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sexta-feira, 10 de junho de 2016

Sobre o apuramento dos djurtus e os perigos das ajudas internacionais

Prezados leitores, no post de hoje debruço-me apenas sobre dois temas: o apuramento da selecção nacional guineense «djurtus» para o Campeonato Africano das Nações «CAN», em relação com a importância de investir no desporto (primeira parte); e uma reflexão sobre as ajudas internacionais, a partir do donativo recebido recentemente dos EUA para as cantinas escolares.

Primeira parte. A selecção nacional da Guiné-Bissau conseguiu, pela primeira vez na sua história, desde a independência, o apuramento para o CAN. Trata-se de uma grande vitória, que deve ser fortemente elogiada (O Jogo, 05-06-2016).
A propósito disto, retomo algumas ideias sobre a importância do desporto. Do meu ponto de vista, é importante investir fortemente no desenvolvimento do desporto, em paralelo com as outras áreas. O desporto é um instrumento de coesão social e a concorrência para a liderança dos clubes pode reduzir o grande conflito para alcançar cargos políticos. Olhamos para o Ocidente, onde esta área constitui fonte de afirmação (Poder, dinheiro, reconhecimento, etc.), e verificamos que há pessoas que preferem ser presidentes de um clube de futebol ou um grande futebolista/desportista do que ser membros do governo. A mesma lógica se aplica a outras áreas, como, por exemplo, ser empresário, autarca, agricultor, artista, e, na melhor das hipóteses, ir para a Universidade. Há quem prefira ser académico ou universitário, ser reitor, investigador, conselheiro, assessor, gozar de sabedoria, respeito, Poder, do que ter uma tarefa política ou desportiva etc. No fundo, devemos valorizar os méritos de cada um, com base na diversificação das escolhas disponíveis (Mendes, 2010: 95).
Segunda parte. Chegaram ao porto de Bissau 4 mil toneladas de arroz para a alimentação escolar doados pelo Ministério da Agricultura dos EUA através do Programa Mundial de Alimentos «PAM». Este donativo permitirá assegurar refeições quentes para 173 mil crianças em mil escolas do país, pretendendo-se também o incentivo às famílias para que as meninas da 4ª à 6ª classe frequentem mais de 80% das aulas, lutando assim contra o abandono escolar. Dentro de alguns dias chegarão ao país novos produtos entre os quais óleo vegetal, feijão e sardinhas, com o mesmo fim (RadioSolMansi, 03-06-2016).
Sem querer desvalorizar o contributo destes donativos para o bem-estar das crianças e das famílias, importa analisar esta questão também numa outra perspectiva (até porque este papel deveria ser desempenhado pelas autoridades guineenses e não pelos EUA). Num relatório secreto da CIA, de Agosto de 1974, a cientista americana Susan George, revelou que no futuro haveria falta de alimentos e que isso poderia vir a dar aos EUA um Poder inimaginável. O mesmo havia já sido referido alguns anos antes pelo senador americano Hubert Humphrey que, discursando sobre a importância da ajuda alimentar, dizia «e se pretendermos que eles cooperem efectivamente connosco parece-me que a dependência alimentar será uma arma formidável» (Santos, 2003: 29-34) – não há frase mais clara que esta declaração do senador americano. Bem analisados o relatório e o discurso, encontramos provas de que há armadilhas por toda África e para todos os africanos. São provas claras que nos levam a perceber como é que líderes [governantes ou intelectuais] africanos são manipulados, corrompidos, denunciados, descartados, prejudicam o povo e acabam por perder os seus bens que posteriormente são reconvertidos como empréstimos para África. Estas são boas razões para a mudança de mentalidades, do discurso e dos procedimentos (Kosta, 2007: 467, 654; Mendes, 2010: 77-78). Para colmatar estes défices é urgente reduzir as ajudas externas e ter menos intervenientes no processo de distribuição destas ajudas com maior controlo do destino dos apoios concedidos.
Algumas ajudas acabam muitas vezes por revelar-se muito prejudiciais, se forem avaliadas a longo prazo, porque têm implicações que só se revelam posteriormente: uma ajuda nunca é só uma ajuda, implica a retribuição daquele que é ajudado, seja de forma directa ou indirecta. Por estas razões os dois fenómenos – ajudas internacionais e investimentos estrangeiros – devem ser repensados num quadro de capital social como “investimentos nas relações entre os Estados com proveitos esperados no mercado” (Lin, 2001: 19 citado por Portugal, 2007: 15).
Seguindo a mesma linha de raciocínio da minha obra, defendo que se a Guiné-Bissau quer escapar dos efeitos negativos das ajudas internacionais e investimentos estrangeiros, a sua política de cooperação para o desenvolvimento do país deve deixar de centrar-se só no envio de dinheiro, géneros e técnicos [ou tecnologias], que actuam de forma pontual, que acabam por desaparecer e não oferecem assistência nem manutenção. O objectivo desta cooperação deve passar a ser, pelo contrário, a formação de técnicos locais na agricultura e indústria; o incentivo ao desenvolvimento de universidades e pontos de investigação na Guiné-Bissau, para que os guineenses possam criar as suas próprias tecnologias, e formar os seus próprios técnicos. Nas palavras de Confúcio: “é mais importante ensinar a pescar do que oferecer o peixe” (551 a.C. – 479 a.C.). E isto tem também o seu enquadramento nas palavras de James Shikwati: “quando damos a esmola a um mendigo e voltamos a vê-lo na rua no dia seguinte, não podemos dizer que o ajudámos. Ele continua a mendigar […]. Precisamos de tirar o mendigo da rua […]. Temos de descobrir as potencialidades desse mendigo […], pois, isso sim estaremos a melhorar a sua vida”. O que implica que a Guiné-Bissau necessita é de uma chance para ser capaz de administrar e canalizar a sua própria riqueza. Mas isto não significa que a Guiné-Bissau deve deixar de cooperar com outros Estados, bem pelo contrário, deve cooperar, mas de forma inteligente (Mendes, 2010: 93; Schelp, 10-08-2005).

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 191-192, 199-201, 464). Lisboa: Chiado Editora.

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