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sábado, 6 de fevereiro de 2016

Caros leitores, como podemos encarar a excisão? Atendendo a tudo o que já foi escrito e estudado, é possível propor um plano-B?

Cerca de 200 milhões de crianças e mulheres foram vítimas de mutilações genitais no mundo, segundo um relatório divulgado nesta sexta-feira pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Em países como a Somália, Guiné e Djibuti, em África, até 98% das mulheres sofreram excisão, como é chamada a extirpação do clitóris. Um dado preocupante do relatório é que o índice de mutilações está a subir na Libéria, no Burkina Faso e no Quénia. O objectivo da entidade da ONU é acabar com esta prática até 2030. O tema foi incluído nos objectivos de desenvolvimento das Nações Unidas para os próximos 15 anos, adoptado por 193 países em Setembro de 2015 (RFI, 05-02-2016).

Este post tem por finalidade criar um debate acerca da mutilação genital feminina (excisão ou “fanado da mulher”), que é uma prática de alguns [sub]grupos étnicos de muçulmanos (por exemplo: Fulas e Mandingas) na Guiné-Bissau. Esta prática é feita ainda de forma tradicional, violando os princípios básicos de higiene, saúde e segurança e comprometendo a vida das mulheres que a ela são sujeitas (Mendes, 2010: 66). Hoje em dia, o consenso (plano-A) é que esta prática deve ser eliminada totalmente, devido aos seus efeitos nefastos.
Em relação a este fenómeno, muito se tem escrito e debatido. Hoje, escrevo para sugerir um plano-B, na pior das hipóteses, considerando que o Estado da Guiné-Bissau (e de outros países africanos onde existe esta prática) poderia criar um debate (através do modelo político de governação), abrindo a possibilidade de admitir a excisão de mulheres adultas (maiores dos 18 anos, com um nível de escolaridade elevada e com alguma independência económica e financeira compatível ao nível de vida do país), por sua própria decisão e vontade, criando condições de saúde e higiene adequadas para que esta prática ocorra com a maior segurança possível para a mulher. Posso considerar que, nestas circunstâncias (com a livre vontade da mulher e todas as condições de saúde), a excisão se assemelharia a outras práticas cirúrgicas realizadas por motivos pessoais, religiosos (por exemplo, a circuncisão) ou estéticos (por exemplo, tatuagens ou piercings) (Diário de Notícias, 30-08-2015; Notícias ao Minuto, 17-03-2015).
Esta sugestão de um plano-B enquadra-se na percepção de que, as tradições (nomeadamente o sistema de Poder tradicional) não podem ser aceites sem que se faça sobre elas um profundo trabalho de reflexão. As tradições distinguem-se das “outras” instituições modernas por descreverem uma uniformidade de «formas de comportamento, de objectivos, de valores ou de gostos das pessoas», fazendo a ponte entre as pessoas e as “outras” instituições modernas. De acordo com Popper, existem duas visões sobre a tradição: 1) uma visão anti-racionalista, segundo a qual a tradição não pode ser tratada por nenhuma teoria racional, pelo que devemos aceitá-la como algo dado; 2) uma visão crítica, que tenta compreender a tradição para poder aceitá-la ou rejeitá-la criticamente. As tradições têm uma função dupla: por um lado, criam uma certa ordem, ou uma estrutura social e, por outro lado, fornecem uma base a partir da qual podemos agir, «algo que podemos criticar e mudar». Caros leitores, nós devemos adoptar, tal como Popper, a segunda visão sobre a tradição. Reconhecemos que, mesmo quando defendemos que algumas tradições devem ser rejeitadas e substituídas, «deveríamos permanecer sempre conscientes do facto de que toda a crítica social e todo o melhoramento da sociedade têm de ter como referência um quadro de tradições sociais, entre as quais algumas são criticadas por oposição a outras». Assim, é possível substituir uma tradição intolerante, segregadora e elitista por outra tradição mais tolerante, liberal e democrática. O que não devemos nunca é aceitar a tradição como um dado adquirido, imutável e isento de críticas (Popper, 2006: 169-185).
Nós temos que respeitar as nossas raízes. Portanto, modernidade não significa esquecer…significa seguir em frente, lembrando tudo aquilo que se viveu. Qualquer política democrática no futuro da Guiné-Bissau vai ter de investir muito no papel da história, no papel da cultura, no papel da governação das pequenas comunidades

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 216, 253, 278-279). Lisboa: Chiado Editora.

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