O passado persegue
os políticos do PAIGC e da Guiné-Bissau: ao longo da sua história até
hoje têm enfrentado os mesmos problemas, e o seu desfecho é sempre desagradável. O PAIGC deve
escutar a voz de John Locke: “o Poder, além dividido, deve ser controlado”,
e se o Poder executivo não agir em conformidade com os fins para que é
constituído, isto é, se usurpar a liberdade, deve ser arrebatado das mãos que o
detêm (Fernandes, 2004: 32-33; Locke, 2006: 329-331).
Os conflitos políticos na Guiné-Bissau levam-me acreditar que
realmente a guerra e a política são faces da mesma moeda. Ou
seja, se os guineenses entendem a guerra
como a continuação da política por outros
meios, então devem perceber também que a política é a continuação de guerra com outros meios (Arendt, 2007: 125; Foucault, 2002: 283; Kosta, 2007:
646; Lara, 2000: 22; Mendes, 2010: 33). A este respeito realço dois pontos essenciais que muitas vezes podem estar nas
origens de muitos conflitos.
Quanto ao primeiro ponto, devo referir a tentativa de implementar qualquer reforma/modernização.
Aqui, nós guineenses devemos compreender que não há nada mais difícil de planear, de êxito mais incerto e mais
perigoso de gerir, que empreender a
criação de novas instituições; porque aquele que o faz terá por inimigos
todos aqueles que estavam bem com a velha ordem e por fracos defensores todos aqueles que beneficiarão com a nova
ordem. Essa fraqueza resulta em
parte do medo dos adversários, que têm as leis do seu lado, e em parte da incredulidade dos homens, que, na verdade,
não acreditam nas coisas novas enquanto não tiverem sido
sujeitas à prova da experiência. De
onde resulta que sempre que os do campo
inimigo têm uma oportunidade de
atacar, fazem-no com fervor
partidário, enquanto os outros
se defendem parcamente. De maneira
que, junto deles, o líder/governante corre perigo (Maquiavel,
2007: 35).
Quanto ao segundo ponto, tem a ver tanto com os apoios dos veteranos do
PAIGC, como com as alianças
parlamentares. Segundo Maquiavel,
muitas vezes, as causas reais da
guerra e do estabelecimento de alianças são ocultadas. O caso da crise política na Guiné-Bissau enquadra-se na
leitura de que «num confronto entre
as duas partes, é preciso saber posicionar, na melhor das
hipóteses, do lado do nosso amigo e não do inimigo. Isto é, quando se
declara abertamente a favor de alguém contra o outro. Esse partido é sempre mais útil que permanecer neutral. Ou seja, se dois vizinhos teus, poderosos,
começam a esmurrar-se, ou são de
qualidade que, vencendo um deles,
devas temer o vencedor ou não. Em
qualquer destes casos, ser-te-á
sempre mais útil tomares partido e bateres-te bem. Porque no primeiro caso, se não te declarares, serás sempre presa do vencedor, com prazer e satisfação daquele que foi
vencido, e não terás razão nem coisa alguma que te defenda nem que te dê refúgio. Porque quem
vence não quer amigos suspeitos
e que não o ajudem na adversidade; quem perde não te dá abrigo, por não teres querido, de armas
na mão, partilhar a sua fortuna»
(Maquiavel, 2007: 95-96).
Como Sociólogo-Politicólogo guineense/africano, subscrevo quem defende que na política
a força daquele que foi derrubado
reverte a favor daquele que ficou em
vantagem, sempre acompanhada de uma maior
reputação. Mas, atacar por inveja um homem honesto que chegou ao primeiro
nível graças à sua moralidade, não é favorável à reputação nem útil seja a
quem for: quando a multidão ofendeu um homem honesto, se vier a
arrepender-se, como acontece rapidamente após o golpe de raiva, toma a
justificação mais fácil pela mais legítima, eliminando assim aquele que a
incitou e lhe deu o sinal. Com base nesta ordem de ideias, aconselho os guineenses a usarem a estratégia que Sólon usou para
ter um melhor ponto de partida quando os políticos
gregos estavam em conflito e divididos em três partes: não se misturou com nenhuma das três partes mas
permaneceu comum a todas, falando e agindo em tudo para a concordância, sendo
eleito legislador em vista de as reconciliar – e é assim que estabeleceu um
Poder sólido. Uma entrada em política
particularmente brilhante tem, portanto, este género de início (Plutarco,
2009: 28-31).
No entanto, àquele que por sede insaciável de glória
e Poder se encarrega de todos os assuntos da governação e se intromete
nos domínios para os quais não se constitui nem preparou, não tem desculpa para os seus erros (Plutarco, 2009: 46-49). Portanto, acredito
que «uma sociedade de pura integração e sem conflitos não existe, e uma sociedade em contínuo, radical e irrecuperável é impossível»;
e que a Guiné-Bissau alcançará a estabilidade política (Neves, 1978: 127 citado por Kosta, 2007:
648).
Magnifico texto que me fez pensar:estará o bom povo da nossa Guiné já com cultura suficiente para o entender?
ResponderEliminarSeria óptimo que isso sucedesse.
Caro António Leite de Magalhães, muito obrigado pelo seu comentário. Em relação à sua questão pertinente, para ser sincero consigo, acho que o povo guineense não está ainda suficientemente preparado para compreender algumas das minhas mensagens, tanto aqui no blogue como no meu livro. Contudo, as mudanças devem desenrolar-se aos poucos, através do debate e da discussão construtiva de ideias. Se o Estado guineense começar a investir fortemente na formação das pessoas (e eu espero que isso venha a acontecer), essa mudança irá ocorrer paulatinamente. Tento inspirar-me nos melhores modelos (tanto ocidentais como africanos), procurando adaptar o que têm de bom para a realidade guineense. O seu comentário prova que, pelo menos algumas vezes, consigo passar a mensagem, e isso já me deixa bastante satisfeito. Temos de continuar a trabalhar em conjunto neste esforço para esclarecer a sociedade guineense. Espero que continue a comentar
ResponderEliminarCaro compatriota, sou um guianense, amante da paz e da liberdade, contrário esta última de libertinagem. Gosto de ler, de partilhar e de auto-difractar-me, buscando assim, aliás, tentando assim descobrir o porquê de nós, os guineenses, perdermos a coragem de buscar algo que nos perdeu da nossa indentididade. Desde logo, sugiro que alguns como o senhor, organizem debates em liceus e escolas superuores no país, a fim de inculcarem aos mais jovens as vossas ideias, os vossos conhecimentos, quiçá alguns aproveitem e isto mude o comportamento de que "todos somos iguais e portanto não há solução para o que nos acontece". Parabéns e até breve. Você me inspirou em algo muito importante.
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