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domingo, 28 de fevereiro de 2016

Sobre a relação entre os interesses dos politiqueiros guineenses com a realpolitik

Caros leitores, este post poderá ajudar algumas pessoas a compreender melhor a crise política guineense. Ou seja, ajuda-nos a compreender a razão pela qual os politiqueiros, que erradamente chamamos de políticos, não se preocupam com o interesse do povo da Guiné-Bissau. Tal como dizia Platão (427 a.C.-347 a.C.) «abundam os politiqueiros onde faltam os verdadeiros políticos» (Platão, 2008: 20-21).

 Para Max Weber (1864-1920), existem três formas de estar na política: a) há os políticos ocasionais (todos nós), que se manifestam apenas, por exemplo, no acto do voto, no aplauso ou protesto numa reunião “política”; b) há os políticos semi-profissionais que só desempenham esta actividade pontualmente, sem viver principalmente dela e para ela (por exemplo, assessores, consultores ou conselheiros); c) finalmente, há os políticos profissionais, que vivem “da” ou “para” a política, sendo que estas duas ideias não são necessariamente exclusivas. Viver “da” política é procurar fazer dela uma fonte duradoura de rendimentos, o que não acontece com quem vive “para” a política, que faz dela um ideal de vida. Em termos económicos, para que uma pessoa possa viver exclusivamente “para” a política, tem de ter um património considerável, independente das suas funções políticas (são os casos de Belmiro de Azevedo em Portugal ou de “Cadogo Pai” ou "Carlos Banco" na Guiné-Bissau, ou seja, pessoas com património material ou rendimentos provenientes de rendas). No entanto, Max Weber acaba por reconhecer que é possível viver, simultaneamente, “da” e “para” a política – aliás, admite que «todo o homem sério que vive “para” uma causa, vive também “dessa” causa» (Weber, 1979: 17-25; 2005: 69-73).
Os políticos que vivem "da" política, procurando apenas dela retirar proveito, enquadram-se perfeitamente na filosofia da realpolitik tal como esta nos é apresentada por Maquiavel e Lord Palmerston. A teoria realista de Maquiavel (1469–1527) advoga que «os fins justificam os meios», e a teoria do ministro britânico do século XIX, considerado o pai da realpolitik, Lord Palmerston (1784–1865), defende que «nós não temos aliados eternos ou inimigos perpétuos, só os nossos interesses são eternos e perpétuos e é nosso dever segui-los» (Maquiavel, 2007: 13, 78-79; Palmeira, 2006: 60).
Eu, contudo, acredito na necessidade de uma visão mais moderada da realpolitik, na senda do que defendia Deng Xiao-Ping (1904-1997), com o slogan “não importa a cor do Gato, desde que apanhe o Rato”. A China que hoje conhecemos é em boa parte resultado dessa inspiração. E é precisamente isto que defendo para a Guiné-Bissau, ou seja, não importa a nacionalidade, raça, sexo, grupo étnico, cor da pele, ideologia partidária, desde o momento que a pessoa partilhe o espírito do patriotismo guineense e seja competente para contribuir no processo de desenvolvimento da Guiné-Bissau.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 80-81, 189-190, 529). Lisboa: Chiado Editora.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Significado de amigo na política

Este post tem como objectivo essencial expôr, em poucas palavras, o significado da palavra amigo no campo político. Além disso, pretendo chamar a atenção dos governantes, políticos e seus amigos para as suas responsabilidades na crise política em que a Guiné-Bissau se encontra mergulhada.

Plutarco (46 d.C – 120 d.C.) afirma, por um lado, que «as cidades não precisam de homens sem amigos nem companheiros, mas homens de bem e prudentes. Os amigos são instrumentos vivos e pensantes dos homens políticos, e é conveniente não deslizar com eles pela rampa da transgressão, mas zelar para que, mesmo contra a nossa vontade, não cometam nenhum erro. Não é de facto necessário ser amigo até ao altar, evitando participar a um falso sermão. Uma atenção aos seus amigos não enobrece menos aquele que honra do que aquele que é honrado, enquanto a arrogância, diz Platão, é acompanhada pela solidão» (Plutarco, 2009: 31-35). Por outro lado, Cícero (107 a.C. – 43 a.C.) disse que «na política, deve manter-se os amigos perto e os inimigos ainda mais perto. Os bons chefes fracassam quando tomam os amigos e aliados por certos. Nunca se deve negligenciar os apoiantes, mas, ainda mais importante, deve saber-se bem o que os inimigos andam a fazer. Não se deve recear a aproximação àqueles que se nos opõem» (Cícero, 2013: 14-16).
É preciso ter muita atenção às decisões que um político toma, porque estas podem, não só pressionar os seus inimigos, como também transformar os seus amigos em potenciais inimigos, criando assim um ponto de convergência entre ambas as partes que acabam por estar interessadas no seu desaparecimento.
Na verdade, são os críticos dos políticos que devem ser encarados como os seus verdadeiros amigos e não como inimigos. Tal como a dor funciona no corpo humano, é assim que a crítica nos alerta que algo de errado se passa connosco. Tudo isso porque é na base destas críticas que um político sensato pode esforçar-se para melhorar o que está mal. Porque é precisamente quando sabemos que os outros não querem o nosso bem, que devemos esforçar-nos ainda mais para superar os obstáculos. Infelizmente, a Guiné-Bissau e alguns guineenses não estão a enveredar por este caminho de diálogo, cedências e aperfeiçoamento constante.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 539-540). Lisboa: Chiado Editora.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A Democracia está de tanga e o “Sistema” está de cuecas

Os objectivos centrais deste post são, por um lado, chamar a atenção dos bosses do PAIGC, governantes, classe política e governados/cidadãos guineenses para acreditarem na lenda de David e Golias; e por outro lado, dizer à comunidade internacional que a Guiné-Bissau precisa de uma chance para a sua estabilidade política. Neste sentido, farei uma análise em quatro partes.

1ª parte: As imagens acima, de uma mulher de tanga, de um homem em cuecas e da posição de Saramago sobre a esquerda e a direita, pretendem ilustrar a actual situação política da Guiné-Bissau, onde todos parecem buscar apenas os seus interesses e não os da nação e povo guineenses.
2ª parte: Em primeiro lugar, recordo aos leitores o evento em que o constitucionalista português Jorge Miranda afirmou que o Presidente da República «PR» da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, «Jomav», estaria a criar uma crise artificial no país, dificultando a paz e a estabilidade. Em segundo lugar, interpreto de três formas o pedido de parecer que Jomav fez aos dois constitucionalistas portugueses [o Prof. Vital Moreira e o próprio Prof. Jorge Miranda] a respeito da [in]constitucionalidade da perda de mandato dos 15 deputados do PAIGC. Primeira interpretação: Jomav pretende acusar o Poder Judicial guineense de falta de confiança, de incompetência e de parcialidade no seu papel de pilar da justiça na Guiné-Bissau. Segunda interpretação: Jomav está a transmitir aos guineenses que existem infiltrados (Toupeiras) nos principais órgãos de Poder na Guiné-Bissau. Terceira interpretação: pode significar que Jomav pretende dizer ao país e aos guineenses que cabe aos Juristas portugueses fazer a interpretação das leis da Guiné-Bissau, tendo em conta que, além de terem sido criadas por eles, tanto a Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB» como o modelo guineense são cópias da Constituição da República Portuguesa «CRP» e do modelo português (Angop, 28-01-2016; Sapo Notícias, 02-02-2016).
Desde a democratização de Portugal, algumas faculdades de Direito português, em geral, e alguns dos seus professores de Direito Constitucional, em particular, têm aconselhado e acompanhado de perto (e até influenciado) as escolhas institucionais dos países lusófonos (Lobo & Neto, 2009: 15, 16, 21; Novais, 2007: 137-139). A este respeito, Azevedo (2009: 142) diz-nos que «[…] um dirigente partidário guineense (que pediu o anonimato) denunciou que a ambiguidade e a inadaptação da Constituição às características do país resultam de esta ter sido redigida por juristas portugueses. Segundo este dirigente, a actual Constituição resulta principalmente do trabalho de três importantes juristas portugueses convidados pelas autoridades guineenses».
Esta “batata quente” que Jomav passou aos dois constitucionalistas portugueses vai ao encontro das declarações do Dr. Basílio Sanca, Bastonário da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau, que defende uma «reforma integral a nível nacional na área da justiça» e da advocacia. Basílio Sanca reconhece a existência da corrupção na Guiné-Bissau, em especial no campo da justiça, afirmando que esta se deve essencialmente ao “Sistema”, que está mal montado e deve ser revisto porque não corresponde à realidade do país (Rádio Sol Mansi, 08-02-2016). Esta declaração de Basílio Sanca, além de dar razão a Jomav para não confiar na justiça guineense, legitima que o PR possa “lavar as mãos à moda de Pilatos[1]”.
  3ª parte: Recordo aos leitores que o facto da CRGB e do modelo político guineense serem cópias da CRP e do modelo político português provam, por um lado, exemplo vivo do caso descrito pelo grande realista clássico, Maquiavel: «[…] nada é tão débil e instável como a fama do Poder que se baseia em forças alheias […], e deu-nos o exemplo da vitória de David sobre Golias, que recusou as armas de Saúl enfrentando assim o seu inimigo com a sua funda e a sua faca […], em conclusão, as armas de outrem ou não te assentam bem, ou te pesam ou te apertam […]» (Maquiavel, 2007: 63-66). Por outro lado, as constantes intervenções de constitucionalistas portugueses nas interpretações das leis da Guiné-Bissau e da pressão da Comunidade Internacional no destino da Guiné-Bissau podem ser enquadradas nesta metáfora dconfrontação de Hrothgar para Beowulf ao revelar-lhe que «[…] as pessoas pensam que, para ser Rei, só é preciso uma Coroa de Ouro e basta. Pensam que, lá porque eu a uso, sou mais sábio que elas. Mais corajoso e melhor (…). Um dia, irás compreender o preço… que é preciso pagar pelos favores dela, e pelo Trono também. Haverás de saber o que é sentirmo-nos um fantoche, a baloiçar dos fios que nos manipulam [...]» (Kiernam, 2007: 153-156, 183-190).
4ª parte: Face à realidade da Guiné-Bissau, os mediadores do conflito são unânimes em reconhecer que os governantes guineenses devem esforçar-se a todo custo para resolver os seus problemas e para se livrar das constantes dependências externas - até porque a Comunidade Internacional mostra estar já saturada da instabilidade na Guiné-Bissau (RFI, 11-02-2016). Se a CRGB e o modelo guineense são cópias da CRP e do modelo português (antiga potência colonial), então a Guiné-Bissau não pode ser um país plenamente independente. Sendo assim, torna irrefutável a tese de que «a descolonização não é o fim do colonialismo, mas sim, a implementação de um conjunto de medidas tendentes a terminar com o controlo político formal sobre os territórios coloniais e a sua substituição por um novo tipo de relacionamento» (Lara, 2000: 22). E reforça a posição dos que acreditam que «a guerra e a política são faces da mesma moeda. Ou seja, se entendemos a guerra como a continuação da política por outros meios, então devemos perceber também que a política é a continuação de guerra com outros meios» (Arendt, 2007: 125; Cabral, 2008: 142-143; Foucault, 2002: 283; Kosta, 2007: 646; Medeiros, 2012: 144-145; Mendes, 2010: 33).
Se pudermos realmente chegar à conclusão que o modelo guineense actual não é satisfatório, porque não implementar um novo modelo, criado de raiz, com base na realidade da Guiné-Bissau?
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 163, 186-188, 281, 345). Lisboa: Chiado Editora.


[1] O imperador romano Tibério nomeou Pôncio Pilatos como Governador/Prefeito da província romana da Judeia entre os anos de 26 e 36 d. C. Foi o Juiz que, de acordo com a Bíblia, condenou Jesus Cristo à morte na cruz, depois de uma consulta popular, em que deu a escolher à população entre a salvação de Jesus e a de um ladrão de nome Barrabás. Os tribunais judaicos administravam a justiça no dia-a-dia, mas casos que exigiam a pena de morte eram submetidos ao Governador romano, que era a autoridade judicial suprema (A Sentinela, 15-09-2005).

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Caros leitores, como podemos encarar a excisão? Atendendo a tudo o que já foi escrito e estudado, é possível propor um plano-B?

Cerca de 200 milhões de crianças e mulheres foram vítimas de mutilações genitais no mundo, segundo um relatório divulgado nesta sexta-feira pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Em países como a Somália, Guiné e Djibuti, em África, até 98% das mulheres sofreram excisão, como é chamada a extirpação do clitóris. Um dado preocupante do relatório é que o índice de mutilações está a subir na Libéria, no Burkina Faso e no Quénia. O objectivo da entidade da ONU é acabar com esta prática até 2030. O tema foi incluído nos objectivos de desenvolvimento das Nações Unidas para os próximos 15 anos, adoptado por 193 países em Setembro de 2015 (RFI, 05-02-2016).

Este post tem por finalidade criar um debate acerca da mutilação genital feminina (excisão ou “fanado da mulher”), que é uma prática de alguns [sub]grupos étnicos de muçulmanos (por exemplo: Fulas e Mandingas) na Guiné-Bissau. Esta prática é feita ainda de forma tradicional, violando os princípios básicos de higiene, saúde e segurança e comprometendo a vida das mulheres que a ela são sujeitas (Mendes, 2010: 66). Hoje em dia, o consenso (plano-A) é que esta prática deve ser eliminada totalmente, devido aos seus efeitos nefastos.
Em relação a este fenómeno, muito se tem escrito e debatido. Hoje, escrevo para sugerir um plano-B, na pior das hipóteses, considerando que o Estado da Guiné-Bissau (e de outros países africanos onde existe esta prática) poderia criar um debate (através do modelo político de governação), abrindo a possibilidade de admitir a excisão de mulheres adultas (maiores dos 18 anos, com um nível de escolaridade elevada e com alguma independência económica e financeira compatível ao nível de vida do país), por sua própria decisão e vontade, criando condições de saúde e higiene adequadas para que esta prática ocorra com a maior segurança possível para a mulher. Posso considerar que, nestas circunstâncias (com a livre vontade da mulher e todas as condições de saúde), a excisão se assemelharia a outras práticas cirúrgicas realizadas por motivos pessoais, religiosos (por exemplo, a circuncisão) ou estéticos (por exemplo, tatuagens ou piercings) (Diário de Notícias, 30-08-2015; Notícias ao Minuto, 17-03-2015).
Esta sugestão de um plano-B enquadra-se na percepção de que, as tradições (nomeadamente o sistema de Poder tradicional) não podem ser aceites sem que se faça sobre elas um profundo trabalho de reflexão. As tradições distinguem-se das “outras” instituições modernas por descreverem uma uniformidade de «formas de comportamento, de objectivos, de valores ou de gostos das pessoas», fazendo a ponte entre as pessoas e as “outras” instituições modernas. De acordo com Popper, existem duas visões sobre a tradição: 1) uma visão anti-racionalista, segundo a qual a tradição não pode ser tratada por nenhuma teoria racional, pelo que devemos aceitá-la como algo dado; 2) uma visão crítica, que tenta compreender a tradição para poder aceitá-la ou rejeitá-la criticamente. As tradições têm uma função dupla: por um lado, criam uma certa ordem, ou uma estrutura social e, por outro lado, fornecem uma base a partir da qual podemos agir, «algo que podemos criticar e mudar». Caros leitores, nós devemos adoptar, tal como Popper, a segunda visão sobre a tradição. Reconhecemos que, mesmo quando defendemos que algumas tradições devem ser rejeitadas e substituídas, «deveríamos permanecer sempre conscientes do facto de que toda a crítica social e todo o melhoramento da sociedade têm de ter como referência um quadro de tradições sociais, entre as quais algumas são criticadas por oposição a outras». Assim, é possível substituir uma tradição intolerante, segregadora e elitista por outra tradição mais tolerante, liberal e democrática. O que não devemos nunca é aceitar a tradição como um dado adquirido, imutável e isento de críticas (Popper, 2006: 169-185).
Nós temos que respeitar as nossas raízes. Portanto, modernidade não significa esquecer…significa seguir em frente, lembrando tudo aquilo que se viveu. Qualquer política democrática no futuro da Guiné-Bissau vai ter de investir muito no papel da história, no papel da cultura, no papel da governação das pequenas comunidades

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 216, 253, 278-279). Lisboa: Chiado Editora.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Há boas razões para os militares exigirem a reforma política na Guiné-Bissau

Quem é que governa e lidera a Guiné-Bissau? Será que os guineenses lutaram mesmo para a independência nacional ou foi para a dependência internacional? Será que a independência trouxe uma melhor vida ao povo guineense? Deixar nas mãos dos estrangeiros a tomada de decisões político-militares e jurídico-políticas não é tratar os quadros guineenses como incompetentes? Para que servem os estudos dos quadros guineenses? Continuaremos a reflectir sobre estas questões.

Caros leitores, as trapalhadas políticas em curso na Guiné-Bissau, tendo o PAIGC como “a cabeça do polvo”, confirmam que a minha tese está bem-encaminhada no que toca a urgência da reforma política. Ao longo dos meus estudos, tenho sido da opinião que “as ressacas” de «conflitos de ordem histórica» ainda se reflectem na instabilidade da Democracia guineense – ou seja, nos «conflitos de ordem contemporânea». Tudo isto teve a sua génese no Congresso de Cassacá de 13 a 17 de Fevereiro de 1964, onde o PAIGC, na tentativa de organizar o partido, criou as Forças Armadas Revolucionárias do Povo «FARP[1]» (agora, Forças Armadas da Guiné-Bissau «FAGB») como o seu braço armado. Após a independência, os combatentes (veteranos da guerra) com algumas habilitações mudaram-se para o braço político (PAIGC) e os que não tinham habilitações ficaram no braço armado (FARP/FAGB).
Este aspecto do parágrafo anterior é importante, na medida em que me permite perceber que os [sub]grupos étnicos maioritários do PAIGC (Balantas, Mandingas, Pepéis, Beafadas, Bijagós e Felupes) que ficaram nas FARP/FAGB como braço armado do regime político  não tinham habilitações, devido às barreiras que o sistema colonial lhes tinha criado. Estas barreiras reflectiam-se também nos acessos restritos às principais cidades do país, incluindo a falta de habitações, documentos e empregos por causa do estatuto de indígena. Após a independência, esses [sub]grupos étnicos instalaram-se nos antigos quartéis dos portugueses herdados pelos militares guineenses, que, além de serem vistos e encarados como atrasados, não tinham onde receber os seus familiares. Hoje em dia, esses quartéis transformaram-se em novas habitações para os familiares de muitos militares, sem limites definidos para as propriedades de uso exclusivo dos militares, o que pode trazer consequências nefastas.
As diferenças ao nível das habilitações entre os antigos combatentes do PAIGC reflectem-se nas visíveis desigualdades sociais galopantes, que são uma das causas dos conflitos político-militares. A ponte que estabeleço enquadra-se na seguinte leitura: os antigos combatentes com mais habilitações/qualificações gozam de certas regalias/condições políticas e económicas que dignificam os seus estatutos sociais; enquanto os antigos combatentes desprovidos dos referidos atributos que ficam nos quartéis, vivem nas piores condições sociais, económicas e políticas, etc.
Os defensores da filosofia política de Amílcar Cabral e da reforma do sector de defesa/segurança – «os neo-cabralistas e os pró-PAIGC» – na Guiné-Bissau não batem, muitas vezes, na mesma tecla com aquilo que Amílcar Cabral verdadeiramente defendia. Amílcar Cabral defendia, por um lado, que «a acção política deve sempre proceder e ultrapassar em prioridade a acção militar; a acção armada deve ser sempre determinada por considerações políticas»; ou seja, «toda a importância da Guiné-Bissau e de Cabo Verde assentam na sua importância política» (Oramas, 1998: 59, 131-135). Com base nestas palavras de Amílcar Cabral, como Sociólogo-Politicólogo, afirmo que estas ideias são actuais, porque provam que sem a reforma/modernização política e do PAIGC, dificilmente a reforma/modernização militar/sector de defesa e segurança produzirá efeitos benéficos para a estabilidade política da Guiné-Bissau. Ou seja, para Amílcar Cabral, a reforma/modernização política e do PAIGC é mais prioritária que a reforma/modernização militar/sector de defesa e segurança.
Por outro lado, se o próprio Amílcar Cabral[2] defendia que “nem toda a gente é do PAIGC” (Cabral, 1983: 103-114; Sousa, 2012: 178) e portanto também nem “toda a gente” deve ser neo-cabralista, por que razão o PAIGC e os neo-cabralistas querem fazer com que “toda a gente” ou todo o Estado da Guiné-Bissau – «povo/nação, território e Aparelho do Poder do Estado» – seja do PAIGC e dos neo-cabralistas? Por o PAIGC ser um partido-Estado, verifico que há um paradoxo quando os defensores do cabralismo e pró-PAIGC recorrem ao seu projecto como solução para a Guiné-Bissau (Nóbrega, 2003: 308-309), sem assumirem, contudo, as suas palavras e os seus erros. No meu entender, não compensa muito a estes defensores invocar em vão o nome de Amílcar Cabral, imputando-lhe palavras que ele não disse.
Espero que estes defensores do cabralismo e pró-PAIGC tenham em consideração que o problema da Guiné-Bissau é muito mais que um problema militar, e na melhor das hipóteses é provável que o Poder militar possa (bem gerido) ajudar a solucionar o problema político e contribuir para o desenvolvimento da Guiné-Bissau. Ou seja, que as actuais crises políticas provam que o principal problema do país reside no campo político e na mudança de mentalidades agravada pela falta de investimento na educação para a formação de recursos humanos necessários em todas as facetas da sociedade.
Quando se trata de saber se o problema de raiz é essencialmente político ou militar, dois grandes homens por mim entrevistados – «Viriato Soromenho-Marques e Alfredo Handem» – mostram uma forte sintonia dos seus pontos de vista. Por um lado, o Professor Soromenho-Marques diz-nos que «[…] o problema é essencialmente de natureza política, porque a parte militar decorre da parte política […]» (Soromenho-Marques, 20-09-2013); por outro lado, face à mesma questão, o Professor Alfredo Handem responde: «[…] Eu penso que são os dois problemas. Mas o problema militar é um problema que advém do problema político, portanto, uma gestão deficitária das coisas públicas, agravada por conflitos inter/intra partidários […]» (Handem, 03-05-2013).

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015).Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 173-177, 263). Lisboa: Chiado Editora.




[1] Por estas razões, para muitos combatentes, ser militar é ainda sinónimo de ser do PAIGC, em parte por causa do artigo-4º da Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB» de 1973 e 1984, que legitimava o PAIGC como força política e dirigente da sociedade. Apesar de este artigo ser revisto formalmente em 1991 com a abertura democrática, em nada se alterou a mentalidade, o discurso e o procedimento dos seus militantes. Nessa fase da transição para a Democracia - «que se trata de conflito de ordem contemporânea» - teria sido importante que o Estado guineense impedisse que o PAIGC “partido-Estado” se transformasse num partido político, levando consigo todas as propriedades do Estado, por si criadas – a identidade guineense, a CRGB, a Assembleia Nacional Popular “ANP”, as FARP [agora é Forças Armadas da Guiné-Bissau «FAGB»], a bandeira do Estado, o hino nacional, o facto de ter dado a independência ao país. Tendo em conta que o próprio PAIGC não passava de um Movimento de Libertação Nacional (MLN), as propriedades do Estado deveriam permanecer independentemente de um eventual desaparecimento do partido político. Por estas razões, elas deveriam ser totalmente independentes de qualquer relação com organizações partidárias (Mendes, 2010: 17-39, 70-89).
[2] Amílcar Cabral utilizou como slogan, no início da sua mobilização, a expressão “toda a gente é do partido [PAIGC]”. No entanto, quando ganhou protagonismo e carisma, mudou de slogan, legitimando que "nem toda a gente é do partido [PAIGC]". Para mim Politicólogo, ambos os slogans cabem na metáfora do velho e do novo testamento – os defensores da filosofia política de Amílcar Cabral deveriam usar e aplicar o novo testamento (segundo slogam), salvando o PAIGC de ser um partido-Estado e cumprindo que “nem toda a gente é neo-cabralista” (Cabral, 1983: 105-106).

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Crise política na Guiné-Bissau: o clima de tensão está subir com uma velocidade galopante, e as suas consequências estão à vista de todos...

Este post divide-se em duas partes. A primeira parte, tem o objectivo de confirmar os efeitos de contágio do meu post e artigo de opinião no jornal - sobre a incoerência do Primeiro-Ministro de Cabo Verde - na política guineense. Na segunda parte, vou apresentar algumas ideias sobre a presença de tropas estrangeiras na Guiné-Bissau. Fico contente por saber que os conteúdos da minha obra têm dominado o discurso dos actores políticos guineenses, tanto de forma directa como indirecta.
Parte I: Começo por apresentar as palavras de Florentino Mendes Pereira, secretário do Partido da Renovação Social (PRS), que disse hoje que o primeiro-ministro de Cabo Verde deve evitar de imiscuir-se nos assuntos internos da Guiné-Bissau. Além disso, afirmou também que a Guiné-Bissau necessita de um pacto de governação. Como podem confirmar, trata-se precisamente de uma declaração que vai ao encontro das minhas argumentações anteriores, nomeadamente da ideia do Tratado Político de Governação que desenvolvi em profundidade no meu livro. Penso que isto vem, mais uma vez, confirmar, a pertinência do meu trabalho para a actualidade política da Guiné-Bissau.
Parte II: Passando agora ao segundo tema, posso dizer que o problema da Guiné-Bissau não se resume nas Forças Armadas da Guiné-Bissau «FAGB» como principal factor de instabilidade político-militar, mas padece da falta das principais modernizações que o partido-Estado PAIGC deveria ter feito desde a independência. Neste sentido subscrevo o slogan de quem advoga que a Guiné-Bissau (ou a África) está a viver uma “crise de liderança e da mudança de mentalidades”. Há líderes capazes, mas a maioria ainda é um mau exemplo. Isto piora quando constato que a governação da Guiné-Bissau vive na dependência do apoio e da subordinação económica/financeira, política e militar externa. E cada vez que o Estado da Guiné-Bissau tenta ensaiar uma autonomia interna (ou se verifica o corte desse apoio), o Estado guineense mergulha num ciclo de instabilidade político-militar (Foreign Policy/Edição FP, 01-2010: 72).
É nesta lógica que, ao analisar a presença das tropas estrangeiras do ECOMIB (missão de manutenção de paz da Africa Ocidental) na Guiné-Bissau (depois de outras como o Senegal, Guiné-Conacri, Angola, etc.) para a manutenção da segurança no país em diferentes fases de conflitos internos, recordo que a realidade da Guiné-Bissau já provou ser um exemplo vivo do caso descrito pelo grande realista clássico, Maquiavel: «[…] nada é tão débil e instável como a fama do Poder que se baseia em forças alheias […], e deu-nos o exemplo da vitória de David sobre Golias, que recusou as armas de Saúl enfrentando assim o seu inimigo com a sua funda e a sua faca […], em conclusão, as armas de outrem ou não te assentam bem, ou te pesam ou te apertam […]». Face a esta realidade, a Guiné-Bissau deve esforçar-se a todo custo para se livrar das constantes dependências externas (Foreign Policy/Edição FP, 01-2010: 72; Kosta, 2007: 221, 387-388, 459-489, 648; Lemos, 1999: 144-153; Lopes, 1982: 75; Maquiavel, 2007: 63-66; Mendes, 2010: 90; Silva, 2010: 195-202, 213-218; Sousa, 2012: 22-41, 49-55, 58-81, 103-104, 113).
A presença de tropas estrangeiras na Guiné-Bissau prejudica, por um lado, a já má situação económica e financeira em que o país se encontra, porque exige elevados custos para a sua manutenção; por outro lado, vem abrir uma ferida que será difícil de sarar no futuro relacionamento entre os militares e governantes guineenses, porque os militares guineenses podem achar que as suas competências foram postas em causa. Como Sociólogo-Politicólogo guineense, considero que uma das melhores hipóteses passa por encontrar uma solução interna, ou seja, para este caso, mais vale acreditar no slogan de que “para os problemas locais devem ser accionadas soluções locais e não continentais ou globais”. Ou seja, «em cada caso particular se procure enfrentar o perigo com os recursos disponíveis na altura» (Kosta, 2007: 648). Se não forem encontradas soluções internas, depois da retirada das tropas estrangeiras o país regressará aos seus anteriores convívios polémicos e será preciso mandar regressar as tropas estrangeiras para os proteger, criando um círculo vicioso contínuo (Huntington, 2009; Lopes, 2012; Maquiavel, 2007; Mendes, 2010; Sousa, 2012).
O que os governantes ou decisores políticos guineenses deveriam pensar é que a próxima vítima do efeito dominó em África poderá ser, por exemplo, o país cujas tropas se encontram na Guiné-Bissau para garantir a estabilidade político-militar. E o que será então da Guiné-Bissau?.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015).Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 177-178; 188-189). Lisboa: Chiado Editora.