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terça-feira, 21 de abril de 2020

Agradecimento ao Dr. José Luís Hopffer Almada


Caros leitores das minhas páginas de Facebook e do meu Blog, cumprimento a todos com elevado respeito e considerações. Faço votos para que a ‘Pandemia de Coronavírus - Covid-19’ seja combatida com eficácia, para que humanidade se livre desta maldição. Aproveito o post de hoje para agradecer ao intelectual cabo-verdiano, Dr. José Luís Hopffer Almada do programa de Debate Africano na RDP África, pelo seu elogio ao meu livro no programa passado (na sexta feira e domingo da semana passada, 10 e 12-04-2020). Faço isso, na mesma lógica que tenho feito com todos os intervenientes do mesmo programa, quando falaram pela primeira vez do meu livro, com o Prof. Doutor Viriato Soromenho-Marques, solidariedade que estendo a várias individualidades, tais como – Dr. Fernando Casimiro «vulgo Didinho», Prof. Doutor Ricardino Teixeira, etc. – uma lista infindável de pessoas com várias referências académicas dos meus trabalhos científicos entre a Dissertação de Mestrado e o meu Livro (que é produto da minha Tese do Doutoramento).
            Quebrei o silêncio, mas depois remeto-me de novo ao silêncio! Há muitos anos que tenho acompanhado de perto o programa Debate Africano na RDP África. Independentemente de concordar ou não com alguns comentários, concentro a minha atenção em reter o essencial para enriquecer os meus conhecimentos. Ainda utilizo as mesmas técnicas, antes da minha partida e depois do meu regresso para Guiné-Bissau, com diferentes Rádios/Emissoras, Televisão, Jornais, Revistas, Blogs, Facebook, Conferências, diálogo com os Alunos, Pessoas, etc. Hoje em dia, mesmo com os limites impostos, esforço-me em escutar, ver, sentir e comunicar com a sociedade!
            Confesso que gostei de ouvir a recomendação da leitura do meu livro pela voz do Dr. José Luís Hopffer Almada, alguém com elevado respeito na comunicação social, na política, na academia e no continente africano. Mas, gostei ainda mais de ter ouvido a parte em que Dr. José Luís não concordava comigo «por eu ter responsabilizado o Engenheiro Dr. Amílcar Lopes Cabral, ‘pela boa parte’ dos males que assolam a Guiné-Bissau até hoje». Os mais novos aprendem com os mais velhos - o próprio Amílcar Cabral, além de ter dito “os que sabem, devem ensinar aos que não sabem”, incentivava “a crítica como força motora do desenvolvimento e de liberdade de pensamento”. São enriquecedoras as críticas construtivas feitas pelos comentadores do Debate Africano. Admito ter uma prenda para os [Neo]cabralistas no meu futuro projecto, num Capítulo intitulado ‘O Pensamento Político de Amílcar Cabral’ e Subtítulo ‘O Impacto do Seu Modelo de Governação’. Talvez nessa altura o ilustre Dr. José Luís venha a perceber que as minhas críticas construtivas estão a moldar os comportamentos de muitos [Neo]cabralistas.
            Eu abracei a corrente da crítica construtiva ao longo do meu percurso académico, mas admito que a par das críticas feitas, existem reconhecimentos plausíveis no meu livro referente a Amílcar Cabral. Um dos reconhecimentos, por exemplo, é o facto de eu ter considerado que Amílcar Cabral (A. Neto, E. Mondlane, etc.) deveria figurar na lista dos pais fundadores da Democracia Portuguesa (Mendes, 2015: 135, Nota Rodapé nº 27), apesar de Amílcar Cabral ser um crítico declarado da Democracia (Cabral, 1983: 111; Oramas, 1998:143; Mendes, 2015: 269, Nota Rodapé nº 100). Mas, o facto da sua acção ter contribuído para o nascimento da Democracia portuguesa (mais tarde para os PALOP e a CPLP) é algo que diz muita coisa. Amílcar Cabral valorizou e apelou à conservação da Língua Portuguesa quando disse que «o idioma português é uma das melhores coisas que os portugueses nos deixaram» (Palmeira, 2006: 169-170, Citado por Mendes, 2015: 267-268)[1].
            Para terminar este post, o Dr. José Luís Hopffer Almada fez bem em recomendar o meu livro como um dos manuais de leitura indispensável no período de Páscoa e num contexto político que exige a ‘mudança de paradigma de governação’ na Guiné-Bissau. Mas, ao complementar o seu ponto de discordância por «eu ter responsabilizado a Amílcar Cabral ‘pela boa parte’ dos males que assolam a Guiné-Bissau até hoje», acabou por lançar-me à fogueira para ser queimado vivo pelos seguidores de Cabral, que constituem a esmagadora maioria da população guineense e da sua classe política. Já fui alvo de perseguição por parte de muitos [Neo]cabralistas, por exemplo, no meu contexto de trabalho, com um episódio de expulsão da sala de videoconferência, ameaças de agressão física, e afirmações de que o meu Doutoramento vale zero na Guiné-Bissau (são provas destas que os guineenses precisam de conhecer antes de elogiarem certas pessoas que aparecem nas redes sociais como santos).
Caros leitores, leiam o meu livro e outros bons que por aí andam, e abram bem os vossos olhos.
Um grande abraço a todos, em especial, aos ouvintes do Debate Africano. Protejam-se.


[1] Esta afirmação de Amílcar Cabral é reciclada e actualizada pelo grande Cientista Político norte-americano Joseph Nye ao dizer que «Portugal deve usar o “soft power” (Poder suave) da sua língua e cultura para desenvolver relações com o Brasil e com os países africanos de língua oficial portuguesa (…) Portugal deverá beneficiar das ligações históricas e linguísticas» (Económico, 18-03-2012; Mendes, 2015: 268). Bem interpretada, Amílcar Cabral estava a considerar a Língua Portuguesa como riqueza inquestionável para o futuro relacionamento de Portugal com as suas antigas colónias etc.

domingo, 13 de outubro de 2019

Nota de esclarecimento: imprevistos, obstáculos e precauções

Caros leitores do meu blog e da minha página do facebook, um especial cumprimento a todos. Quero deixar o meu respeito e reconhecimento pela vossa postura que dignifica a nossa amizade. Por vários obstáculos, pondero encerrar o blog e dar prosseguimento ao meu projecto académico a partir do segundo semestre. Infelizmente, descartei a possibilidade de publicar os quatro posts que tinha anunciado, não só por motivos de ordem ético-moral, mas atendendo à minha postura de honestidade intelectual e humildade científica, a gravidade do impacto dos quatro posts poderia ser imperdoável!
Eu e os meus assistentes de marketing, chegamos a algumas conclusões: 1ª. O clima de tensão e de alto risco político-militar, faz com que a Guiné-Bissau seja um ‘barril de pólvora’ – neste momento basta uma pequena faísca, e haverá explosão; 2ª. Uma vez que não trabalho e não ganho nada com nenhum dos partidos políticos, candidatos e nenhuma organização, os quatro posts beneficiarão apenas os directores de campanha, conselheiros e fãs dos candidatos presidenciais; 3ª. Se forem publicados, poderão ter reflexos ou implicações no desenvolvimento de algumas situações pendentes (análise de candidaturas, aprovação do Programa do Governo e do Orçamento Geral do Estado, continuidade do Governo), além de que alguns candidatos poderão ficar mal na fotografia.
Com base nestes argumentos, chego à conclusão que este é o pior momento da minha vida profissional para avançar com estes posts. Para além de ser um momento muito duro para o próprio país. É muito difícil trabalhar na Guiné como intelectual, principalmente quando queremos manter a nossa independência no meio de tantos que não são independentes (e que nem procuram perceber o que significa ser independente). Quando chegamos ao ponto de colocar obstáculos a um Doutor para dar aulas depois de vários anos de casa, o sentimento de revolta e frustração atinge níveis incomparáveis.
Aos meus fiéis leitores peço compreensão. Melhores dias virão e, quem sabe, a minha Academia de Ciência Política poderá voltar a ver a luz do dia. Aos políticos guineenses e à Guiné-Bissau desejo boa sorte. Ansiamos todos por um futuro PR que corresponda às nossas expectativas e permita, finalmente, um avanço significativo em todas as vertentes da sociedade guineense. Até um dia destes.

segunda-feira, 4 de março de 2019

Max Weber Está Triste Com Os Partidos Políticos Guineenses


Prezados leitores, desejo-vos um bom carnaval. Também faço votos para que a campanha eleitoral corra com normalidade. Meus amigos, improvisei esta pequena síntese da actualidade com base da análise de Max Weber em relação aos Partidos Políticos, apesar de estas ideias terem sido proferidas numa palestra em 1918/19 – há um século. Aconselho os meus queridos leitores que leiam o post de hoje, em primeiro lugar, em articulação com o post «Max Weber em 3 minutos para os politiqueiros guineenses»; em segundo lugar, deve ser articulado também com o post «A anulação da expulsão dos 15 deputados do PAIGC e a ética Weberiana»; em terceiro lugar, pode ser articulado ainda com o post «Sobre a relação entre os interesses dos politiqueiros [1] guineenses com a realpolitik».
Como vos disse, numa Conferência pronunciada no Inverno de 1918/1919, o intelectual alemão Max Weber «1864-1920», descreveu, em síntese, as principais características dos Partidos Políticos, que se enquadram, em especial, nas actuais características dos Partidos da Guiné-Bissau.
Perante a constatação de que muitos políticos apenas utilizam a política como um meio para obter benefícios, Weber traça um retrato da situação no que diz respeito aos Partidos Políticos. Weber refere que, naquela época (no final da década de 1910), as lutas entre Partidos Políticos visavam sobretudo o controlo da distribuição/repartição de cargos/tachos, chamando os Partidos Políticos de verdadeiras “manjedouras/comedouras estatais” (ou seja, o local onde os animais comem). Os Partidos Políticos transformaram-se, para os seus seguidores, em meios de realizar o fim de alcançar um cargo/tacho, sendo que, muitas vezes, os funcionários estão mal preparados para o cargo que ocupam, funcionando como “representantes da política do Governo” (Weber, 2005: 63, 73-76).
Max Weber diz-nos que o político deve lutar com paixão e basear-se na auto-responsabilização, assumindo a política como uma vocação pessoal. Pelo contrário, o funcionário não deve fazer política, mas administrar de modo não partidário. Quando os funcionários ocupam cargos dirigentes, estamos perante “Governos de funcionários”, eticamente detestáveis e irresponsáveis – no sentido político do termo são maus políticos (Cardoso, 2010:19; Cícero, 2013: 15; Weber, 2005: 81-82).
Em todas as associações medianamente extensas, a função política é uma função de interessados, restrita a um pequeno número de pessoas activas, que se opõem aos elementos passivos. Os Partidos Políticos recorrem à liderança e militância como elementos activos do recrutamento livre, procurando mobilizar o eleitorado passivo para a eleição do líder (chefe). Neste sentido, os políticos profissionais tentam conquistar o Poder «através do prosaico e “pacífico” recrutamento de Partido no mercado eleitoral». No passado, a política era sobretudo uma profissão secundária, resumindo-se os políticos profissionais a um pequeno número de pessoas. Com a Democracia, surgiu o direito das massas ao sufrágio, e as organizações de massas, acabando com a dominação dos notáveis e o Governo dos parlamentares. A empresa política ficou nas mãos de “profissionais” a tempo inteiro, funcionários com salário fixo que se encontram fora do Parlamento. O Poder encontra-se nas mãos dos que realizam continuamente o trabalho dentro da “máquina” dos Partidos, sendo o líder/chefe aquele que é seguido pela máquina, passando por cima do Parlamento, e instaurando uma Democracia plebiscitária. Os militantes esperam que o efeito demagógico da personalidade do chefe conquiste votos e mandatos na fase eleitoral, dando-lhes Poder e aumentando o seu acesso a retribuições pessoais em cargos e outras vantagens (Weber, 2005: 82-89).
Dentro dos Partidos, existe, com frequência, tensão entre os “funcionários” e alguns “notáveis” influentes, com “experiência partidária”. Estes notáveis são facilmente seguidos pelo eleitor pequeno-burguês e rural, que apoia e lhe é mais conhecido e familiar. Na Inglaterra, até 1868, a organização dos Partidos era quase unicamente constituída por notáveis. A partir dessa data, com a democratização do voto, tornou-se necessário criar um enorme aparelho de associações aparentemente democráticas, numa rede profundamente burocratizada, onde, rapidamente, se enquadra 10% do eleitorado. Os Partidos alimentam assim um aparelho de pessoal considerável, abarcando centenas de pessoas, que vivem directamente “da” política dos Partidos, sem contar com os inúmeros colaboradores interessados ou caçadores de cargos. Quando existe um líder forte, esta máquina disciplinada mantém-se «no país, quase sem consciência própria e inteiramente nas mãos do chefe. Por cima do Parlamento está, pois, o ditador plebiscitário que, por meio da máquina, arrasta atrás de si a massa e para o qual os parlamentares são apenas prebendados políticos inseridos no seu séquito/comitiva». Nestas condições, o líder deve ter, além de vontade, o Poder do discurso demagógico, que lhe permitirá criar uma ditadura baseada na emotividade das massas (Marina, 2009: 82-83; Weber, 2005: 93-95).
Nos EUA, a “máquina plebiscitária” cresceu também rapidamente, substituindo a inicial administração dos gentleman por máquinas partidárias fortíssimas. O facto de o chefe do Poder executivo, e patrono que dispõe de todos os cargos, ser um presidente eleito por plebiscito, faz com que actue com total independência face ao parlamento, na distribuição de vantagens e cargos. Em suma, os Partidos são organizações desprovidas de convicções, moldadas pelas lutas eleitorais mais relevantes para a distribuição dos cargos. Isto remete-nos para a política realista de Maquiavel que, nos seus conselhos ao príncipe, defende a estratégia “os fins justificam os meios”, devendo o líder adaptar-se de acordo com o vento – neste caso falamos de Partidos mas a lógica parece ser a mesma. Nos EUA, por detrás desta máquina partidária estão os bosses, que, na sombra, angariam votos e financiamentos, e determinam o jogo do Poder (Weber, 1979: 63-66; 2005: 95-96, 99-100).
Em jeito de conclusão, recordo os meus leitores que tenho defendido a despartidarização e despolitização do sector privado e da administração pública guineenses, ou seja, é necessário terminar com acumulações de cargos. A este propósito, recordo a classificação de Fernandes (2010: 107-118), que distingue entre funções políticas e funções técnicas. As funções políticas incluem a função governativa e a função legislativa. As funções técnicas incluem a função administrativa e a função jurisdicional (Mendes, 2015: 298-302). Portanto, é urgente evitar as nomeações políticas nas áreas que dizem respeito às funções técnicas, que devem ser ocupadas por concursos públicos & ou por carreira profissional.
Afinal quem é que beneficia com as nossas eleições[2]?


[1] Politiqueiro designa alguém que recorre a intriga para conseguir o Poder ou Cargos Públicos.
[2] defeito do sistema eleitoral da representação proporcional segundo o método de Hondt dá-nos a entender que o sistema eleitoral guineense é, no fundo, um sistema de endividamento e de estagnação do país. Por estas razões concordo com a preocupação do Prof. Doutor Kafft Kosta, na medida em que quem ganha com este endividamento é o credor (comunidade internacional) e quem perde é o devedor (Guiné-Bissau). Ou seja: «não há dinheiro e andamos a fazer todos os esforços para a angariação dos recursos necessários para a realização das eleições presidenciais de 5 em 5 anos e legislativas de 4 em 4 anos (e/ou com quedas constantes de Governos) na data marcada; solicitamos à comunidade internacional que disponibilize os recursos (financeiros, materiais e humanos) necessários», sabendo que «os países doadores se envolvem nestes gestos de modo a obterem mais-valias para os seus bolsos». Ou melhor, a comunidade internacional «actua, às vezes, sob capa de cooperante, fazendo lembrar aqueles bombeiros que apagam o fogo com gasolina» (Kosta, 2007: 277-281, 467, 654).

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O Futuro Político da Guiné-Bissau Está no Federalismo Perfeito [Segunda Parte]

Ilustres leitores, um especial cumprimento a todos. O post de hoje vai constituir a segunda parte do post anterior. Vou começar por reforçar algumas ideias-chave do Federalismo Perfeito debatidas pelos construtores do Modelo Político dos EUA. O objectivo central do título deste post – o Futuro Político da Guiné-Bissau Está no Federalismo Perfeito – é convidar os intelectuais guineenses e amigos da Guiné-Bissau a reflectirem sobre uma das soluções políticas estáveis e duradouras para o bem-estar da Nação Guineense. É um post que facilita a compreensão de que um Bom Modelo Político precisa de Políticos de Virtudes & Governantes com Prudência.
      A primeira inovação da experiência norte-americana – no domínio do Federalismo Perfeito – reside na própria ideia de Constituição como lei fundamental, que deveria regular as relações entre Governantes e Governados na base dos conceitos fundamentais de soberania popular e de igualdade de todos os Cidadãos perante a lei. A Constituição Federal implicava, no dizer de Hamilton, uma mudança radical no ponto de vista que presidia à sua construção. O centro de gravidade assentava numa concepção prospectiva, visando prever e satisfazer necessidades de um futuro longínquo e estratégico. Era uma Constituição que vivia a expectativa do porvir e que procurava responder às necessidades e aos desafios que aguardavam no presente o seu momento de aparecimento. Hamilton dizia «as Constituições de Governo Civil, não devem ser estruturadas apenas com base numa avaliação das exigências existentes, mas sim com base numa combinação destas com as exigências prováveis dos séculos, em conformidade com o curso natural e experimentado dos assuntos humanos (…)». Deve existir uma capacidade para providenciar as contingências futuras à medida que ocorram. A Constituição Federal americana rompia com o passado e com o presente para entrar nos terrenos inéditos do futuro. Esta Constituição coincidia com o próprio nascimento da ordem política, jurídica e administrativa da nova nação (Soromenho-Marques, 2011: 79-81; Mendes, 2015: 511).
      Nesta ordem de ideias, Thomas Paine propôs que a Revolução Americana marcasse o início de uma nova era na história do mundo, tornando-se o paradigma do contrato social, já não como ficção reguladora ou ideia racional, mas como referência factual e concreta. A melhor Constituição para Madison é aquela que melhor protege os direitos das minorias, e dessa minoria mínima que é o indivíduo. É aquela [Constituição] que garante os direitos dos derrotados em actos eleitorais, protegendo-os da ignóbil/vergonhosa tentação para os forçar a confundir liberdade com obediência à vontade da maioria. O que significa que um dos motivos pelos quais se deve respeitar a minoria, em vez de “a obrigar a ser livre”, é porque a minoria pode estar certa, e a maioria errada. É por isso que a política se manifesta, para Madison, como uma actividade que implica uma forte componente científica. Neste sentido, a grande novidade da Constituição norte-americana consiste na sua dupla natureza. Por um lado, a Constituição norte-americana é Republicana, quanto à organização em departamentos distintos do Sistema de Governo, e por outro lado, a Constituição norte-americana é Federal, no que concerne à fragmentação pelo espaço geográfico dos diversos dispositivos e competências governamentais. O republicanismo significa a constituição de um Estado fundado na soberania popular, no império das leis, na separação de Poderes, no respeito pelas minorias e pelos indivíduos (Soromenho-Marques, 2011: 81, 84, 86-87; Mendes, 2015: 511-512).
      O republicanismo, fundado no princípio de que o Povo elege de entre si os melhores representantes – Governantes & Decisores – para as mais altas esferas da governação, poderia permitir a selecção dos Cidadãos com maior preparação académica e científica, aliadas à dedicação à causa pública, para o desempenho das tarefas de gestão política. O uso da política ligada à forte componente científica é adequado, contudo, ligado a uma dimensão de dignidade ética e de elevação intelectual dos representantes, sobretudo daqueles escolhidos para altos cargos na Administração Federal. Esse republicanismo patente na Constituição Federal aprofunda “o princípio da representação” que os Antigos apenas imperfeitamente conheciam. Nas palavras de Madison «a verdadeira distinção entre estes Governos [os Regimes Políticos de Democracia da antiguidade] e os americanos [tanto o da União como o dos Estados] reside na total exclusão do Povo da administração, na sua capacidade colectiva, de qualquer participação nos últimos [EUA], e não na total exclusão dos representantes do Povo da administração dos primeiros [Democracias antigas]». A Constituição Federal não é só um texto incompleto, como é um texto aberto, um texto seminal contendo possibilidades adormecidas, aguardando o melhor momento para germinar (Soromenho-Marques, 2011: 86-87, 89; Mendes, 2015: 512).
      Verificamos aqui fortes semelhanças com a estrutura do meu Modelo Político de Governação para a Guiné-Bissau, com os seus respectivos três blocos. Ao contrário do Federalismo Clássico/Antigo, que era essencialmente construído a partir de fora, isto é, em função das exigências de coordenação defensiva contra ameaças militares externas, e a partir de cima, pela articulação dos órgãos de cúpula das diversas unidades, o Federalismo Americano/Contemporâneo era determinado a partir de dentro, pelas necessidades de manutenção das liberdades e direitos republicanos, e a partir da base, na medida em que os Cidadãos constituíam a única e mais radical fonte de Poder para ambas as séries de Sistemas Políticos (da União e dos Estados). Essa viragem fundamental que Hamilton expressa do seguinte modo: «(…) temos de alargar a autoridade da União às pessoas dos Cidadãos – os únicos objectos próprios de governação»; também se pode designar sinteticamente por dupla cidadania, e conduz à constituição de um Sistema Político geral ou comum que assegura as tarefas da governação, no âmbito de toda a União, em torno do núcleo reduzido, mas fundamental de competências. Essas competências permitem o estabelecimento de uma relação directa entre o Cidadão e o Sistema Político da União, quer em matéria de direitos, quer no tocante a deveres, sem ser necessária a mediação dos Governos Estaduais. Desta forma, é o Cidadão que se situa no centro do Sistema Político, a igual distância e com idênticas prerrogativas, tanto perante o seu Governo Estadual como face ao Sistema Político propriamente Federal (Soromenho-Marques, 2011: 91-92; Mendes, 2015: 513).
      Na verdade, os Pais Fundadores do Modelo americano tinham perfeita consciência da necessidade de agilizar as relações entre os diversos Poderes no quadro Federal. O Poder legislativo, através das duas câmaras, a dos Representantes e o Senado, o Poder executivo, cujo rosto é o Presidente Federal eleito, e o Poder judicial, cujo cume é constituído pelos juízes do Supremo Tribunal, estabelecem entre si diferentes relações de controlo e vigilância mútuas, permitindo a criação de um autêntico sistema de checks and balances ou “freios e contrapesos”. Para Hamilton, numa República Simples, todo o Poder entregue pelo Povo é submetido à administração de um único Governo, e as usurpações são prevenidas por uma divisão do Governo em departamentos distintos e separados. Na República Composta de América [e, eventualmente, da Guiné-Bissau], o Poder entregue pelo Povo é, primeiramente, dividido por dois Governos distintos, e, depois, a parte atribuída a cada um deles é subdividida entre departamentos distintos e separados. Surge deste modo uma dupla segurança para os direitos do Povo. Os diferentes Governos controlar-se-ão mutuamente ao mesmo tempo que cada um deles será controlado por si próprio (Soromenho-Marques, 2011: 93, 96-97; Mendes, 2015: 513-514).
            Numa República é de grande importância não só defender a sociedade contra a opressão dos seus Governantes, mas defender cada parte da sociedade contra a injustiça da outra parte. Existem necessariamente diferentes interesses em diferentes classes de Cidadãos. Se uma maioria estiver unida por um interesse comum, os direitos da minoria ficarão pouco seguros. Embora toda a sua autoridade deva ser derivada e depender da sociedade, a própria sociedade será fragmentada em tantas partes, interesses e classes de Cidadãos, que os direitos dos indivíduos, ou da minoria, correrão pouco perigo de quaisquer conluios de interesses da maioria. Num Governo livre, a segurança para os direitos civis deve ser a mesma que para os direitos religiosos (Soromenho-Marques, 2011: 97; Mendes, 2015: 514).

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Federalismo Como Solução Política Para a Guiné-Bissau [Primeira Parte]


Magníficos leitores, desejo-vos Boas Entradas. Faço votos para que 2019 seja o melhor de todos os anos. No post de hoje, vou falar (na Primeira Parte) do ‘Federalismo Como Solução Política’ para a Guiné-Bissau. Vou dividir este post em dois pontos: No primeiro ponto, vou descrever, em síntese, os aspectos esclarecedores do Federalismo. Neste ponto, vou aproveitar a oportunidade para alertar aos meus leitores para apreciarem, na nota de rodapé n.º 2, os comentários do Presidente da República «PR», José Mário Vaz «Jomav», vulgo de ‘Zeca’; e do Presidente do PAIGC, Domingos Simões Pereira «DSP», vulgo de ‘Matchú’. Ainda sobre a Revisão da CRGB, pode ser encontrada no meu livro (Mendes, 2015: 448, 505) e no livro de Kafft Kosta (2007: 35, 245-246, 255-261, 527). No segundo ponto, vou falar da pequena diferença que existe entre Federalismo Perfeito e Imperfeito. Em jeito de conclusão, deixarei (como é habitual) algumas provocações para reflexão.
Primeiro Ponto. Quer pela história recente, quer pela hierarquia dos Poderes dominante no Ocidente no século XX, o Federalismo é sempre avaliado em relação ao modelo que rege os EUA: trata-se de um sistema político [ou melhor, forma de Estado] em que o governo (Federal) tem e exerce um Poder central, incluindo o legislativo, o executivo, e judicial, enquadrando uma base de Estados, com estatuto de igualdade, submissos a uma Constituição[1] comum que lhe respeita as especificidades (Moreira, 2011: 16, prefácio). O Federalismo não resulta necessariamente da proximidade ou da afinidade, mas do perigo que se adivinha na manutenção de uma eventual completa independência das partes que são convidadas ao compromisso Federal. Os laços Federais estabelecem-se entre unidades políticas que ou foram inimigas, ou poderão vir a sê-lo. Mas a tensão é difícil, requer energia e perseverança, exige uma liderança responsável e atenta (Soromenho-Marques, 2011: 26; Mendes, 2015: 506).
A força do Federalismo como solução política reside no seu universalismo e o verdadeiro alcance da experiência americana consiste no facto de ela ser uma sementeira de novos tempos. A palavra Federalismo deriva do conceito latino “Foedus”, que significa Tratado, Contrato, União, Aliança, entre outros sentidos possíveis, localizáveis no mesmo campo semântico. A ideia de Federalismo sugere, assim, um acordo entre entidades políticas soberanas, gozando de um estatuto formalmente idêntico, visando prosseguir em conjunto objectivos que a cada um dos membros da aliança, possibilitada pelo acordo, seria impossível de atingir. A experiência histórica é fértil nesse tipo de fenómenos, de ligas e uniões entre diversos tipos de Estado (de Cidades autónomas a Reinos e Repúblicas), visando enfrentar em conjunto ameaças à sua integridade e sobrevivência. Independentemente do maior ou menor peso conferido ao soberano ou ao cidadão, à segurança ou à  liberdade (vejam-se os casos de Hobbes e Locke), a verdade é que a simples dominância da matriz contratualista colocava de modo incontornável o papel do indivíduo[2] no centro da construção do corpo político. Daqui se infere a importância da categoria de consentimento, que é um dos fundamentos de qualquer teoria da cidadania (Soromenho-Marques, 2011: 27-28; Mendes, 2015: 506-507).
No que toca a cidadania no posto de comando, o Federalismo contemporâneo introduz uma inversão na lógica política tradicional. Em vez do tradicional “dividir para reinar”, com que se traduzia a experiência de afirmação de líderes poderosos sobre povos inteiros, no Federalismo são os governos que são divididos e colocados ao serviço dos cidadãos. Na arquitectura essencial do federalismo encontramos dois sistemas políticos e de governo – o Federal e o Estadual –, cujas competências e limites são reconhecidos e articulados numa Lei Fundamental. O traço comum essencial desses dois sistemas de Poder é que ambos são controláveis e responsabilizáveis pelos cidadãos. Com efeito, um dos conceitos reitores do Federalismo é o de dupla cidadania, que significa que cada cidadão singular acumula os atributos do exercício da cidadania tanto no plano Estadual como no plano Federal. O cidadão intervém nas duas esferas essenciais da vida pública da Federação, a esfera do Estado e a esfera da União. O cidadão elege os seus representantes, participa no processo de elaboração das leis, é protegido nos seus direitos, e responsável pelo cumprimento dos seus deveres. O Federalismo constitui uma notável tentativa de resposta política aos problemas de um mundo cada vez mais globalizado. Trata-se de encontrar uma escala política que seja correspondente ao nível dos problemas enfrentados (Soromenho-Marques, 2011: 30; Mendes, 2015: 508-509).
O Federalismo duplo[3] implica a existência de dois campos de Poder mutuamente exclusivos e demarcados, o governo geral e o governo dos Estados, coexistentes no mesmo espaço territorial, mas com soberanias separadas e distintas, atuando de forma independente dentro da respectiva esfera, restringindo a acção Federal que pudesse invadir a autoridade regulamentadora Estadual (Stobe, 2016: 40).
Segundo Ponto. Nabais (2010b: 13, citado por Stobe, 2016: 40, 47) chama de Federalismo Perfeito ou propriamente dito [primeiro grau] – EUA, RFA, Suíça e Canadá – aquele que é construído da base para o topo, no qual os Estados se associam para criar uma nova entidade superior a eles, para a qual transferem uma série de Poderes. Por fim, tem-se um dualismo – dois centros de Poder: os Estados Membros (Federados) e o Estado Federal (União dos Estados Membros). Diz-se Federalismo Imperfeito ou fictício [segundo grau] – Brasil, Austrália, etc. –, aquele que é construído de cima para baixo, decorrente da descentralização política de Estados que, devido à imensidão de seu território ou à acentuada diversidade de suas gentes, constatam a impossibilidade de manter um centro único de autoridade, como é o caso brasileiro (Mendes, 2015: 290-291).
No contexto internacional, o Federalismo é indicado como solução para pacificação. Hannah Arendt (2015: 198, citada por Stobe, 2016: 51), põe em cheque a questão da soberania e afirma que os rudimentos de um novo conceito de Estado – Federalismo –, cuja vantagem é que o Poder não vem nem de cima nem de baixo, mas é dirigido horizontalmente de modo que as unidades Federadas refreiam e controlam mutuamente seus Poderes. Nesta ordem de ideias, a Juíza O’Connor afirmou que o Federalismo aumenta a oportunidade dos cidadãos participarem de um governo representativo, mais próximo, capaz de lidar melhor com os problemas locais e oferece um controle salutar sobre o Poder governamental (Schwartz, 1984: 76, citado por Stobe, 2016: 51).
Após intenso debate nacional – em 1787 na Convenção de Filadélfia[4], a Constituição americana incorporou o “triunfo do centro sobre a periferia e o triunfo do princípio dos controles e equilíbrios sobre o princípio da supremacia legislativa[5]” e criou um executivo nacional forte, um Senado poderoso e um judiciário nacional (Madison, Hamilton & Jay, 1993: 24-27, citado por Stobe, 2016: 39). Pelas suas características, a Federação é um modelo de organização do Estado que permite aproximar a vontade do cidadão da decisão do governo, possibilitando que o “dono do Poder”, que é o povo, participe da gestão da “coisa pública” (Stobe, 2016: 51).
A dinâmica Federal traduz-se por uma enorme capacidade de atracção e inclusão. O Federalismo convoca os cidadãos para a aventura de construir uma sociedade que não está necessariamente unida nem por um passado partilhado, nem pela língua, nem pela unidade étnica ou cultural, mas pelo projecto de um futuro comum com mais liberdade e paz. A Constituição, segundo Alexander Hamilton, consiste na extraordinária tarefa de responder à questão acerca da (im)possibilidade de estabelecer sociedades fundadas num governo baseado na “reflexão e na escolha”, rompendo com o jugo milenar de regimes políticos radicados no mero “acidente” ou na imposição da “força” (Soromenho-Marques, 2011: 30-31, 44, citado por Mendes, 2015: 509).
Em jeito de conclusão, deixo-vos (como é habitual) com algumas provocações para reflexão. Será que o Federalismo pode servir a Guiné-Bissau? Uma vez que os cidadãos guineenses não estão unidos por uma língua única, nem por uma unidade étnica e cultural, será que não podem unir-se em torno de um projecto de um futuro comum com mais liberdade e paz? Apreciem a explicação e as imagens, e tirem as vossas ilações, caros leitores.



[1] Para que a Guiné-Bissau seja um Estado Federal é preciso a existência de uma verdadeira Constituição da República, diferente da actual Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB» que o Estado tem apresentado. Pois, tal como tenho frisado várias vezes, ao longo dos meus estudos, a actual CRGB é um produto da luta armada de libertação nacional de um Partido-Estado PAIGC, que, ao tentar adaptar-se à Democracia de forma enganosa, não libertou os principais símbolos que são propriedades do Estado. As propriedades de um Estado democrático são do povo, com o seu território e Aparelho do Poder do Estado. Por estas razões, aconselho aos governantes, dirigentes partidários, decisores, sociedade civil e aos governados guineenses que abracem com urgência as principais propostas de mudança que tenho vindo apresentar (Mendes, 2015: 505).

[2] Aqui está uma boa oportunidade para refutar as palavras do PR da Guiné-Bissau, Jomav (discurso do fim do ano) e DSP (conversa da ‘guinendadi’ na Rádio Pindjiquiti), que trocaram ‘mimos’ sobre onde reside o problema da Instabilidade Política da Guiné-Bissau. Para um, esse problema reside no Sistema Político de Governo ou melhor, na Constituição da República, enquanto para outro, essa Instabilidade Política depende da mentalidade dos governantes políticos. Na minha maneira de ver, essa troca de ‘mimos’ entre os dois principais protagonistas do cenário político actual guineense, enquadra-se no meu post anterior [em que Platão opta pelo governo dos melhores homens, enquanto Aristóteles abraça o governo das melhores leis]. Mas, há quem acrescente que num bom sistema eleitoral, sistema político de governo, sistema de partidos políticos e regime político, mesmo os homens maus podem ser impedidos de fazer o mal. No entanto, quando se aposta nos maus sistemas políticos e regimes políticos, as coisas ficam piores: o mal cresce de forma exuberante e os homens bons são impedidos de fazerem o bem, e pode até acontecer que sejam obrigados a fazer o mal. Na verdade, esta articulação de pensadoresPlatão & Aristótelescomplementa-se, isto é, um bom regime político e sistema de governo necessitam de boas leis e principalmente de bons líderes, porque, segundo Platão o regime político e sistema de governo podem ser até bons, mas tudo vai depender de quem estiver no seu comando, o que pressupõe que, se o seu líder/chefe (governante) tiver a mentalidade de ditador, o regime político será conotado com a ditadura e o sistema partidário será conotado de monopartidário (Mendes, 2015: 530-531). No mesmo post, deixei esta advertência: Se os guineenses levarem em consideração que existem ‘boas leis na Guiné-Bissau’, então, o problema deve estar nos homens políticos, tal como argumenta Platão – fiel à sua cidade ideal – que prefere o governo daqueles que são protegidos pelas virtudes (verdadeiro saber e verdadeira razão), que muito naturalmente se colocam num plano superior às leis. Vou chamar a atenção a Jomav, DSP e aos Politólogos (todos aqueles que falam da política sem terem formação na área da Ciência Política) para terem contenção com o que dizem, porque tenho um extenso capítulo sobre a crise política guineense de 2014 a 2019.

[3] O Federalismo dos EUA é um Federalismo Perfeito em que se verificam, simultaneamente, uma estrutura de sobreposição [cada cidadão sujeito simultaneamente a dois Poderes Políticos e a dois Ordenamentos Constitucionais] e uma estrutura de participação [o Poder Político central como resultante da agregação dos Poderes políticos dos Estados Federados] (Miranda, 2005: 57).

[4] Os Anti-Federalistas afirmaram não se tratar de uma mera ‘Convenção’, mas de um sistema completo para o governo futuro dos Estados Unidos. Richard Henry Lee afirmava que sob a alegação de crise, os Federalistas queriam destruir por completo os governos estaduais e fazer dos Estados Unidos um sistema consolidado (Madison, Hamilton & Jay, 1993: 33, citado por Stobe, 2016: 39).
[5] Dizem Madison, Hamilton e Jay (1993: 338, citados por Stobe, 2016: 39) em O Federalista, p. 48: “em toda parte, o Legislativo estende a esfera de sua atividade e suga todo Poder para seu vórtice impetuoso”.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

A Importância Da União Política Na Guiné-Bissau


Caros leitores, antes de mais, Boas Festas a todos. Uma vez que me deparo com muitas dificuldades – de tempo, internet e energia - transformo o post de hoje num cabaz especial de Natal, para os meus leitores. No post de hoje vou falar da importância que a União Política pode ter para o bem-estar social, para a paz e segurança dos Guineenses e daqueles que gostam e escolhem a Guiné-Bissau como a sua segunda pátria. Nesta linha de reflexão, vou falar, em primeiro lugar, de um pequeno excerto de Alexis de Tocqueville em relação à importância da Ciência Política para a consolidação da Democracia. Em segundo lugar, vou apresentar uma pequena síntese de trilogia de debate sobre a importância de sermos governados pelas melhores leis ou pelos melhores homens ou ainda por um bom sistema/regime político. Em terceiro lugar, vou dar exemplo de um tipo de Homem com que podemos contar. Em quarto e último lugar, abro a possibilidade de os leitores se posicionarem para o lado que acharem conveniente.

Em primeiro lugar, devo confessar que estou consciente de que as minhas Propostas de Mudança podem abrir algumas frentes de combate, derivadas, principalmente do seu carácter inovador. Possivelmente, pelos seus aspectos positivos, porque trazem uma visão/mentalidade completamente nova da República e da Democracia guineense. Nesta ordem de ideias, tal como Alexis de Tocqueville descobriu uma sociedade nova – “os EUA” – onde vigora um Regime Político Democrático, também descobri e acredito que a Democracia ‘por Intermediação’, como fenómeno social e político, existe; e vou continuar a transmitir aos meus contemporâneos/conterrâneos que esta Democracia constitui inevitavelmente o presente e futuro político da Guiné-Bissau e do mundo, porque veio mesmo para ficar. E para combater a má governação e a instabilidade política da Guiné-Bissau, é necessária uma nova Ciência Política para uma nova visão/mentalidade da cultura política dos guineenses (Mendes, 2015: 550-551).
Em segundo lugar, ilustres leitores, tudo o que estamos a ver até agora não se conquista de Sábado para Domingo, na medida em que é um processo que atravessa vastos campos – político, económico, social e cultural – até constituir uma cadeia de relações de confiança e carisma (desde a família, a escola, os amigos, etc.). No entanto, a Democracia não é suficiente – é preciso perguntarmo-nos se é “preferível ser-se governado pelos melhores homens ou pelas melhores leis”. Platão[1] opta pelo governo dos melhores homens, enquanto Aristóteles abraça o governo das melhores leis. Mas, há quem acrescente que num bom sistema eleitoral, sistema político de governo, sistema de partidos políticos e regime político, mesmo os homens maus podem ser impedidos de fazer o mal. No entanto, quando se aposta nos maus sistemas políticos e regimes políticos, as coisas ficam piores: o mal cresce de forma exuberante e os homens bons são impedidos de fazerem o bem, e pode até acontecer que sejam obrigados a fazer o mal. Na verdade, esta articulação de pensadores – Platão & Aristóteles – complementa-se, isto é, um bom regime político e sistema de governo necessita de boas leis e principalmente de bons líderes, porque, segundo Platão o regime político e sistema de governo podem ser até bons, mas tudo vai depender de quem estiver no seu comando, o que pressupõe que, se o seu líder/chefe (governante) tiver a mentalidade de ditador, o regime político será conotado com a ditadura e o sistema partidário será conotado de monopartidário (Mendes, 2015: 530-531).
Seguindo o mesmo raciocínio, o desafio dos guineenses consiste em encontrar um líder com os traços de carácter que precisam de ser trabalhados. Eu sugeria que constassem do Tratado Político de Governação «TPG» da Guiné-Bissau, as competências exclusivas dos governantes, membros de governo, líderes partidários, decisores, etc., que fossem avaliadas pelas Áreas de Estudos - Órgão Consultivo Multidisciplinar Imparcial «AE-OCMI» (Mendes, 2015: 531).
Em terceiro lugar, para a União Política Na Guiné-Bissau, atrevo-me dizer que é preciso ter em conta a máxima de Jacques Delors acerca de Jean Monnet: «Há duas categorias de homens: aqueles que querem ser alguém e os que querem fazer alguma coisa». Para Jacques Delors, Jean Monnet pertencia por inteiro à segunda espécie, tal como os governantes e políticos guineenses deveriam fazer algo de bom para a Guiné-Bissau. À semelhança de Jean Monnet, parece-me também que uma das formas viáveis de atingirmos esse fim é abraçarmos o método dos pequenos passos, ou seja: começar num sector-chave da União Política dos Guineenses, ou seja, a modernização do sector político como altamente prioritária; alargar paulatinamente o projecto a outros domínios – educação, saúde, justiça, economia, defesa e segurança, energia, cultura; e deixar para o fim a união e modernização dos outros domínios. É esta que deve ser a nossa tarefa como Politicólogos [Cientistas Políticos] que Alexis de Tocqueville referia: imaginar, convencer os mais reticentes, e trabalhar para garantir a unidade, que poderá assegurar para o futuro a paz entre os guineenses. É preciso trabalhar o sistema eleitoral, o sistema de partidos políticos, o sistema político de Governo, a forma do Governo e do Estado, as mentalidades, os discursos e acções dos governantes, da classe política, os decisores e governados guineenses, e colocá-los sob a direcção e fiscalização de um Aparelho do Poder do Estado – AE-OCMI – nunca antes visto. Acredito que, desta forma, a longo prazo, a Guiné-Bissau pode transformar-se numa das Nações mais bem-sucedidas do planeta (Mendes, 2015: 477-478).
A Guiné-Bissau não se construirá de um só golpe por acção de um ‘partido político’ com um mandato de quatro anos, nem por meio de uma solução de fanatismo ideológico baseada nos principais ‘partidos políticos’ com a sua respectiva sede de apoio de Poder, grupos de interesses/pressão e grupos parapolíticos: a Guiné-Bissau há-de fazer-se com passos lentos e seguros, através de realizações concretas, criando, antes de mais, uma solidariedade de facto, desenvolvida num período de amadurecimento político com dois mandatos alargados, sob a tutela da alta autoridade da AE-OCMI, na pessoa de um Pivô Político Excelente – verdadeiro líder – incumbido de uma equipa composta por personalidades independentes, designadas de modo paritário de todas as facetas da sociedade guineense. A União Política na Guiné-Bissau, deve ser encarada como um projecto para unificar todos os cidadãos, políticos e militares guineenses, sem passar pela força das armas. Considero que poderá ser uma oportunidade para – pela primeira vez – os guineenses se agruparem em torno de objectivos comuns, passando por cima das clivagens da política interna da Guiné-Bissau. O impulsionamento dessa União Política de grande envergadura não será tarefa fácil para qualquer guineense; será necessário ter e manter muita fé no ideal abraçado, muito tacto diplomático/político e uma infinita paciência, humildade e discreta tenacidade (Mendes, 2015: 478).
Em quarto e último lugar, caros leitores, para a vossa consideração, é frequente ver estes casos de Jean Monnet – antes e depois dele – com uma mentalidade e visão de “longevidade” da União Política em diferentes cantos do mundo, por parte de partidos políticos e líderes carismáticos: Esta realidade é mais notória nos EUA, onde a esmagadora maioria dos Pais Fundadores da Carta da Independência de 1776-1787 – George Washington, Thomas Jefferson, James Madison, Alexander Hamilton, John Jay – governaram sucessivamente de forma alternada até que a Constituição da República institucionalizasse, de forma sólida, um conjunto de elementos-chave. Hoje em dia, os americanos estão a desfrutar do brilhante trabalho, fruto da União Política dos seus melhores homens. Na Suécia, um partido político governou em coligação durante 40 anos. Hoje podemos dizer que foi com base nas ideias de Ernest Wigforss que a Suécia conseguiu – ao longo do séc. XX – tornar-se num dos países mais prósperos e desenvolvidos do mundo, em termos de eficiência económica, justiça social e de qualidade de vida, incluindo um elevado nível de protecção ambiental. O modelo político sueco[2] (ou nórdico) tem sido muito elogiado, havendo evidências de que os nórdicos serão psicológica e sociologicamente muito igualitários. Em França, Charles De Gaulle teve um papel na origem do Sistema Político de Governo Misto Semipresidencialista – fez a «grande coligação para a União Política dos Franceses», incluindo todos os principais partidos políticos do país, do mais Conservador até ao Partido Comunista, para preparar a reconstrução do país numa fase pós-guerra profundamente traumática; como chefe do Governo, fez abortar o golpe; em três meses, obteve a aprovação de uma nova Constituição e foi eleito Presidente da República «PR» em Dezembro, tendo desempenhado o cargo durante mais de 10 anos seguidos. No Botswana, o Partido Democrático do Botswana “BDP” governou o país desde 1965 até hoje com uma estabilidade política superior à de muitos países europeus. No Senegal, desde 1960 com Leopoldo Sédar Senghor até às actuais lideranças senegalesas, há uma estabilidade política democrática, tal como em Cabo Verde desde a década de 1990 (Mendes, 2015: 474-479).
Para terminar, convido os meus leitores a reflectirem sobre a União Política dos Sul-Africanos e sobre o efeito indiscutível de Nelson Mandela, que teve também a capacidade de unir o seu povo, enquadrando-se na figura de verdadeiro líder[3] político, algo que faz muita falta na Guiné-Bissau (Mendes, 2015: 460-461).


[1] Se os guineenses levarem em consideração que existem ‘boas leis na Guiné-Bissau’, então, o problema deve estar nos homens políticos, tal como argumenta Platão – fiel à sua cidade ideal – que prefere o governo daqueles que são protegidos pelas virtudes (verdadeiro saber e verdadeira razão), que muito naturalmente se colocam num plano superior às leis.

[2] Há, contudo, factores eminentemente políticos que ajudam a explicar o êxito inegável do PSDS: a aliança leal com um ou outro dos partidos ditos burgueses seduzidos para programas de governo reformistas, honestamente negociados e cumpridos; a aliança natural com a maior central sindical blue colar; o investimento maciço do partido e dos sindicatos na comunicação social e no sector editorial. Esta estratégia, muito perspicaz, resultou de forma inegável na Suécia (Mendes, 2015: 476-477).
[3] No plano da liderança política, daí decorre que o líder político terá uma virtude tal «que convide os outros a imitá-lo, que, pelo esplendor da sua alma e da sua vida, se apresente como espelho para os seus concidadãos» (Cícero, 2008: 43-44, 162-163, 255).