mendes, 2010: 92).
[2] Neste caso, não podemos deixar que se aplique a lógica da “teia de aranha”, onde só os mais pequenos/fracos são apanhados e os maiores/forte escapam, porque a teia dilata. Apesar de isto ser muito difícil, por causa da politização e partidarização da justiça guineense pelo partido-Estado PAIGC.
[3] Seria importante perceber o que é que o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas «CEMGFA», Biaguê Nan Tan, tem a dizer sobre este assunto. Uma vez que se pronunciou sobre a possibilidade de um militar se associar a um Golpe de Estado, ameaçando de morte os possíveis dissidentes, deveria olhar também para este caso como uma possível ameaça.



sexta-feira, 18 de março de 2016

A propósito da decisão judicial sobe a Câmara do Comércio e dos conflitos entre a Federação de Futebol e o Governo guineense

Caros leitores, pretendo apresentar neste post dois exemplos (Braima Camará e Manuel Nascimento Lopes) que ilustram tanto a acumulação de cargos na Guiné-Bissau como a politização e partidarização de todos os sectores da sociedade guineense.

Como enquadramento a este texto, recordo aos meus leitores que existem duas alas com posições opostas dentro do PAIGC[1]. Nesta ordem de ideias, passo a apresentar dois exemplos que mostram como os problemas do partido-Estado PAIGC estão a afectar a sociedade guineense, espalhando-se como uma infecção, que se tem verificado em todos os sectores. Existem muitos outros exemplos de acumulação de cargos, em ambas as alas, mas estes exemplos servem apenas para apresentar o tema, uma vez que resultam de duas notícias actuais.
Em primeiro lugar, temos o exemplo de Braima Camará «Bá-Quekutô». O Tribunal Regional de Bissau considerou nulas todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Câmara do Comércio, Indústria, Agricultura e Serviços da Guiné-Bissau (CCIAS), realizada a 4 de Abril de 2015, e que elegeu o Empresário Braima Camará como seu Presidente para um segundo mandato. Na sequência desta eleição, foi criada uma nova Câmara de Comércio (CDC-GB), por iniciativa de membros descontentes com a situação na CCIAS. Perante esta decisão por parte do Tribunal Regional de Bissau, devemos questionar-nos qual é o efeito desta anulação face à criação da nova Câmara de Comércio. Apesar da violência e das perturbações na eleição de Braima Camará, na altura, o escrutínio foi considerado justo e transparente. E hoje, passado quase um ano, em que ficamos? O que motivou esta reviravolta? Importa assinalar que Braima Camará é um dos 15 Deputados expulsos do PAIGC, e além de desempenhar as funções de Presidente da Assembleia Geral da CCIAS, é Conselheiro de Estado, Membro do Bureau Político do PAIGC, para além de Empresário e Presidente de um clube desportivo(ANG, 10-03-2016; Gazeta de Notícias, 11-12-2015).
Em segundo lugar, temos o exemplo de Manuel Nascimento Lopes «Manelinho», que é também um dos 15 Deputados expulsos do PAIGC, Empresário e Presidente da Federação de Futebol da Guiné-Bissau (FFGB). Por um lado, o Governo guineense, representado por Conduto de Pina, Secretário de Estado do Desporto da Guiné-Bissau, acusa a FFGB de irresponsabilidade e esbanjamento, ameaçando retirar a esta entidade o seu estatuto de utilidade pública. Conduto de Pina acusou de forma implícita o Presidente da FFGB, Manuel Nascimento Lopes, de, ao invés de gerir a instituição, “passar a vida a insultar o Governo” (Sapo Notícias, 11-03-2016). Por outro lado, a FFGB suspendeu o campeonato devido à falta de dinheiro. A suspensão do campeonato acontece numa altura em que o Sporting é líder, com 17 pontos, mais 3 do que o Benfica que segue na segunda posição (A Bola,11-03-2016). Vale a pena perguntar, uma vez que a eleição de Manelinho para o seu cargo também foi polémica, como seriam as coisas se as relações destes 15 Deputados com o PAIGC não tivessem degenerado? Se os contestatários solicitassem a anulação da eleição de Manelinho para a presidência da FFGB, será que também seria anulada, como aconteceu com Braima Camará?
Perante estes factos, parece-me evidente que a acumulação de cargos é um dos grandes problemas que afectam a sociedade guineense. Além disso, no modelo político em vigor, existe uma falta de clarificação sobre o papel de cada órgão e instituição, o que resulta, inevitavelmente, em conflitos sem solução. No meu entender, todos os sectores públicos e privados da Guiné-Bissau estão politizados e partidarizados pelo partido-Estado PAIGC. É nesta perspectiva que emerge a necessidade de pedir um divórcio definitivo, derivado da dependência política entre os órgãos superiores do Estado e também de outras instituições, visto que, ao longo dos anos o ambiente político entre eles tem sido de grande instabilidade política (Mendes, 2010: 92, 93).
Relativamente à acumulação de cargos, poderia ser resolvida através da criação de um órgão que proponho no modelo apresentado no meu livro – a Áreas de Estudos – Órgão Consultivo Multidisciplinar Imparcial (AE-OCMI). Este órgão teria a seu cargo a função de examinar junto dos serviços públicos casos de funcionários com dois ou mais empregos, para proceder de imediato à escolha de um dos empregos por parte do funcionário, no sentido de permitir o acesso ao emprego por parte de um maior número de pessoas (Hunter, 2004: 33; Mendes, 2010: 93).
Finalmente, uma das soluções mais urgentes passa pela reforma/modernização da política, com destaque para o PAIGC e pela profunda mudança de mentalidades (o que exige um investimento forte na educação).
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 474, 531-532). Lisboa: Chiado Editora.




[1] Há, por um lado, a “ala pró-DSP (Domingos Simões Pereira)” que é uma “reencarnação”  do ex-Primeiro-Ministro «ex-PM» Carlos Domingos Gomes Júnior «Cadogo Jr.». E está explícito que esta ala pró-DSP, o Governo do PM Carlos Correia e do Presidente de Assembleia Nacional Popular «ANP» Cipriano Cassamá (com a esmagadora maioria dos Deputados do PAIGC) estão em consonância. E, por outro lado, há a “ala pró-Jomav (José Mário Vaz)” que está a tentar corrigir as falhas dos ex-Presidentes da República «ex-PR» João Bernardo Nino Vieira e Malam Bacai Sanhá. E está implícito que Jomav, o Partido da Renovação Social «PRS» e os 15 Deputados expulsos do PAIGC estão também em consonância. Se DSP pretende uma solução que passa pela realização de novas eleições para consolidar o seu Poder, Jomav quer evitar tudo o que possa engrandecer e aumentar o carisma de DSP. Mais informações no post anterior.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Sobre os pontos fracos acumulados entre José Mário Vaz e Domingos Simões Pereira

Caros leitores, neste post pretendo elucidar alguns dos aspectos negativos da actuação de José Mário Vaz «Jomav» e Domingos Simões Pereira «DSP». Embora algumas falhas possam ser pequenas e, aparentemente, pouco relevantes, no cômputo geral, elas concretizam-se em consequências importantes para a Guiné-Bissau e para todos os guineenses.

DSP e Jomav têm muitas semelhanças e as suas acções negativas têm-se acumulado ao longo dos seus mandatos. Ambos são originários do Norte da Guiné-Bissau e pertencem ao partido-Estado «PAIGC». Além disso, são dois dos políticos guineenses com mais qualificações que já exerceram funções - o que eleva muito as expectativas sobre o seu desempenho. No entanto, têm também muitas diferenças e as suas divergências atingiram proporções gigantescas, tendo sido assumidas por ambos publicamente. DSP confessou que usaria todas as armas/mecanismos legais e democráticos para fazer valer os seus direitos, o que deixou Jomav numa posição delicada – se algo acontecer a um deles, o outro será automaticamente responsabilizado (Voz da América, 13-08-2015). Um outro grande ponto de contradição entre estes dois políticos, diz respeito às suas ligações internacionais: por um lado, DSP tem uma ligação mais forte à CPLP e lusofonia, por outro lado, Jomav está mais próximo dos países da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) e da francofonia. Quase me atrevo a dizer que DSP é uma “reencarnação” de Cadogo Jr., e Jomav está a tentar restaurar o que falhou com Nino Vieira. Começarei por analisar cada um deles e depois apontarei alguns aspectos comuns.
Em relação a DSP: Em primeiro lugar, DSP atrasou muito a formação do seu Governo, após as eleições legislativas, prolongando desnecessariamente o período de espera, apesar de se pressupor que já deveria ter o elenco delineado antes de se candidatar. Isto dá a entender que teve de enfrentar fortes condicionamentos dentro do partido-Estado PAIGC. Na minha opinião, DSP deveria esclarecer esta questão, desmascarando assim as fontes de pressão que controlam a política guineense (Panapress, 08-10-2015). No modelo que proponho, isto nunca aconteceria, uma vez que os candidatos devem apresentar a lista completa do seu elenco governativo e outros cargos por nomeação e proposta do Governo, antes das eleições se realizarem, de forma a esclarecer todos os cidadãos do que os espera.
Em segundo lugar, DSP simulou uma intenção de partilhar o Poder com o Partido da Renovação Social «PRS» e outros partidos políticos. Esta intenção, contudo, foi rapidamente frustrada e nunca chegou a concretizar-se verdadeiramente porque, com a demissão do seu Governo e posterior ascensão de Carlos Correia como Primeiro-Ministro «PM», este modelo foi descartado pelo PAIGC (isto leva, mais uma vez, a questionar de que lado está Carlos Correia e sugere que DSP está a ser usado sem se aperceber) (GBissau, 23-10-2014; GBissau, 13-10-2015Voz da América, 08-10-2015).
Em terceiro lugar, o Governo formado por DSP incluía pessoas provenientes, na sua maioria, da mesma zona do país, da mesma geração que o ex-PM (seus colegas, até) e oriundos da famosa carta 121.
Em quarto lugar, DSP apressou-se logo no início do seu mandato, a fazer uma aproximação a Cabo Verde, seguindo os mesmos passos que Cadogo Jr., e causando mal-estar dentro do PAIGC. Se o partido ainda é controlado pelos antigos veteranos de guerra (como veremos adiante), existe uma ala “dura” que não encara com bons olhos a relação com os mestiços ou burmedjus.
Em quinto lugar, o facto de os media internacionais favorecem muito DSP, pelo seu carisma e história como líder da CPLP, cria ainda mais divergências dentro do PAIGC.
Em relação a Jomav: Em primeiro lugar, apesar de ter anunciado que, se fosse eleito, não sairia do país durante seis meses, e exigiria a prestação de contas relativamente a todos os contratos assinados pelo Estado guineense, ainda antes de tomada da posse, Jomav efectuou cerca de dez viagens para o estrangeiro, com o estatuto de chefe de Estado, justificando que estava a fazer contactos para convidar os seus homólogos para a tomada de posse, e receber deles conselhos sobre a boa governação. Face à sua exigência de transparência, questiono se ele terá prestado contas das suas viagens. Considero que as falhas começam aqui: se o governante “máximo”, que deveria dar o exemplo, procede desta forma, como pode, posteriormente, exigir dos outros essa transparência? Esta é a primeira vez na história política da Guiné-Bissau que um PR faz tantas viagens ainda antes de tomar posse (Angop, 05-06-2014Jornal Digital, 16-06-2014; RFI, 27-05-2014; SapoNotícias, 05-06-2014)
  Em segundo lugar, após a demissão de DSP, a nomeação de Baciro Djá parece ter sido apenas uma manobra, à semelhança do que já tinha acontecido com o ex-PM Aristides Gomes, quando Nino Vieira era Presidente da República «PR» (Nino Vieira nomeou Aristides Gomes, um grande rival do PM demitido, Cadogo Jr., mas Aristides Gomes permaneceu pouco tempo no cargo). Parece que Baciro Djá foi nomeado PM como retribuição pelos serviços que prestou a Jomav e para o compensar face aos seus problemas com DSP - contudo, a intenção não era que ficasse muito tempo no cargo, era apenas uma nomeação de passagem.
Em terceiro lugar, Jomav prometeu dar um milhão e meio de francos CFA (€2300) mensais ao Hospital de Cumura, para suportar a alimentação dos doentes. Fazer caridade é algo louvável mas, enquanto PR, seria muito mais importante que Jomav se preocupasse em criar condições para todos os hospitais do país pudessem funcionar em pleno, uma vez que esta ajuda dificilmente poderá colmatar as dificuldades existentes (Expresso, 24-02-2015).
Em quarto lugar, Jomav recebeu da Gâmbia 12 viaturas destinadas à presidência da Guiné-Bissau, em nome da "solidariedade pan-africana”. Isto reforça a imagem de dependência do país que, em vez de negociar investimentos benéficos para o desenvolvimento, prefere receber 12 carros de luxo, incompatíveis com o nível de vida no país (Angop, 24-06-2014).
Em quinto lugar, Jomav, ao aceitar os condicionalismos do PAIGC para a nomeação de Carlos Correia, mostra-se contra o Governo de inclusão. Como já disse num post anterior, Jomav não quer o que DSP quer, e vice-versa.
Em sexto lugar, o PR pediu recentemente que se evitasse a “politização” da justiça. Contudo, isto não é possível. Tal como a maioria dos sectores na Guiné-Bissau, a justiça está politizada e partidarizada pelo Partido-Estado PAIGC. O próprio sistema político de Governo em vigor reforça esta politização e partidarização, como se pode ver pelos poderes detidos pelo PR e PM na nomeação do Procurador-Geral da República e do Ministro da Justiça (CRGB, 1996: art. 68º-70º, 104º; RFI, 09-03-2016; Voz da América, 09-03-2016).
Para terminar, acrescento dois aspectos que DSP e Jomav têm em comum. O facto de ambos serem empresários é algo que entra em contradição com o desempenho das suas funções, uma vez que mancha a ética da Governação e levanta suspeitas de favorecimento às suas empresas. Finalmente, o papel dos veteranos de guerra no acesso ao Poder também deve ser equacionado. Tal como referi num post anterior, existe uma parte dos veteranos que apoia Jomav e outra parte que apoia DSP, reflectindo a forte divisão que existe na sociedade guineense.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 356, 452, 534-535). Lisboa: Chiado Editora.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Análise da crise política na Guiné-Bissau e o impacto da declaração do chefe das Forças Armadas

Caros leitores, este post tem como finalidade a criação de debate sobre o contexto actual da crise política guineense, com base em dois pontos. No primeiro ponto, analiso de forma imparcial as duas alas em confronto na actual crise, apresentando os seus objectivos principais e possíveis consequências. No segundo ponto, analiso o impacto que a declaração do CEMGFA (Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas) da Guiné-Bissau poderá ter no agravamento da instabilidade política.

Primeiro ponto. Há uma clara responsabilidade do PAIGC como “cabeça do polvo” e dos seus colaboradores (em especial, quadros intelectuais guineenses) pelo clima de tensão político-militar que o povo da Guiné-Bissau está sofrer. Contudo, dentro deste PAIGC, que saiu vencedor das últimas eleições legislativas (e presidenciais), existem duas alas com posições opostas.
A ala “pró-DSP (Domingos Simões Pereira «ex-Primeiro-Ministro»)” está usar as mesmas técnicas que o ex-PM (Primeiro-Ministro) Carlos Domingos Gomes Júnior «Cadogo Jr.» usou contra o ex-PR (Presidente da República) Nino Vieira. Está explícito que DSP, o Governo de Carlos Correia Cipriano Cassamá (com a esmagadora maioria dos Deputados do PAIGC) estão em consonância. Esta ala quer uma solução que passa pela realização de novas eleições legislativas, onde o DSP será o candidato natural do PAIGC e sairá seguramente como vencedor para ser proposto como novo PM. Neste caso, se DSP for PM, o destino de Jomav (José Mário Vaz «PR») estará traçado – a sua posição ficará em causa e DSP poderá sair vitorioso, tal como Cadogo Jr., saiu vitorioso face a Nino Vieira e Malam Bacai Sanha «ex-PR». Neste caso, para retirar DSP do Poder, a única estratégia possível será recorrer ao método que o PAIGC usou anteriormente, ou seja, utilizar alguém como marioneta, tal como fizeram com o ex-PR Kumba Ialá, ex-PR Serifo Nhamadjo e os militares que fizeram o golpe de 12 de Abril de 2012[1]. Em suma, a ascensão de DSP implica a queda de Jomav e pressupõe que só estratégias mais extremas poderão retirá-lo do Poder.
Relativamente à ala “pró-Jomav”, o seu objectivo é evitar tudo o que DSP quer, ou seja, evitar novas eleições enquanto DSP for presidente do PAIGC. Está implícito que Jomav, o PRS e os 15 Deputados expulsos do PAIGC estão em consonância neste aspecto. Esta ala pretende que o resultado do impasse seja decidido a favor dos 15 Deputados, o que levará inevitavelmente a um recuo de DSP, tal como Jomav recuou face à nomeação inconstitucional de Baciro Djá como PM (sendo obrigado a aceitar os condicionalismos de DSP e do PAIGC na nomeação de Carlos Correia como PM). Esta atitude vai implicar, provavelmente, a queda do Governo de Carlos Correia, na medida em que os 15 Deputados e o PRS vão querer uma nova votação do programa do Governo, com a intenção de chumbá-lo (como aconteceu na primeira votação). Jomav quer encostar, pouco a pouco, a ala pró-DSP à parede, de forma a legitimar a criação de um Governo de Iniciativa Presidencial «GIP», que sirva os seus propósitos, e fazendo um compasso de espera política até ao afastamento total de DSP no congresso do PAIGC.
Segundo ponto. O CEMGFA (Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas) da Guiné-Bissau denunciou ontem tentativas de aliciamento de militares para “criarem confusão” no país, no sentido de criar um golpe de Estado. O general Biaguê Nan Tan afirmou que não vai tolerar este tipo de situação: “Vou avisando: não tenho prisão para colocar o soldado que tentar dar um golpe de Estado. O seu lugar será no cemitério. Comigo aqui não há lugar para golpes” (RTP Notícias, 03-03-2016).
Este discurso tem duas vertentes: por um lado, o CEMGFA está certo ao afirmar que terá tolerância zero perante qualquer tentativa de desobediência ou insurreição. Ou seja, vai ao encontro da prevenção da “Beowulfização” Política na Guiné-Bissau (o pacto entre o Poder político e o Poder militar), e encaixa perfeitamente na ideia de que «toda a instituição política que repouse na força armada ou que conte com ela para a sua conservação é tirânica; e todo o povo que a tolere é cúmplice da tirania» (Mannequin, 1870 citado por Kosta, 2007: 697). Por outro lado, o CEMGFA está errado pela forma como fez esta declaração, por três motivos: em primeiro lugar, ele não denunciou as pessoas que estão a aliciar os militares, o que abre espaço à distorção e especulação, criando ainda mais incerteza e instabilidade[2]; em segundo lugar, um CEMGFA não deve ameaçar de morte os conspiradores (“não tenho prisão para colocar o soldado que tentar dar um golpe de Estado. O seu lugar será no cemitério”), mas sim denunciá-los à justiça, sabendo que não existe, formalmente, pena de morte na Guiné-Bissau; em terceiro lugar, é preciso recordar a Biaguê Nan Tan que muitos outros CEMGFA já tinham proferido discursos deste género, e o fim deles foi sempre trágico. Fica implícito que qualquer pessoa que pense em organizar um golpe de Estado estará condenada à morte. Além disso, esta declaração abre espaço a interpretações das duas alas, visando diferentes destinatários: se se considerar que a ala pró-Jomav tem razão, então a mensagem dirige-se contra a ala pró-DSP; se se considerar que a ala pró-DSP tem razão, então a mensagem é dirigida contra a ala pró-Jomav. Se o CEMGFA não esclarecer as suas ideias, qualquer um pode utilizá-las a seu favor.
Apelo para que alguma entidade competente o aconselhe a corrigir publicamente o seu discurso, porque isto tem implicações muito fortes.
DSP, Jomav, PRS, os 15 Deputados expulsos, PAIGC, Cipriano Cassamá, Carlos Correiaveteranos de guerra e CEMGFA devem reunir urgentemente e seriamente para encontrar uma solução pacífica e duradoura, porque todos eles têm responsabilidade na situação que a Guiné-Bissau está a atravessar.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 185-187, 415). Lisboa: Chiado Editora.




[1] Kumba Ialá (ex-PR) e os militares a favor do ex-CEMGFA António Indjai foram responsabilizados por este golpe de 12 de Abril, no entanto, a maioria dos guineenses não sabia que um dos sectores da cúpula do PAIGC esteve profundamente ligado a este acontecimento. Neste sentido, podemos supor que o golpe foi feito para compensar Kumba Yalá pelos dois anos de mandato presidencial que lhe faltavam quando foi derrubado em 2003, e para compensar também os que estavam contra a facção de Cadogo Jr. (entre os quais se inclui Serifo Nhamadjo).

[2] A este propósito, posso referir também o caso do ex-CEMGFA Baptista Tagme Na Waie que afirmava que “se ele morresse de manhã, Nino Vieira morreria à tarde”; ou seja: se ele morresse horas antes, Nino Vieira morreria horas depois. A análise deste discurso foi muito bem aproveitada pelos militares (em especial Balantas que queriam vingar-se do Nino Vieira por causa das atrocidades que ele tinha infligido aos chefes Balantas), que interpretaram as palavras do ex-CEMGFA como uma ameaça contra Nino Vieira. Este discurso predispunha que Nino Vieira fosse assassinado, se acontecesse alguma coisa ao ex-CEMGFA, o que acabou por acontecer (a 2 de Março de 2009, quando Nino Vieira foi assassinado na sequência do assassinato do ex-CEMGFA, um dia antes). Para mim, como Sociólogo e Politicólogo guineense, as palavras de Tagme Na Waie deveriam ter sido interpretadas de outra forma: significavam que quem quisesse matar Nino Vieira teria de matá-lo (Tagme Na Waie) primeiro a ele, por este (Tagme Na Waie) ser uma garantia da segurança daquele (Nino Vieira) (Cardoso, 1995: 269; Mendes, 2010: 65-66; Silva, 2010: 249-256; Rodrigues & Handem, 2009: 196-202; Sousa, 2012: 22-41, 49-55, 58-89).