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sexta-feira, 22 de abril de 2016

Sobre as implicações do discurso de Jomav e a reacção de DSP

Este post vai incidir sobre os principais pontos do discurso de José Mário Vaz «Jomav», que não me surpreendeu. Neste sentido, procurarei articular as suas palavras com os temas que tenho vindo a discutir ao longo do tempo. A partir daqui, tentarei sintetizar as principais implicações deste discurso para o actual contexto guineense. No final, comentarei a reacção do ex-Primeiro-Ministro (ex-PM) Domingos Simões Pereira «DSP» do 21 de Abril de 2016. As sínteses das intervenções de Jomav e de DSP encontram-se em dois ficheiros de áudio, no final desta publicação.

No dia 19 de Abril de 2016, Jomav falou perante a Assembleia Nacional Popular «ANP» e diversos convidados por si convocados para dirigir uma mensagem à Nação. Posso sintetizar o seu discurso em 7 pontos principais: 1º. Procurou legitimar as razões que o levaram a convocar a ANP; 2º. Procurou legitimar o seu papel como Presidente da República «PR»; 3º. Defendeu o diálogo e a busca de consensos, rejeitando por completo a possibilidade de dissolução da ANP e a convocação de eleições antecipadas; 4º. Fez uma caracterização da actual crise do país; 5º. Apontou, de forma quase directa, para o PAIGC como causador desta crise; 6º. Enfatizou a necessidade de cumprir as decisões judiciais e de respeitar a Lei; 7º. Terminou com um ultimato – ou se chega a consenso ou ele tomará outras medidas.
Como eu já tinha escrito Jomav tem como objectivo evitar tudo o que ex-PM DSP quer, ou seja, evitar novas eleições enquanto DSP for presidente do PAIGC. Porque, no caso de se realizarem novas eleições, DSP será o candidato natural do PAIGC e sairá seguramente como vencedor para ser proposto como novo PM, e Jomav terá a sua posição enfraquecida. Jomav, o PRS e os 15 Deputados retornados estão em consonância neste aspecto, pois sabiam que a decisão favorável aos 15 Deputados levaria inevitavelmente a um recuo de DSP, tal como Jomav recuou face à nomeação inconstitucional de Baciro Djá como PM (sendo obrigado a aceitar os condicionalismos de DSP e do PAIGC na nomeação de Carlos Correia como PM). No seu discurso, Jomav fez questão de mencionar este caso, deixando claro que as decisões dos tribunais devem ser acatadas categoricamente por todos.
Jomav deu a entender que o Governo de Carlos Correia é um Governo de Gestão, sem programa nem orçamento aprovado apesar de empossado há 180 dias. Este posicionamento vem legitimar a ideia de que os 15 Deputados e o PRS vão querer uma nova votação do programa do Governo, com a intenção de chumbá-lo (como aconteceu na primeira votação). Assim, o Governo cairá e Jomav conseguirá encostar, pouco a pouco, a ala pró-DSP à parede, de forma a legitimar a criação de um Governo de Iniciativa Presidencial «GIP», que sirva os seus propósitos, e fazendo um compasso de espera política até ao afastamento total de DSP no congresso do PAIGC[1]. Sem a realização de um congresso do PAIGC, a ala pró-Jomav dificilmente abrirá a porta à realização de novas eleições, porque isso implicaria aceitar o regresso de DSP ao Poder. No fundo, Jomav está a obrigar o PM Carlos Correia e DSP a “engolir um sapo”, pelas suas recusas em participar nas reuniões convocadas em conjunto com os 15 Deputados retornados, ou seja, é uma vingança pelas humilhações que sofreu. No seu discurso, Jomav afirmou mesmo que «caso não haja disponibilidade política, séria e urgente por parte do partido formalmente maioritário [PAIGC], para uma “solução abrangente” poderemos ser forçados, dentro do quadro parlamentar, a considerar outras opções governativas [GIP] que assegurem a estabilidade até ao fim da legislatura». Com as suas palavras, Jomav confirmou aquilo que eu já tinha anunciado: que a última palavra é sua, competindo-lhe a ele (e não à ANP nem ao PM) a voz todo-poderosa da Democracia.
Ao assumir claramente que não equaciona a realização de eleições antecipadas, Jomav está a “puxar” temporariamente Cipriano Cassamá, os Deputados eleitos (tanto do PRS como do PAIGC) e o Supremo Tribunal de Justiça «STJ», piscando-lhes o olho e transformando-os em aliados. Ao mesmo tempo, ao admitir a possibilidade de criar um GIP, está a “empurrar” Carlos Correia e DSP para fora. Neste caso, Jomav está a utilizar aquilo que Joseph Nye considera de Poder Inteligente, combinando o Poder Suave (soft power), de “puxar”, com o Poder Duro (hard power), de “empurrar” ou coagir. Nesta lógica, considero que Jomav está a utilizar a técnica de Bismarck, comparado a um malabarista hábil que mantém diversas bolas no ar[2] (Nye, 2002: 26-29, 81).
Relativamente ao facto de Jomav ter citado no seu discurso a Constituição da República Portuguesa «CRP» e de ter consultado juristas portugueses, caberá aos guineenses pensarem na implementação de um modelo guineense de raiz. Porque a Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB» é uma cópia da CRP. Desde a democratização de Portugal, algumas faculdades de Direito português, em geral, e alguns dos seus professores de Direito Constitucional, em particular, têm aconselhado e acompanhado de perto  (e até influenciado) as escolhas institucionais dos países lusófonos  (Lobo & Neto, 2009: 15, 16, 21; Novais, 2007: 137-139). A este respeito, Azevedo (2009: 142) diz-nos que «[…] um dirigente partidário guineense (que pediu o anonimato) denunciou que a ambiguidade e a inadaptação da Constituição [CRGB] às características do país resultam de esta ter sido redigida por juristas portugueses. Segundo este dirigente, a actual Constituição [CRGB] resulta principalmente do trabalho de três importantes juristas portugueses convidados pelas autoridades guineenses».
Em síntese, o que nos resta perceber é de que lado ficará Cipriano Cassamá. Neste xadrez político em vigor, o PR, o PRS e os 15 Deputados são a chave da solução. Neste jogo, DSP está a ser encurralado e a sofrer com a sua ingenuidade, por não suspeitar de Cipriano Cassamá e de Carlos Correia, o que pode ser fatal para a sua sobrevivência política. Carlos Correia está habituado às quedas – esta será apenas a quarta (uma vez que ele já foi Primeiro-Ministro três vezes). Posto isto, resta-me questionar: será que DSP tem verdadeiros aliados no PAIGC? Se Carlos Correia e DSP querem fazer parte da solução dentro do paradigma em vigor, têm de fazer muitas cedências (por exemplo, a partilha de cargos relevantes – Ministros, Secretários e até Vice-Primeiro-Ministro – com o PRS e com os 15 Deputados), nomeadamente, pedir desculpas aos 15 Deputados, procurando reconciliar-se com eles, com Jomav, com o PRS, e com os Veteranos de Guerra, como eu já tinha referido anteriormente. Caso contrário, a ala pró-Jomav poderá facilmente descartá-los, utilizando os seus planos de um Governo de Inclusão que DSP tinha proposto inicialmente e Jomav tinha recusado. Mesmo estando contra a ideia de Inclusão, Jomav vai aproveitá-la tal como Lula da Silva materializou o plano de Fernando Henrique Cardoso no Brasil.
Durante a escrita deste post, dei conta da reacção de DSP/PAIGC ao discurso de Jomav, que dá a entender que não haverá qualquer tipo de consenso nem cedências. Assim, a implicação mais provável será a queda do Governo de Carlos Correia (RTP África, 21-04-2016), confirmando as minhas previsões. Deste modo, DSP reage precisamente como Jomav queria, uma vez que o PR tem usado mais um ensinamento de Sun Tzu: «se o teu opositor for de temperamento colérico [com os nervos à flor da pele], procura irritá-lo [ou provocá-lo]. Finge ser fraco [oculta as suas intenções] para que ele se possa tornar arrogante. Esta táctica consiste em “torturar” o adversário de forma subtil, ou seja, «atacar o equilíbrio mental do inimigo» (Tzu, 2007: 69, 118).
      Termino com três conselhos para aqueles que querem fazer política,  de acordo com o modelo de governação em vigor, na Guiné-Bissau: 1. "em Roma, sê romano", "na Guiné-Bissau, sê guineense", ou seja, é fundamental tentar compreender a realidade e a linguagem que se coaduna com o nível de compreensão da população em geral; 2. ler  e perceber muito bem Plutarco  para saber duas coisas: a) «como tirar partido/proveito dos seus inimigos» (2009: 7-38) e b) «como distinguir um bajulador de um amigo»(2009: 41-132); 3. os governantes guineenses devem evitar de bloquear quadros intelectuais que não são da sua linha político-ideológica, em especial, os jovens formados. 
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 73, 120). Lisboa: Chiado Editora.



[1] O compasso de espera que Jomav deu para a busca de consensos entre o que denominou de “maioria formal” pode ser enquadrado na técnica da Arte da Guerra de Sun Tzu (2007: 120, 127): «quando cercares um exército, deixa uma saída livre». Isto não quer dizer que deixe o inimigo escapar. O objectivo é «fazê-lo crer que existe um caminho para a segurança, assim evitando que ele lute com a coragem do desespero», se quiseres «depois, podes esmagá-lo».
[2] A Flexibilidade dá ao sistema um equilíbrio de Poder estável, porque permite a ocorrência de crises e conflitos ocasionais sem que isso provocasse o desmoronamento do edifício inteiro. Se uma bola cair, o malabarista pode continuar a manter as outras bolas no ar ou mesmo baixar-se para apanhar a bola perdida. No entanto, a Complexidade, é uma das fraquezas do sistema, porque tudo está dependente da habilidade e da resistência do malabarista. Se Jomav não conseguir lidar com os diferentes conflitos de interesse em jogo, isso poderá tornar-se fatal, provocando a “queda de todas as bolas” (Nye, 2002: 81).


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