Caríssimos leitores, no post
de hoje trago-vos algumas reflexões
sobre a ida de Amine Saad para o Tribunal Penal Internacional «TPI»; o
novo Memorial dedicado à escravatura e tráfico negreiro em Cacheu; e a chegada de um «avião-fantasma» denunciada por Domingos Simões Pereira «DSP». No Domingo voltarei com um novo post sobre as recentes declarações
de DSP a propósito do acórdão n.º 4/2016
do Supremo Tribunal de Justiça.
Primeira
parte. Amine Saad, de 61 anos, natural de Mansoa, vai figurar
numa lista de advogados cuja missão
será a de assistir suspeitos, acusados ou vítimas que estejam em processo no TPI (Sapo Notícias, 13-07-2016).
Os meus parabéns a Amine Saad por
esta oportunidade de ocupar mais um lugar de destaque, que dignifica os quadros guineenses.
Perante esta nomeação, tenho também outras três
considerações a fazer.
Em
primeiro lugar, o facto de as diplomacias da França e
do Reino Unido serem diplomacias
muito vigorosas, acaba muitas vezes por capturar
as elites africanas, por vezes através de meios pouco positivos. Se olharmos para a realidade da Guiné-Bissau
com base nesta linha do pensamento, podemos verificar que os intelectuais guineenses com mais
visibilidade/influência pública, em termos académicos e de impacto
mediático, estudaram, na sua maioria, em países francófonos e anglófonos.
É possível que estas diplomacias tenham
contribuído para a sua ascensão no
país, na sub-região africana e nos organismos internacionais – e Amine Saad é
um exemplo disto. E Portugal, o que tem feito pelos quadros lusófonos? Esta é uma questão
que merece reflexão. Por mais que as
forças externas tentem dividir-nos, deveríamos aproveitar o potencial de cada um para investir no desenvolvimento
da Guiné-Bissau. Em segundo lugar,
devemos questionar o que terá levado o
TPI a convidar Amine Saad. Será que se prepara
o julgamento de algum guineense por parte do TPI? Amine Saad, por ter sido Procurador-Geral da República da
Guiné-Bissau duas vezes, pode estar na posse de informação relevante e comprometedora. Este é um caso que continuarei a acompanhar com toda a
atenção.
Em
terceiro lugar, não sou apologista ou defensor do TPI, assim como de outras ideias como o
termo Estado Falhado, ou os Objectivos do Desenvolvimento do
Milénio/Objectivos de Desenvolvimento Sustentável «ODM/ODS», que apresentam
algumas características próximas dos
princípios básicos da Conferência de
Berlim, que não se aplicam ao
Ocidente. Ou seja, parecem ser critérios específicos que se aplicam, preferencialmente aos países africanos e do Médio Oriente.
O TPI seguramente não julgará e nem tão pouco condenará, por exemplo,
os EUA e alguns países da União Europeia pela invasão ao Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, etc. O nosso ponto de vista é partilhado
pelo Presidente da República do Senegal, Macky
Sall, que apontou críticas ao TPI, dizendo que apenas os líderes africanos são visados: «quando há uma obstinação
em acusar apenas os africanos, há um problema porque dá a impressão que há uma justiça a duas velocidades. Não
é normal que o TPI vise apenas os presidentes africanos. Não conheço outros
casos oriundos da Europa. Não podemos dizer que não há crimes na Europa central
ou ocidental. E depois, os Estados Unidos, a Rússia, a China não reconhecem o
TPI. Pelo menos os africanos aceitaram,
na sua maioria, fazer parte do TPI». O mesmo se passa em relação ao termo Estado Falhado: há alguns países da
Europa (Espanha, Chipre, Grécia, Irlanda, Itália, Portugal, etc.) que perderam
“supostamente” as suas soberanias
(Política, Económica, etc.), mas dificilmente são referidos como Estados Falhados.
É difícil defender a África e os
africanos destes vocábulos, na medida em que, muitas vezes, são os próprios intelectuais africanos que os defendem (Euronews, 03-04-2014;
Gentili, 1998; Obenga, 2003).
Perante estas ideias, caberá
aos quadros africanos ponderar muito bem
os convites que recebem para ocupar
cargos onde poderão ser usados contra
os seus irmãos africanos e contra os
interesses de África. Por vezes só se apercebem das consequências depois de deixarem estes mesmos cargos, sendo já tarde demais para lavar a sua imagem.
Segunda
parte. A cidade de Cacheu,
no norte da Guiné-Bissau, tem um novo memorial dedicado à escravatura e tráfico negreiro, erguido num edifício em ruínas cujas obras de reabilitação foram
custeadas pela União Europeia. O memorial foi apresentado como sendo um espaço
que visa "valorizar a memória de
uma realidade que marcou profundamente os países africanos e ainda hoje permanece com grande acuidade nas
sociedades dilaceradas pelo tráfico negreiro" (Sapo Notícias, 08-07-2016).
Elogio esta iniciativa, que vai ao encontro do que eu já defendi neste blogue,
mas também na minha dissertação e no meu livro a propósito
das estátuas derrubadas na Guiné-Bissau. Visto que a preservação
da herança cultural com todas
as memórias vivas através dos seus monumentos constitui o orgulho e respeito de
um povo, os guineenses devem saber distinguir o passado, valorizar o
presente e projectar um futuro melhor. Também
é importante pressionar Portugal
para a manutenção dos patrimónios
culturais erguidos na Guiné-Bissau (Mendes, 2010: 97). Além disso, como se pode
ouvir no vídeo, este memorial remete-nos para as origens do crioulo, tal como também já discuti num outro post (Mendes, 2010: 19-21).
Terceira parte. O
ex-Primeiro Ministro «PM» e líder do PAIGC DSP
alertou para a entrada no país de um "avião
fantasma" com carga desconhecida e que foi recebido pelo chefe da casa civil da Presidência guineense
(Sapo Notícias, 18-07-2016). Esta
notícia não é surpresa para ninguém,
porque, com o PAIGC, tudo é fantasma na
Guiné-Bissau - submarinos, aviões, carros blindados, madeiras, areias,
drogas, dinheiros, políticos, conselheiros, casas, esposas...etc. No entanto, não deixa de ser importante que estes acontecimentos sejam esclarecidos.
As pessoas
esclarecidas não põem em causa os
factos invocados por DSP: compreendem
perfeitamente a situação e até os que não gostam dele, dar-lhe-ão razão nesta matéria. No entanto, essa não é a questão central. O povo está habituado a estas acusações constantes
e já não presta atenção, porque está cansado de tantas polémicas dos políticos, e
principalmente da governação do PAIGC. Assim, chega-se à conclusão de que todos mentem e escondem. Quando um
político chega ao Poder (por
exemplo, o PM Baciro Djá), diz que encontrou o país numa situação difícil, de rastos
e cheio de buracos…assim, basta-lhe aproveitar para “alargar” ainda mais o “buraco”, retirando benefícios da sua situação privilegiada e deixando o país cada vez pior. O país
está cheio de buracos: o PAIGC governou sempre como toupeiras (uma vez que vive de baixo do chão) que não param de
fazer buracos. Um dia seremos engolidos
pela terra…
Caríssimos leitores, este post
já vai longo, pelo que decidi deixar a parte
mais “quente” para o próximo Domingo.
Nessa altura, falarei das recentes declarações de DSP acerca do acórdão n.º 4/2016 do Supremo Tribunal
de Justiça, da propriedade intelectual
do programa «Terra Ranka» e das invasões de privacidade (a que chamarei
os papéis do Panamá/Wikileaks guineenses). Tentarei demonstrar que é possível desvendar ligações e segredos de líderes políticos
sem recorrer à invasão da sua privacidade. Para estarem preparados, aconselho-vos
a lerem os posts “O prometido churrasco dos políticos guineenses: análise dos acontecimentos recentes na Guiné-Bissau”, “Mais uma cambalhota política na Guiné-Bissau:discursos de DSP e Jomav e a queda de Carlos Correia”,
“Da tourada política à nomeação de Baciro Djá, passando pela barricada do Governo demitido”,
e “Sobre as implicações do discurso de Jomav e a reacção de DSP”.
Não percam!
Para mais
informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo
Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 176, 195). Lisboa: Chiado Editora.
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