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sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Entre a Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe: histórias de condecorações, ingerências e as lições da Cobra da Montanha

Prezados leitores, este é o meu penúltimo post antes do meu regresso à Guiné-Bissau – a partir daí, este vosso blog estará parado durante algum tempo…Este post divide-se em três partes: na primeira parte, faço uma análise da condecoração do Presidente da República «PR» José Mário Vaz «Jomav» pela Associação Portuguesa de Autarcas Monárquicos «APAM»; na segunda parte, recordo as últimas viagens de Baciro Djá e também as suas palavras sobre a ingerência nos assuntos internos da Guiné-Bissau; na terceira parte, volto a colocar o PR são-tomense, Pinto da Costa, na “churrasqueira” para comentar a sua desistência da segunda volta das eleições presidenciais. Esta terceira parte deve ser lida em articulação com o post anterior, no qual fiz uma análise global das eleições em São Tomé e Príncipe. Boa leitura!
Primeira parte. A Associação Portuguesa de Autarcas Monárquicos «APAM» homenageou o PR Jomav com uma medalha de honra, naquela que é a mais alta distinção da organização, disse o seu presidente, Manuel Beninguer. Uma delegação da APAM esteve em Bissau, acompanhada de empresários que pretendem investir na Guiné-Bissau e que foram recebidos por Jomav, aproveitando o encontro para homenagear o Chefe de Estado guineense. Manuel Beninguer declarou que “a Guiné-Bissau merece-nos todo o respeito. Um país fantástico, acolhedor e que nos abraçou desde que aqui chegámos, que tem abraçado não só a comunidade portuguesa, mas toda a comunidade lusófona”. O presidente da APAM enfatizou que a distinção ao Chefe de Estado guineense é a demonstração de afecto entre os povos de Portugal e da Guiné-Bissau (ANG, 28-07-2016; RTP África, 28-07-2016).
Esta condecoração levanta muitas dúvidas sobre as ligações entre Jomav e os monárquicos portugueses. À partida, sou favorável à cooperação com qualquer país, especialmente Portugal, mas alguns contornos deste acontecimento merecem ser questionados. Sendo Portugal uma República[1], tal como a Guiné-Bissau, as organizações monárquicas carecem de legitimidade no Aparelho do Poder do Estado, pelo que é difícil compreender quem é que eles representam e porque é que estão a condecorar o PR da Guiné-Bissau. Se não têm Poder efectivo, podemos supor que têm outros poderes ocultos – Poder económico/financeiro, ligações à Maçonaria e outras organizações do mesmo tipo, etc. Daquilo que me foi dado a perceber, a APAM não ofereceu esta homenagem a outros PR, nomeadamente dos PALOP, por isso, porque escolheram Jomav? Será que no seu tempo de estudante em Portugal Jomav teve ligações com grupos monárquicos? Recebeu ou deu algum financiamento?
As condecorações raramente são feitas de forma inocente, servindo, muitas vezes, para retribuir “favores” ou “ajudasencapotadas/mascaradas. Por exemplo, Obama recebeu o Prémio Nobel da Paz (uma das mais altas condecorações mundiais) em 2009, apesar de ter defendido claramente a guerra “justa” (Jornal de Notícias, 10-12-2009). Obama, mesmo sendo afro-americano, persiste na ideia de um Ocidente “modelo”, detentor da Educação, da Liberdade e todos os valores Democráticos, esquecendo que a civilização nasceu em África, e que o Ocidente (e particularmente os EUA), contribuíram e contribuem para a fragmentação e destruição do continente africano, por razões muito mais obscuras do que as que apresentam publicamente (petróleo, venda de armas, eliminação de opositores, etc.).
Um outro exemplo é o de Domingos Simões Pereira «DSP», ex-Secretário Executivo da CPLP, que foi condecorado em 2012 pelo ex-PR de Portugal, Cavaco Silva, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (Observatório da Língua Portuguesa, 21-09-2016). Vimos que DSP fez o esforço de levar diversos membros do Governo português, entre os quais o ex-PM e a ex-presidente da Assembleia da República, sem contar com a ida do ex-PM de Cabo Verde.
Retomando a questão de Jomav, importa recordar que há cerca de um ano (26-06-2015 a 03-07-2015), D. Duarte Pio, que reclama o seu direito ao trono português, esteve na Guiné-Bissau (Real Associação da Beira Litoral, 03-07-2015). O mesmo D. Duarte Pio defendeu em 2010 que o regresso de Portugal à Monarquia teria grandes vantagens, argumentando que um Rei em Portugal é cinco vezes mais barato que um Presidente da República (Diário as Beiras, 17-04-2010: 2; Mendes, 2010: 23-25). Se os monárquicos defendem que um Rei é melhor e mais barato que um PR, para quê condecorar Jomav? Sendo Jomav de Calequisse, próximo de Baceâral, será que pretende restaurar o antigo império/reino?
Segunda parte. O PM Baciro Djá, anunciou ter ratificado "vários acordos de cooperação" com a Guiné Equatorial, país onde efectuou uma visita de trabalho de uma semana, permitindo a efectivação da cooperação nos domínios económico, científico, cultural, desportivo e técnico. Da Guiné Equatorial, Baciro Djá viajou para a Nigéria, onde também assinou acordos de cooperação e disse ter obtido promessas de apoio para o Orçamento Geral do Estado (Sapo Notícias, 29-07-2016).
Na passada terça-feira, o PM Baciro Djá, exortou a comunidade internacional a não interferir nos assuntos internos do país, ainda que possa ajudar no processo de estabilização. Estas declarações foram proferidas por ocasião da abertura de um curso de línguas para os soldados em que se encontravam vários oficiais/generais, entre os quais o chefe das forças armadas guineenses, o general Biaguê Nan Tan (O Democrata, 02-08-2016; RTP África, 02-08-2016).
A aproximação à Guiné Equatorial não é um problema em si – é um país membro da CPLP, por isso o PM Baciro Djá fez bem por reforçar essa cooperação. No entanto, é preciso ter cuidado, porque o regime de Teodoro Obiang é alvo de muitas acusações, desde a violação dos direitos humanos à não existência de uma Democracia. Se Baciro Djá defende a não ingerência de forma tão convicta, deve ter cuidado com as relações que estabelece com alguns países que não são bem vistos, porque, se o orçamento do Estado e outras ajudas recebidas pela Guiné-Bissau dependem da comunidade internacional, é porque a Guiné-Bissau não está livre das ingerências. Prova disso são as próprias movimentações de Baciro Djá na busca de apoio, que mostram que a Guiné-Bissau não é auto-suficiente. Além disso, não se pode recusar a ingerência dos que são críticos ao seu Governo e aceitar a ingerência daqueles que apoiam o seu Governo – foi o próprio PM que afirmou que o seu Governo estava aberto às críticas e não iria perseguir ninguém por causa disso (RTP África, 24-06-2016).
A exaltação de Baciro Djá contra a comunidade internacional revela que está a ser mal aconselhado, ou que o Poder está a subir-lhe à cabeça. Se quiser continuar a governar, terá de moderar o seu discurso, abraçando as suas afirmações anteriores, de que o seu Governo é pragmático, fala pouco e faz muito (RTP África, 24-06-2016). Além disso, o facto de Baciro Djá dizer que não cabe à comunidade internacional indicar o nome do PM que deve governar na Guiné-Bissau, mostra o seu ponto fraco: o ciúme e a insegurança relativamente à popularidade de DSP. Se DSP explorar muito bem este ponto, Baciro Djá poderá cair antes do esperado. Tal como eu disse anteriormente, Baciro Djá (como muitos outros governantes guineenses) dificilmente será aceite e muito menos respeitado pela forma como ascendeu ao Poder e como está a exercê-lo. Se tivermos em conta a frase de Frantz Fanon – «muitas vezes, o inimigo do negro/africano não é o branco/europeu, mas o seu congénere» negro/africano, percebemos que, às vezes, o problema não está na comunidade internacional, mas em nós mesmos, guineenses (Fanon, 1980: 21). Enquanto não conseguirmos construir o mínimo de respeito entre nós, dificilmente seremos respeitados pelos outros.
As afirmações do Secretário-Geral da União Nacional dos Trabalhadores da Guiné, Estevão Gomes Có, por ocasião da cerimónia comemorativa dos 57 anos do Massacre de Pindjiquiti, confirmam esta ideia. Estevão Gomes Có informou que é urgente e necessário que o Estado ofereça melhores condições aos trabalhadores e explicou que o baixo nível salarial torna impossível a sobrevivência digna dos trabalhadores com o salário mínimo (O Democrata, 04-08-2016; RTP África, 03-08-2016).
Terceira parte. O PR cessante Manuel Pinto da Costa formalizou a sua desistência da segunda volta das presidenciais, depois de ter anunciado no passado dia 25 de Julho que não tencionava participar na segunda volta. O pedido está a ser analisado de acordo com a lei eleitoral em vigor no país. Enquanto isso, o candidato Evaristo Carvalho, apoiado pelo partido ADI no Poder, prossegue a sua campanha na caça a votos para o escrutínio do próximo domingo, 7 de Agosto (RFI, 02-08-2016; RTP África, 26-07-2016; 02-08-2016; 04-08-2016).
Esta oficialização da desistência de Pinto da Costa ensina-nos quatro lições negativas sobre a segunda volta. Em primeiro lugar, Pinto da Costa fica mesmo colado à imagem de “Kumba Yalá são-tomense”, pelo facto de ter dito que não participaria na segunda volta como candidato presidencial e muito menos como PR, tal como Kumba Yalá (in memoriam) afirmou que não participaria numa segunda e muito menos numa terceira volta (Novas da Guiné-Bissau, 23-03-2016; RTP, 27-07-2016).
Em segundo lugar, a insistência de Pinto da Costa em candidatar-se nesta eleição presidencial contra a escolha do seu partido, o MLSTP, que deu o seu total apoio a Maria das Neves, leva-me a compará-lo com a teimosia de Mário Soares, quando insistiu em candidatar-se contra Cavaco Silva em 2005, tendo o PS ficado dividido entre Mário Soares e Manuel Alegre (Diário de Notícias, 30-08-2005). Neste exemplo português, teria sido mais benéfico para Mário Soares se desse preferência a Manuel Alegre, tal como, analogamente, teria sido mais benéfico se Pinto da Costa tivesse deixado Maria das Neves concorrer sozinha. O egoísmo não ajuda ninguém a manter o protagonismo e nestas situações as perdas acabam por ser maiores que os ganhos. No meu Modelo Político de Governação subscrevi algumas das vantagens do Modelo Político Americano, no qual devem existir dois partidos políticos responsáveis pelas eleições primárias dos candidatos. Depois, esses dois partidos – Republicano e Democrata – são responsáveis pelo embate final dos dois candidatos que concorrem às eleições presidenciais. Este tipo de modelo eliminaria muitos dos aspectos negativos que ocorrem no actual sistema eleitoral (Fernandes, 2010: 226).
Em terceiro lugar, a estratégia de anunciar os resultados eleitorais da primeira volta com uma elevada diferença entre os dois primeiros candidatos mais votados está a transformar-se paulatinamente numa «cláusula-travão» ou numa cultura democrática, cujo objectivo central consiste em fazer desistir ou piorar o ânimo do segundo candidato para a segunda volta, tal como ocorreu com Kumba Yalá na Guiné-Bissau e também com o Pinto da Costa em São Tomé e Príncipe.
Em quarto lugar, fica patente que “o velho” Pinto da Costa caiu na armadilha montada pelos “garotos” - PM e presidente do partido ADI, Patrice Trovoada, pelo presidente da Comissão Eleitoral Nacional «CEN», Alberto Pereira, e pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça «STJ», José Bandeira. Estas entidades conhecem o ponto fraco de Pinto da Costa e resolveram utilizar as técnicas de Sun Tzu contra ele:
1.ª técnica – «se o teu opositor for de temperamento colérico [com os nervos à flor da pele], procura irritá-lo [ou provocá-lo]. Finge ser fraco [oculta as tuas intenções] para que ele se possa tornar arrogante!». Esta táctica consiste em “torturar” o adversário de forma subtil, ou seja, «atacar o equilíbrio mental do inimigo» (Tzu, 2007: 69, 118).  Neste caso, Patrice Trovoada, Alberto Pereira e José Bandeira conhecem o temperamento de Pinto da Costa e souberam utilizá-lo contra ele, fazendo-o perder o controlo. O anúncio antecipado dos resultados foi propositado, levando Pinto da Costa a reagir exactamente como previam e acabando mesmo por desistir.
2.ª técnica - «quando cercares um exército, deixa uma saída livre». Isto não quer dizer que deixes o inimigo escapar, ou seja, «não pressiones demasiado um inimigo desesperado», pois «quando encurralados, os animais usam as suas garras e dentes para lutar até a morte». O objectivo é «fazê-lo crer que existe um caminho para a segurança, assim evitando que ele lute com a coragem do desespero». Se quiseres «depois, podes esmagá-lo» (Sun Tzu, 2007: 120). Depois de encurralar Pinto da Costa, os seus opositores deram-lhe uma saída, ao afirmar que a sua desistência ainda não tinha sido formalizada, pelo que contavam ainda com ele como candidato à segunda volta. Ao formalizar a sua desistência, Pinto da Costa pensou que escapou, mas poderá ainda ser esmagado pela aliança PM-CEN-STJ.
3.ª técnica – as três entidades em coerência PM-CEN-STJ conjugaram-se para formar a Cobra da Montanha de Sun Tzu. Esta filosofia teórico-prática repousa no seguinte: «O táctico hábil pode ser comparado à shuai-jan. A shuai-jan é uma cobra que vive nas montanhas Ch’ang. Se atacares a sua cabeça [PM], serás atacado pela cauda [STJ]; se atacares a sua cauda [STJ], serás atacado pela cabeça [PM]; se atacares no meio [CEN], serás atacado pela cabeça [PM] e pela cauda [STJ]» A entreajuda entre PM, CEN e STJ é fundamental – se forem tenazes, tiverem sentido de missão e acima de tudo, um espírito de cooperação amigável, aplicarão as lições da shuai-jan e terão maior possibilidade de alcançar o êxito, como já se pode verificar (Tzu, 2007: 171-172). Agora resta saber se o “velho” Pinto da Costa tem algum truque escondido na manga para tramar os “garotos” políticos são-tomenses.
Prezados leitores, aproveitem de ler e tirem as vossas conclusões…Conto sempre com os vossos comentários e sugestões, porque são as críticas construtivas que realmente importam e ajudam a avançar.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (242, 412-413, 469, 487-488). Lisboa: Chiado Editora.


[1] No entanto, na eleição do PR, a raiz da tradição africana/europeia ainda permanece: a Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB», define como critério de elegibilidade para o lugar de Presidente da República «PR» o facto de se ter quatro avós guineenses (CRGB, 1996, artigo 63º; Kosta, 2007: 221, 712-718; Silva, 2010: 9, 221). A CRGB é uma cópia da Constituição da República Portuguesa «CRP» (2003: 55 art.-122º), que também importou este princípio da monarquia portuguesa. Sendo assim, não tem razão quem fundamenta que, na realidade, a tradição não tem um papel activo no Estado pós-colonial guineense (ou na República portuguesa), porque a tradição enquadrou-se na democracia ao mais alto nível da hierarquia do Poder (Kosta, 2004: 62-79).

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