Prezados
leitores, este é o meu penúltimo
post antes do meu regresso à Guiné-Bissau – a partir daí, este vosso blog
estará parado durante algum
tempo…Este post divide-se em três partes:
na primeira parte, faço uma análise
da condecoração do Presidente da
República «PR» José Mário Vaz
«Jomav» pela Associação Portuguesa de Autarcas Monárquicos «APAM»; na segunda parte, recordo as últimas
viagens de Baciro Djá e também as
suas palavras sobre a ingerência nos
assuntos internos da Guiné-Bissau; na terceira parte, volto a colocar o PR
são-tomense, Pinto da Costa, na “churrasqueira” para comentar a sua
desistência da segunda volta das eleições presidenciais. Esta terceira parte
deve ser lida em articulação com o post anterior, no
qual fiz uma análise global das eleições em São Tomé e Príncipe. Boa leitura!
Primeira
parte. A Associação Portuguesa de Autarcas Monárquicos «APAM»
homenageou o PR Jomav com uma medalha de
honra, naquela que é a mais alta
distinção da organização, disse o seu presidente, Manuel Beninguer. Uma
delegação da APAM esteve em Bissau, acompanhada de empresários que pretendem
investir na Guiné-Bissau e que foram recebidos
por Jomav, aproveitando o encontro para homenagear o Chefe de Estado
guineense. Manuel Beninguer declarou que “a Guiné-Bissau merece-nos todo o
respeito. Um país fantástico, acolhedor e que nos abraçou desde que
aqui chegámos, que tem abraçado não só a comunidade portuguesa, mas toda a
comunidade lusófona”. O presidente da APAM enfatizou que a distinção ao Chefe
de Estado guineense é a demonstração de
afecto entre os povos de Portugal e da Guiné-Bissau (ANG, 28-07-2016; RTP África, 28-07-2016).
Esta condecoração levanta muitas dúvidas sobre as ligações entre
Jomav e os monárquicos portugueses. À
partida, sou favorável à cooperação com qualquer país,
especialmente Portugal, mas alguns
contornos deste acontecimento merecem ser questionados. Sendo Portugal uma República[1], tal como a Guiné-Bissau,
as organizações monárquicas carecem de
legitimidade no Aparelho do Poder do Estado, pelo que é difícil compreender
quem é que eles representam e porque
é que estão a condecorar o PR da
Guiné-Bissau. Se não têm Poder efectivo, podemos supor que têm outros poderes ocultos – Poder económico/financeiro, ligações à Maçonaria e outras organizações do
mesmo tipo, etc. Daquilo que me foi dado a perceber, a APAM não ofereceu esta
homenagem a outros PR, nomeadamente dos
PALOP, por isso, porque escolheram Jomav?
Será que no seu tempo de estudante em Portugal Jomav teve ligações com grupos monárquicos? Recebeu ou deu algum financiamento?
As condecorações raramente são
feitas de forma inocente, servindo,
muitas vezes, para retribuir “favores”
ou “ajudas” encapotadas/mascaradas. Por exemplo, Obama recebeu o Prémio Nobel
da Paz (uma das mais altas condecorações mundiais) em 2009, apesar de ter defendido claramente a guerra “justa”
(Jornal de Notícias, 10-12-2009). Obama,
mesmo sendo afro-americano, persiste
na ideia de um Ocidente “modelo”,
detentor da Educação, da Liberdade e todos os valores Democráticos, esquecendo
que a civilização nasceu em África,
e que o Ocidente (e particularmente os EUA), contribuíram e contribuem para a fragmentação e destruição do continente
africano, por razões muito mais obscuras do que as que apresentam
publicamente (petróleo, venda de armas, eliminação de opositores, etc.).
Um outro exemplo é o de Domingos Simões Pereira «DSP»,
ex-Secretário Executivo da CPLP, que foi condecorado
em 2012 pelo ex-PR de Portugal, Cavaco
Silva, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (Observatório da Língua Portuguesa, 21-09-2016).
Vimos que DSP fez o esforço de levar
diversos membros do Governo português,
entre os quais o ex-PM e a ex-presidente da Assembleia da República, sem contar
com a ida do ex-PM de Cabo Verde.
Retomando a questão de Jomav,
importa recordar que há cerca de um ano (26-06-2015 a 03-07-2015), D. Duarte Pio, que reclama o seu
direito ao trono português, esteve na Guiné-Bissau (Real Associação da Beira Litoral, 03-07-2015). O
mesmo D. Duarte Pio defendeu em 2010
que o regresso de Portugal à Monarquia
teria grandes vantagens, argumentando que um Rei em Portugal é cinco vezes mais barato que um
Presidente da República (Diário as Beiras, 17-04-2010: 2; Mendes, 2010: 23-25). Se
os monárquicos defendem que um Rei é melhor e mais barato que um PR, para quê condecorar Jomav? Sendo Jomav
de Calequisse, próximo de Baceâral, será que pretende restaurar o
antigo império/reino?
Segunda
parte. O PM Baciro Djá,
anunciou ter ratificado "vários acordos
de cooperação" com a Guiné Equatorial,
país onde efectuou uma visita de trabalho de uma semana, permitindo a efectivação da cooperação nos domínios
económico, científico, cultural, desportivo e técnico. Da Guiné Equatorial,
Baciro Djá viajou para a Nigéria,
onde também assinou acordos de cooperação e disse ter obtido promessas de apoio para o Orçamento
Geral do Estado (Sapo Notícias, 29-07-2016).
Na passada terça-feira, o PM
Baciro Djá, exortou a comunidade
internacional a não interferir nos
assuntos internos do país, ainda que possa ajudar no processo de
estabilização. Estas declarações foram proferidas por ocasião da abertura de um
curso de línguas para os soldados em que se encontravam vários oficiais/generais, entre os quais o chefe das forças armadas
guineenses, o general Biaguê Nan Tan
(O Democrata, 02-08-2016; RTP África, 02-08-2016).
A aproximação à Guiné
Equatorial não é um problema em si –
é um país membro da CPLP, por isso o PM Baciro Djá fez bem por reforçar essa cooperação. No entanto, é
preciso ter cuidado, porque o regime de Teodoro Obiang é alvo de
muitas acusações, desde a violação dos direitos humanos à não
existência de uma Democracia. Se
Baciro Djá defende a não ingerência de forma tão convicta, deve ter cuidado com as relações que estabelece
com alguns países que não são bem vistos, porque, se o orçamento do Estado e outras
ajudas recebidas pela Guiné-Bissau dependem
da comunidade internacional, é porque a Guiné-Bissau não está livre das ingerências. Prova disso são as próprias movimentações de Baciro Djá na busca de
apoio, que mostram que a Guiné-Bissau não
é auto-suficiente. Além disso, não se pode recusar a ingerência dos que são
críticos ao seu Governo e aceitar a
ingerência daqueles que apoiam o seu
Governo – foi o próprio PM que afirmou que o seu Governo estava aberto às críticas e não iria perseguir ninguém por causa
disso (RTP África, 24-06-2016).
A exaltação de Baciro Djá contra a comunidade internacional revela
que está a ser mal aconselhado, ou
que o Poder está a subir-lhe à cabeça.
Se quiser continuar a governar, terá de moderar
o seu discurso, abraçando as suas afirmações anteriores, de que o seu
Governo é pragmático, fala pouco e
faz muito (RTP África, 24-06-2016). Além disso, o facto de Baciro Djá dizer que não cabe à comunidade
internacional indicar o nome do PM que deve governar na Guiné-Bissau, mostra o
seu ponto fraco: o ciúme e a insegurança
relativamente à popularidade de DSP. Se DSP explorar muito bem este ponto,
Baciro Djá poderá cair antes do esperado.
Tal como eu disse anteriormente, Baciro
Djá (como muitos outros governantes guineenses) dificilmente será aceite e muito menos respeitado pela forma como ascendeu ao Poder e
como está a exercê-lo. Se tivermos em conta a
frase de Frantz Fanon – «muitas vezes, o inimigo do negro/africano não é o branco/europeu, mas o
seu congénere» negro/africano, percebemos que, às vezes, o problema
não está na comunidade internacional, mas em nós mesmos, guineenses
(Fanon, 1980: 21). Enquanto não conseguirmos construir o mínimo de respeito
entre nós, dificilmente seremos respeitados pelos outros.
As afirmações do Secretário-Geral da União Nacional dos
Trabalhadores da Guiné, Estevão Gomes Có,
por ocasião da cerimónia comemorativa dos 57 anos do Massacre de Pindjiquiti, confirmam esta ideia. Estevão Gomes Có
informou que é urgente e necessário que o Estado ofereça melhores condições aos trabalhadores e explicou que o baixo nível salarial torna impossível a
sobrevivência digna dos trabalhadores
com o salário mínimo (O Democrata, 04-08-2016; RTP África, 03-08-2016).
Terceira
parte. O PR cessante Manuel
Pinto da Costa formalizou a sua desistência da segunda volta das
presidenciais, depois de já ter anunciado no passado dia 25 de Julho que não tencionava participar na segunda volta. O
pedido está a ser analisado de acordo
com a lei eleitoral em vigor no país. Enquanto isso, o candidato Evaristo Carvalho, apoiado pelo partido
ADI no Poder, prossegue a sua campanha na caça a votos para o escrutínio do
próximo domingo, 7 de Agosto (RFI, 02-08-2016; RTP África, 26-07-2016; 02-08-2016; 04-08-2016).
Esta oficialização da desistência de Pinto da Costa ensina-nos quatro lições negativas sobre a segunda
volta. Em primeiro lugar, Pinto
da Costa fica mesmo colado à imagem de “Kumba
Yalá são-tomense”, pelo facto de ter dito que não participaria na segunda
volta como candidato presidencial e muito menos como PR, tal como Kumba Yalá
(in memoriam) afirmou que não participaria numa segunda e muito menos numa
terceira volta (Novas da Guiné-Bissau, 23-03-2016; RTP, 27-07-2016).
Em segundo lugar, a insistência
de Pinto da Costa em candidatar-se nesta eleição presidencial contra a escolha do seu partido, o
MLSTP, que deu o seu total apoio a Maria
das Neves, leva-me a compará-lo com a teimosia de Mário Soares, quando insistiu em candidatar-se contra Cavaco Silva em
2005, tendo o PS ficado dividido entre Mário Soares e Manuel Alegre (Diário de Notícias, 30-08-2005).
Neste exemplo português, teria sido mais
benéfico para Mário Soares se desse preferência a Manuel Alegre, tal como, analogamente, teria sido mais benéfico
se Pinto da Costa tivesse deixado Maria das Neves concorrer sozinha. O egoísmo não ajuda ninguém a manter o protagonismo e nestas situações as perdas acabam por ser maiores que os ganhos. No meu Modelo
Político de Governação subscrevi algumas das vantagens do Modelo Político Americano, no qual
devem existir dois partidos
políticos responsáveis pelas eleições primárias
dos candidatos. Depois, esses dois partidos – Republicano e Democrata – são
responsáveis pelo embate final dos
dois candidatos que concorrem às eleições presidenciais. Este tipo de modelo eliminaria muitos dos aspectos negativos que ocorrem no
actual sistema eleitoral (Fernandes, 2010: 226).
Em terceiro lugar, a estratégia
de anunciar os resultados eleitorais
da primeira volta com uma elevada diferença entre os dois primeiros candidatos
mais votados está a transformar-se paulatinamente numa «cláusula-travão»
ou numa cultura democrática, cujo
objectivo central consiste em fazer
desistir ou piorar o ânimo do segundo candidato para a segunda volta, tal
como ocorreu com Kumba Yalá na
Guiné-Bissau e também com o Pinto da
Costa em São Tomé e Príncipe.
Em quarto lugar, fica patente que “o
velho” Pinto da Costa caiu na
armadilha montada pelos “garotos”
- PM e presidente do partido ADI, Patrice
Trovoada, pelo presidente da Comissão Eleitoral Nacional «CEN», Alberto Pereira, e pelo presidente do
Supremo Tribunal de Justiça «STJ», José
Bandeira. Estas entidades conhecem o ponto
fraco de Pinto da Costa e resolveram utilizar as técnicas de Sun Tzu contra ele:
1.ª técnica – «se o teu opositor for
de temperamento colérico [com os nervos à flor da pele], procura irritá-lo [ou provocá-lo]. Finge ser fraco [oculta as tuas
intenções] para que ele se
possa tornar arrogante!». Esta táctica consiste em “torturar” o adversário de forma
subtil, ou seja, «atacar o equilíbrio mental do inimigo» (Tzu, 2007: 69, 118). Neste caso, Patrice Trovoada, Alberto Pereira
e José Bandeira conhecem o temperamento de Pinto da Costa e souberam utilizá-lo contra ele,
fazendo-o perder o controlo. O anúncio antecipado dos resultados foi
propositado, levando Pinto da Costa a reagir
exactamente como previam e acabando mesmo por desistir.
2.ª técnica - «quando cercares um exército,
deixa uma saída livre». Isto não
quer dizer que deixes o inimigo escapar, ou seja, «não pressiones demasiado um inimigo desesperado», pois «quando encurralados, os animais usam as suas
garras e dentes para lutar até a morte». O objectivo é «fazê-lo crer que existe um caminho para a segurança, assim evitando que ele lute com
a coragem do desespero». Se quiseres
«depois, podes esmagá-lo» (Sun Tzu, 2007: 120). Depois de encurralar Pinto da Costa, os seus
opositores deram-lhe uma saída, ao
afirmar que a sua desistência ainda não tinha sido formalizada, pelo que contavam ainda com ele como candidato à
segunda volta. Ao formalizar a sua desistência, Pinto da Costa pensou que
escapou, mas poderá ainda ser esmagado
pela aliança PM-CEN-STJ.
3.ª
técnica – as três entidades em coerência PM-CEN-STJ conjugaram-se
para formar a Cobra da Montanha de Sun
Tzu. Esta filosofia teórico-prática repousa no seguinte: «O táctico hábil
pode ser comparado à shuai-jan. A shuai-jan é uma cobra que vive nas
montanhas Ch’ang. Se atacares a sua
cabeça [PM], serás atacado pela
cauda [STJ]; se atacares a sua cauda [STJ], serás atacado pela cabeça [PM];
se atacares no meio [CEN], serás
atacado pela cabeça [PM] e pela cauda [STJ]» A entreajuda entre PM, CEN e STJ é fundamental – se forem tenazes, tiverem sentido de missão e
acima de tudo, um espírito de cooperação
amigável, aplicarão as lições da shuai-jan
e terão maior possibilidade de alcançar
o êxito, como já se pode verificar (Tzu, 2007: 171-172). Agora resta saber se o “velho” Pinto da Costa
tem algum truque escondido na manga
para tramar os “garotos” políticos são-tomenses.
Prezados leitores, aproveitem de ler e tirem as vossas conclusões…Conto sempre com os vossos comentários e sugestões, porque são as críticas construtivas que realmente
importam e ajudam a avançar.
Para mais
informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação
na Guiné-Bissau (242,
412-413, 469, 487-488). Lisboa: Chiado Editora.
[1] No entanto, na eleição do PR, a raiz da tradição africana/europeia ainda permanece: a Constituição da República da
Guiné-Bissau «CRGB», define como critério de elegibilidade para o lugar de
Presidente da República «PR» o facto de se ter quatro avós guineenses (CRGB, 1996, artigo 63º; Kosta, 2007: 221,
712-718; Silva, 2010: 9, 221). A CRGB é uma cópia da Constituição da República
Portuguesa «CRP» (2003: 55 art.-122º), que também importou este princípio da monarquia portuguesa.
Sendo assim, não tem razão quem fundamenta que, na realidade, a tradição não
tem um papel activo no Estado
pós-colonial guineense (ou na República portuguesa), porque a tradição enquadrou-se na democracia ao mais alto
nível da hierarquia do Poder (Kosta, 2004: 62-79).
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