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quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Será que existem partidos políticos na Guiné-Bissau? Ou será que há um partido Conde-Drácula que vai mordendo e transformando toda a gente em Vampiros políticos?

Para o contexto da abertura democrática na Guiné-Bissau, é importante ter em consideração o registo do II Congresso Extraordinário do Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde «PAIGC» de 20 de Janeiro a 1 de Fevereiro de 1991 no qual, por ocasião da realização da reunião do Comité Central, em Junho do mesmo ano, surgiu a assinatura da Carta dos 121 militantes com as seguintes reivindicações: democratização interna do PAIGC; diálogo com as formações políticas nascentes; definição de uma linha política clara que permitisse restaurar a confiança dos militantes, simpatizantes e aderentes. Esta carta dividiu nitidamente o partido em dois grandes grupos: os que são a favor da mudança e os que, embora aceitando-a formalmente, tendem a defender o statu quo. Estes 121 militantes “renovadores” ou “descontentes” viram as suas esperanças de uma mudança no seio do PAIGC frustradas. Há quem defenda que o II Congresso terá sido marcado por uma luta entre três facções que coexistiam na organização: os conservadores, os reformistas e os liberais. Estes últimos, apesar de favoráveis à abertura política e ao pluralismo, preferiam a criação de tendências dentro do PAIGC, num sistema de partido único, mas com uma prática mais democrática, argumentando que não existia uma oposição digna desse nome e que o ideal era melhorar o que existia, trocando as principais figuras do quadro político guineense e renovando as estruturas e métodos de funcionamento. O seu esquema previa que um tal tipo de Democracia interna permitiria ao país desenvolver-se, mantendo a estabilidade actual (Azevedo, 2009: 154-155; Cardoso, 1996: 27, 30-31; Nóbrega, 2003: 263-268).
   Na linha de debate, os reformadores achavam insuficiente a filosofia defendida pelos liberais; propunham ir mais além, ou seja, era preciso ter a coragem de se abrir a disputa política com outras formações políticas e aceitar a alternância no Poder. Consideravam que somente uma Democracia de tipo ocidental – mantendo, contudo, determinadas conquistas do tempo da luta pela independência – era susceptível de fazer avançar o país. Ao seu lado, estava toda a classe de jovens tecnocratas e a novíssima classe empresarial e comercial – sobretudo esta –, que queria participar na condução dos destinos do país. No campo totalmente oposto, situavam-se os conservadores, que não desejavam ceder um milímetro que fosse do Poder de que dispunham, argumentando com a legitimidade conquistada na luta de libertação nacional e agitando como perigo o fantasma do abandono dos antigos combatentes da liberdade da pátria num quadro político diferente. Muita gente esperava que o PAIGC desse provas da sua vontade de remodelar-se por dentro. Mas o que aconteceu neste II Congresso foi um reforço da ala dura, que se traduziu na ocupação de altos postos de direcção do partido e do Estado.
Os da ala dura eram caracterizados não só pelo seu posicionamento negativo em relação à mudança, mas também pela sua posição antiburmedju”, ou contra os mestiços caboverdianos, posição que era partilhada por uma esmagadora maioria de partidos políticos da Guiné-Bissau (Azevedo, 2009: 154-155; Cardoso, 1996: 31).
  Sendo assim, as origens da actual oposição ao PAIGC não podem ser procuradas só no período da liberalização. Ela data também dos primeiros anos após a independência, com a excepção dFrente de Libertação para a Independência Nacional da Guiné «FLING». Podemos dizer que ela se foi construindo, pedra por pedra, à medida que os erros do próprio regime e sistema político do PAIGC se vinham transformando em condições propícias ao seu aparecimento. Pela sua forma de surgimento, distinguimos dois tipos de oposição: o primeiro tipo, para além de ter um carácter mais histórico, por ter surgido ao longo da trajectória política por que passou o país, é marcado por uma certa exterioridade em relação ao próprio aparelho do PAIGC e às estruturas do Poder. O segundo tipo é de constituição mais recente e é, em grande medida, interno ao próprio aparelho, tanto do PAIGC como do Estado (Azevedo, 2009: 139-170; Cardoso, 1996: 31-32; Kosta, 2007: 414).
  No contexto da Guiné-Bissau, os partidos políticos surgiram a partir da década de 90 do século XX, com a revisão do artigo-4º da CRGB de 1973 e 1984, que legitimava o PAIGC como força política e dirigente da sociedade, permitindo, assim, a formação e legalização de outras forças políticas guineenses. Mas, apesar de este artigo ter sido revisto formalmente em 1991, com a abertura democrática, em nada se alterou a mentalidade, o discurso e o procedimento dos seus militantes. Nessa fase da transição para a Democracia, teria sido importante que o Estado guineense impedisse que o PAIGC “partido-Estado” de se transformar num partido político, levando consigo todas as propriedades do Estado, por si criadas – a identidade guineense, a Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB», a Assembleia Nacional Popular «ANP», as Forças Armadas Revolucionária do Povo «FARP», a bandeira do Estado, o hino nacional, o facto de ter dado a independência ao país. Tendo em conta que o próprio PAIGC não passava de um Movimento de Libertação Nacional (MLN), as propriedades do Estado deveriam permanecer, como parte do património do povo guineense, independentemente de um eventual desaparecimento do partido político. Por estas razões, elas deveriam ser totalmente independentes de qualquer relação com organizações partidárias (Cabral, 2008: 125; Cardoso, 1995: 268-271; 1996: 25-32; Kosta, 2007: 493, 520; Mendes, 2010: 70-89; Rudebeck, 1997: 2-12, 38; 2012: 135-136; Silva, 2010: 153-154, 165-180, 184-206).
  Tendo em conta tudo o que foi dito até agora, torna-se um pouco difícil dizer, em termos de sistemas políticos comparados e da Ciência Política “pura-&-dura”, que existem de facto partidos políticos no contexto da Guiné-Bissau. Isto é, atendendo ao facto de existir um partido-Estado “PAIGC”, que me leva a denominar as outras forças políticas partidárias (mais de 40) de “Partidos-Clones. E são chamados de Partidos-Clones por terem sido “fabricados” pelo partido-Estado “PAIGC”. Ou seja, são partidos políticos cujos staffs são, na sua esmagadora maioria, constituídos por indivíduos provenientes do partido-Estado “PAIGC” (muitos deles resultantes da “Carta dos 121”), tendo-se infiltrado nesses Partidos-Clones ou nos partidos sazonais (que são fundados para determinadas eleições). Estes indivíduos têm como objectivo principal a execução de sabotagens e fornecimento de informações, acabando, na melhor das hipóteses, por funcionar como “cláusula travão” para a não existência de uma verdadeira oposição política na Guiné-Bissau. Este facto é notório quando verificamos que quase todos os dirigentes e principais figuras partidárias dos Partidos-Clones ou dos partidos sazonais, acabaram por ser promovidos para cargos públicos e privados (mesmo a nível sub-regional e internacional), ao longo das duas décadas de Democracia guineense. Muitos deles estão, aliás, a regressar hoje em dia para o PAIGC (Cardoso, 1995: 272-275; 1996: 25-39; 2002: 24-29; Fernandes, 2010: 200-207; Kosta, 2007: 407-414, 674; Nóbrega, 2003: 263-268).
Em síntese, posso dizer que além de não existirem partidos políticos propriamente ditos, do ponto de vista da Ciência Política, existe um partido Conde-Drácula que está morder e transformar toda gente em Vampiros políticos, ou seja, que vai procurando perpetuar a sua influência na sociedade guineense de todas as formas possíveis ao seu alcance.

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 379-383). Lisboa: Chiado Editora.

NOTA: Uma possível solução para este problema pode ser encontrada neste post e, obviamente, no meu livro, onde apresento um modelo que pretende resolver este problema, entre muitos outros.


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