Caros leitores, no post de hoje trago-vos uma análise da actuação de Miguel
Trovoada, representante das Nações
Unidas «NU» para a Guiné-Bissau, em Três
Dimensões «3D»: Factos; Conjecturas; e Refutações. Tenho sérias dúvidas que as figuras "independentes" encontradas por Miguel Trovoada e seus colaboradores sejam realmente independentes. Espero que estas iniciativas não sejam "pior emenda que o soneto" (ou seja, que a solução venha a piorar ainda mais o problema que já tínhamos em mãos).
Primeiro facto: Sob proposta de Miguel Trovoada, realizou-se
a 27 e 28 de Abril de 2016 um fórum de debate e
reflexão que incluiu «instituições de Estado, partidos políticos, sociedade
civil, forças religiosas e toda a gente
para falar das causas da
instabilidade e das grandes vantagens que adviriam para o país se de facto
contasse com uma plataforma que
garantisse a estabilidade». Na sequência deste encontro, as NU manifestaram
a necessidade de as lideranças da Guiné-Bissau, através de três personalidades independentes e de reconhecido mérito, prepararem
um pacto de estabilidade no prazo de um
mês, para ser assinado num acto
público por todas as instituições e elementos da sociedade civil que nele
se revejam. O encerramento
das jornadas serviu para Miguel Trovoada
se despedir dos guineenses, já que termina na sexta-feira a sua missão como
representante do secretário-geral das Nações Unidas na Guiné-Bissau (Rádio ONU, 15-04-2016; RTP África, 27/28-04-2016; Sapo Notícias, 28-04-2016).
Segundo facto: As NU inauguraram o quarto escritório regional na ilha
de Bubaque, para «promover o combate
ao crime transnacional no arquipélago dos Bijagós». O escritório vai
acolher pessoal do Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da
Paz na Guiné-Bissau «UNIOGBIS» e
outras agências das NU, dando condições técnicas para uma presença mais activa no arquipélago guineense (A Bola, 22-04-2016).
Terceiro facto: O Governo
da Guiné-Bissau e as NU assinam uma
parceria de 302 milhões de euros (343
milhões de dólares) de apoios ao país
até 2020. Uma fatia de 28% do
financiamento está garantida através do sistema das NU, enquanto 72% ainda tem de ser mobilizado (Sapo Notícias, 28-04-2016). Resta
saber quais são as condições para a mobilização
da maior parte do financiamento, porque, muitas vezes, acaba por nunca chegar ao destino.
Quarto facto: Miguel Trovoada recomendou ao Presidente da
República «PR» guineense, José Mário Vaz «Jomav»,
para que não seja árbitro e jogador
ao mesmo tempo, referindo que "ser presidente não é uma tarefa fácil. Como
chefe da Nação, o senhor tem o papel de
árbitro, o árbitro é aquele que está
equidistante em relação às equipas que estão a jogar, é aquele que é o
garante da aplicação das regras do jogo".
Miguel Trovoada despediu-se esta quinta-feira, 28 de Abril de 2016, do PR Jomav, após 20 meses
de missão na Guiné-Bissau (A Semana, 29-04-2016).
Bem analisados, estes
actos do representante das NU revelam uma preocupação que vai de braço dado com a filosofia política da ala pró-Domingos Simões
Pereira «DSP», como eu já tinha referido anteriormente. Mas por detrás da sua preocupação avista-se
uma grande suspeita, que me leva a
fazer algumas conjecturas.
Primeira conjectura: se eu olhar para o slogan que diz “é melhor
tarde que nunca”, questiono a razão pela
qual Miguel Trovoada não apresentou
uma proposta deste género durante esta longa
instabilidade política em que a Guiné-Bissau se encontra mergulhada. Esperava que Miguel Trovoada não convidasse para esse debate de ideias os mesmos protagonistas de sempre, mas
infelizmente acabou por convidá-los
na mesma. Segunda conjectura: se a
proposta de Miguel Trovoada for interpretada como “uma manobra dilatória” cuja intenção é de distrair/adiar a decisão do PR Jomav de derrubar o Governo (para
que a ala pró-DSP possa ganhar tempo), então isso poderá levar a ala pró-Jomav
a acelerar a queda do Governo de Carlos
Correia através da pressão dos 15 Deputados, PRS e alguns veteranos de
guerra sobre o PR Jomav. Parece, contudo, que DSP e Carlos Correia não estão a conseguir aproveitar bem esta oportunidade. Terceira conjectura: os gestos finais de Miguel Trovoada podem ser interpretados como manobras da sua realpolitik para conseguir renovar o seu contrato com as NU por mais um ou dois mandatos na
Guiné-Bissau. O anúncio do apoio
financeiro e material das NU à Guiné-Bissau nesta altura do campeonato constitui
uma forte evidência desta conjectura. Toda esta atitude de Miguel Trovoada só
poderia acontecer em África, em particular na Guiné-Bissau, onde o protagonismo de um representante como
este é equiparado ao Poder de um Chefe
de Estado, devido ao excesso de
dependência e à incompetência dos
governantes africanos/guineenses.
Primeira refutação: Miguel Trovoada não é pessoa indicada para dar à Guiné-Bissau e aos guineenses lições de moral. Porque quem quer fazer
este papel deve reunir os requisitos de
um governante exemplar (tal como fez o sul-africano Nelson Mandela). Isto
porque a proposta do representante das NU revela muitos paradoxos face ao cargo de PR que Miguel Trovoada já desempenhou
em S. Tomé e Príncipe. Sabendo que Miguel Trovoada fez dois mandatos como PR num país (de 1991 a 2001) onde nenhum Governo eleito cumpriu o seu mandato da forma prevista
na Constituição (tal como na Guiné-Bissau, onde nenhum dos 18 Governos eleitos cumpriu o seu mandato), porque razão Miguel Trovoada não optou por um fórum desta natureza no
seu país?
Segunda refutação: Não faz sentido nenhum que Miguel Trovoada
faça constantemente avisos apenas ao PR.
Será que os outros órgãos de Poder também não
precisam de ser aconselhados e avisados? O que justifica esta parcialidade por parte de uma figura
que deveria ser completamente imparcial?
Terceira refutação: Miguel Trovoada deve esclarecer se existiram
ou não insultos e humilhações entre ele
e os Primeiros-Ministros «PM» que governaram em S. Tomé e Príncipe durante os seus mandatos, tal
como agora está a decorrer entre o PR Jomav e o PM Carlos Correia (e também com o ex-PM DSP)? E qual seria a sua posição caso lhe acontecesse o mesmo que Jomav
está enfrentar? Porque durante o exercício das suas funções Miguel Trovoada, ao
contrário do que agora defende relativamente a Jomav, desempenhou o papel de árbitro, jogador, treinador, chefe de claque, e
até de massagista…
Para concluir, deixo um importante aviso: Miguel Trovoada parece ter conseguido “adormecer” as autoridades político-militares guineenses, aproveitando, com as
suas “ajudas”, para instalar mais
uma base nos Bijagós. As forças militares guineenses devem estar atentas à realização de manobras
militares conjuntas entre Cabo
Verde e os EUA, em
conjugação com a criação desta nova base (A Semana, 28-04-2016; Sapo Notícias, 15-04-2016). Estas manobras (tanto militares como
de Miguel Trovoada) à margem do território guineense serão com certeza do agrado
daqueles que defendem a transformação da Guiné-Bissau num protectorado das NU. É importante questionarmos: é a Guiné-Bissau que supervisiona as NU no
seu território ou são as NU que têm controlo do território guineense?
Para mais informações,
consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau. Lisboa: Chiado Editora.
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