Este post vai incidir sobre os
principais pontos do discurso de José
Mário Vaz «Jomav», que não me surpreendeu. Neste sentido,
procurarei articular as suas palavras com os temas que tenho vindo a discutir ao longo do tempo. A partir daqui,
tentarei sintetizar as principais
implicações deste discurso para o actual contexto guineense. No final,
comentarei a reacção do ex-Primeiro-Ministro
(ex-PM) Domingos Simões Pereira «DSP»
do 21 de Abril de 2016. As sínteses das intervenções de Jomav e de DSP encontram-se em dois ficheiros de áudio, no final desta publicação.
No dia 19 de Abril de 2016,
Jomav falou perante a Assembleia
Nacional Popular «ANP» e diversos convidados por si convocados para dirigir uma mensagem à Nação. Posso
sintetizar o seu discurso em 7 pontos principais: 1º. Procurou legitimar as razões que o levaram a convocar a ANP; 2º. Procurou legitimar o seu papel como Presidente
da República «PR»; 3º. Defendeu o diálogo
e a busca de consensos, rejeitando
por completo a possibilidade de dissolução
da ANP e a convocação de eleições
antecipadas; 4º. Fez uma caracterização da actual
crise do país; 5º. Apontou, de forma quase directa, para o PAIGC como causador desta crise; 6º. Enfatizou a
necessidade de cumprir as decisões
judiciais e de respeitar a Lei; 7º. Terminou com um ultimato – ou se chega a consenso ou ele tomará outras medidas.
Como eu já tinha escrito Jomav tem como objectivo evitar tudo o
que ex-PM DSP quer, ou seja, evitar novas eleições enquanto DSP for presidente do PAIGC. Porque,
no caso de se realizarem novas eleições, DSP será o candidato natural do PAIGC e sairá seguramente como vencedor para ser proposto como novo PM, e
Jomav terá a sua posição enfraquecida. Jomav, o PRS e os 15
Deputados retornados estão em consonância neste aspecto, pois sabiam que a
decisão favorável aos 15 Deputados levaria inevitavelmente a um recuo de DSP, tal como Jomav recuou face à nomeação inconstitucional de Baciro
Djá como PM (sendo obrigado a aceitar os condicionalismos de DSP e do
PAIGC na nomeação de Carlos Correia como PM). No seu discurso, Jomav fez
questão de mencionar este caso, deixando claro que as decisões dos tribunais devem ser acatadas categoricamente por todos.
Jomav deu a
entender que o Governo de Carlos Correia é um Governo de Gestão, sem programa nem orçamento aprovado apesar de
empossado há 180 dias. Este posicionamento vem legitimar a ideia de que os 15
Deputados e o PRS vão querer uma nova
votação do programa do
Governo, com a intenção de chumbá-lo (como aconteceu na primeira votação). Assim,
o Governo cairá e Jomav conseguirá encostar,
pouco a pouco, a ala pró-DSP à parede, de forma a legitimar a criação de um Governo de Iniciativa Presidencial «GIP», que sirva os seus propósitos, e fazendo
um compasso de espera política até ao afastamento total de DSP no congresso do PAIGC[1]. Sem a
realização de um congresso do PAIGC, a ala pró-Jomav dificilmente abrirá a
porta à realização de novas eleições, porque isso implicaria aceitar o regresso
de DSP ao Poder. No fundo, Jomav está a obrigar o
PM Carlos Correia e DSP a “engolir um sapo”, pelas suas recusas em participar nas reuniões convocadas
em conjunto com os 15 Deputados retornados, ou seja, é uma vingança pelas humilhações que sofreu. No seu discurso, Jomav
afirmou mesmo que «caso não haja disponibilidade política, séria e urgente por
parte do partido formalmente maioritário [PAIGC], para uma “solução abrangente”
poderemos ser forçados, dentro do
quadro parlamentar, a considerar outras
opções governativas [GIP] que assegurem a estabilidade até ao fim da
legislatura». Com as suas palavras, Jomav confirmou aquilo que eu já tinha anunciado:
que a última palavra é sua, competindo-lhe a ele (e não à ANP nem ao PM) a voz
todo-poderosa da Democracia.
Ao assumir
claramente que não equaciona a
realização de eleições antecipadas, Jomav está a “puxar” temporariamente Cipriano Cassamá,
os Deputados eleitos (tanto do PRS como do PAIGC) e o Supremo Tribunal de
Justiça «STJ», piscando-lhes o olho
e transformando-os em aliados. Ao
mesmo tempo, ao admitir a possibilidade de criar um GIP, está a “empurrar”
Carlos Correia e DSP para fora. Neste caso, Jomav está a utilizar aquilo que Joseph Nye considera de Poder Inteligente,
combinando o Poder Suave (soft
power), de “puxar”, com o Poder Duro
(hard power), de “empurrar” ou coagir. Nesta lógica, considero que Jomav está a
utilizar a técnica de Bismarck,
comparado a um malabarista hábil que
mantém diversas bolas no ar[2] (Nye,
2002: 26-29, 81).
Relativamente
ao facto de Jomav ter citado no seu discurso a Constituição da República Portuguesa «CRP» e de ter consultado juristas portugueses, caberá aos
guineenses pensarem na implementação de um modelo guineense de raiz. Porque a Constituição da República da Guiné-Bissau
«CRGB» é uma cópia da CRP. Desde a democratização de Portugal, algumas faculdades de Direito português, em geral, e alguns
dos seus professores de Direito Constitucional, em particular, têm aconselhado e acompanhado de perto (e até influenciado) as escolhas
institucionais dos países lusófonos
(Lobo & Neto, 2009: 15, 16, 21; Novais, 2007: 137-139). A este respeito,
Azevedo (2009: 142) diz-nos que «[…]
um dirigente partidário guineense (que pediu o anonimato) denunciou que a ambiguidade e a inadaptação da
Constituição [CRGB] às
características do país resultam de esta ter sido redigida por juristas
portugueses. Segundo este dirigente, a actual Constituição [CRGB] resulta
principalmente do trabalho de três importantes juristas portugueses convidados
pelas autoridades guineenses».
Em síntese, o que nos resta
perceber é de que lado ficará Cipriano
Cassamá. Neste xadrez político em vigor,
o PR, o PRS e os 15 Deputados são a chave da solução. Neste jogo, DSP está a
ser encurralado e a sofrer com a sua
ingenuidade, por não suspeitar de
Cipriano Cassamá e de Carlos Correia, o que pode ser fatal
para a sua sobrevivência política. Carlos Correia está habituado às quedas – esta será apenas a quarta (uma vez que
ele já foi Primeiro-Ministro três vezes). Posto isto, resta-me questionar: será
que DSP tem verdadeiros aliados no
PAIGC? Se Carlos Correia e DSP querem fazer parte da solução dentro do paradigma em vigor, têm de fazer
muitas cedências (por exemplo, a partilha de cargos relevantes – Ministros,
Secretários e até Vice-Primeiro-Ministro – com o PRS e com os 15 Deputados),
nomeadamente, pedir desculpas aos 15
Deputados, procurando reconciliar-se
com eles, com Jomav, com o PRS, e com os Veteranos de Guerra, como eu já tinha referido anteriormente.
Caso contrário, a ala pró-Jomav poderá facilmente descartá-los, utilizando os
seus planos de um Governo de Inclusão que DSP tinha proposto inicialmente e
Jomav tinha recusado. Mesmo estando contra a ideia de Inclusão, Jomav vai
aproveitá-la tal como Lula da Silva materializou o plano de Fernando Henrique
Cardoso no Brasil.
Durante
a escrita deste post, dei conta da reacção de DSP/PAIGC ao discurso de Jomav,
que dá a entender que não haverá qualquer
tipo de consenso nem cedências. Assim, a implicação mais provável será a queda do Governo de Carlos Correia (RTP
África, 21-04-2016), confirmando as minhas previsões. Deste modo, DSP reage precisamente como Jomav queria,
uma vez que o PR tem usado mais um ensinamento de Sun Tzu: «se o teu opositor
for de temperamento colérico [com os nervos à flor da pele], procura irritá-lo [ou provocá-lo].
Finge ser fraco [oculta as suas intenções] para que ele se possa tornar
arrogante!». Esta táctica consiste em “torturar”
o adversário de forma subtil, ou seja, «atacar o equilíbrio mental do inimigo» (Tzu,
2007: 69, 118).
Termino com três conselhos para aqueles que querem fazer política, de acordo com o modelo de governação em vigor, na Guiné-Bissau: 1. "em Roma, sê romano", "na Guiné-Bissau, sê guineense", ou seja, é fundamental tentar compreender a realidade e a linguagem que se coaduna com o nível de compreensão da população em geral; 2. ler e perceber muito bem Plutarco para saber duas coisas: a) «como tirar partido/proveito dos seus inimigos» (2009: 7-38) e b) «como distinguir um bajulador de um amigo»(2009: 41-132); 3. os governantes guineenses devem evitar de bloquear quadros intelectuais que não são da sua linha político-ideológica, em especial, os jovens formados.
Termino com três conselhos para aqueles que querem fazer política, de acordo com o modelo de governação em vigor, na Guiné-Bissau: 1. "em Roma, sê romano", "na Guiné-Bissau, sê guineense", ou seja, é fundamental tentar compreender a realidade e a linguagem que se coaduna com o nível de compreensão da população em geral; 2. ler e perceber muito bem Plutarco para saber duas coisas: a) «como tirar partido/proveito dos seus inimigos» (2009: 7-38) e b) «como distinguir um bajulador de um amigo»(2009: 41-132); 3. os governantes guineenses devem evitar de bloquear quadros intelectuais que não são da sua linha político-ideológica, em especial, os jovens formados.
Para mais
informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo
Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 73, 120).
Lisboa: Chiado Editora.
[1] O compasso de espera que Jomav deu para
a busca de consensos entre o que denominou de “maioria formal” pode ser enquadrado na técnica da Arte da Guerra de Sun Tzu (2007: 120, 127): «quando cercares um exército, deixa uma saída livre».
Isto não quer dizer que deixe o inimigo escapar. O objectivo é «fazê-lo crer
que existe um caminho para a segurança, assim evitando que ele lute com a
coragem do desespero», se quiseres «depois, podes esmagá-lo».
[2] A Flexibilidade dá ao sistema um
equilíbrio de Poder estável, porque permite a ocorrência de crises e conflitos
ocasionais sem que isso provocasse o desmoronamento do edifício inteiro. Se uma
bola cair, o malabarista pode continuar a manter as outras bolas no ar ou mesmo
baixar-se para apanhar a bola perdida. No entanto, a Complexidade, é uma das
fraquezas do sistema, porque tudo está dependente da habilidade e da
resistência do malabarista. Se Jomav não conseguir lidar com os diferentes
conflitos de interesse em jogo, isso poderá tornar-se fatal, provocando a “queda de todas as
bolas” (Nye, 2002: 81).
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