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segunda-feira, 18 de abril de 2016

Sobre as eleições antecipadas e a proposta de Miguel Trovoada

Estimados leitores, este post divide-se em três partes. Começo por apresentar as vozes que têm defendido a realização de eleições presidenciais e legislativas antecipadas na Guiné-Bissau. E aproveito estas notícias para reflectir sobre o sistema eleitoral guineense e sobre as consequências destas sucessivas quedas de Governos na evolução política do país. Finalmente, analiso a proposta de Miguel Trovoada de realização de um fórum de debate e reflexão sobre a instabilidade política na Guiné-Bissau, tecendo algumas conjecturas sobre as suas motivações.

Em Agosto de 2015, Cipriano Cassamá, presidente da Assembleia Nacional Popular «ANP» afirmou não ter dúvidas de que o próximo passo do Presidente da República «PR» José Mário Vaz «Jomav» seria "a dissolução do Parlamento". Tal como ele, vários deputados, sobretudo, os da bancada que suportava o Governo de Domingos Simões Pereira «DSP», defendiam a realização de eleições gerais, legislativas e presidenciais (Sic Notícias, 13-08-2015). João Bernardo Vieira, porta-voz do PAIGC e Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, defendeu isso mesmo publicamente, alguns dias antes das declarações de Cipriano Cassamá (Voz da América, 08-08-2015), alertando que esta crise poderia conduzir à necessidade de convocação de eleições presidenciais e legislativas antecipadas. Oito meses depois, Bilone Nhasse, dirigente da organização das mulheres do PAIGC anunciou que apenas eleições gerais (presidenciais e legislativas) antecipadas podem tirar o país da situação caótica em que se encontra (Angop, 15-04-2016).
O pedido de eleições gerais na Guiné-Bissau obriga-nos a reflectir sobre o sistema eleitoral guineense e sobre as consequências destas sucessivas quedas de Governos na evolução política do país.
O defeito do sistema eleitoral da representação proporcional segundo o método de Hondt dá-nos a entender que o sistema eleitoral guineense é, no fundo, um sistema de endividamento e de estagnação do país. Por estas razões concordo com a preocupação do Prof. Doutor Kafft Kosta, na medida em que quem ganha com este endividamento é o credor (comunidade internacional) e quem perde é o devedor (Guiné-Bissau). Ou seja: «não há dinheiro e andamos a fazer todos os esforços para a angariação dos recursos necessários para a realização das eleições presidenciais de 5 em 5 anos e legislativas de 4 em 4 anos (e/ou com quedas constantes de Governos) na data marcada; solicitamos à comunidade internacional que disponibilize os recursos (financeiros, materiais e humanos) necessários», sabendo que «os países doadores se envolvem nestes gestos de modo a obterem mais-valias para os seus bolsos». Ou melhor, a comunidade internacional «actua, às vezes, sob capa de cooperante, fazendo lembrar aqueles bombeiros que apagam o fogo com gasolina». Este sistema eleitoral enquadra-se também na noção de Milton Obote de que as «eleições são a via para controlar o povo[1] e não para o povo controlar o Poder dos governantes». Parafraseando Rousseau, o povo guineense pensa ser livre, mas ele engana-se redondamente; ele só é livre durante a eleição dos membros da ANP e do PR; assim que estes são eleitos, o povo torna-se escravo. E atendendo as consequências que temos observado, nos curtos momentos da sua liberdade, o uso que o povo faz da sua liberdade justifica bem que a perca (Kosta, 2007: 277-281, 467, 654; Lin, 2001: 19, citado por Portugal, 2007: 15; Rousseau, 1762: 430 citado por Soromenho-Marques, 2011: 98).
O recurso a uma eleição legislativa antecipada não deve ser categoricamente descartado, tal como a possibilidade de um Governo de Iniciativa Presidencial «GIP». Tudo dependerá da realpolitik[2] e da ética de responsabilidade em causa. Neste sentido, vale a pena analisar a proposta do representante das Nações Unidas «N.U.» para a Guiné-Bissau – Miguel Trovoada. Sob proposta de Miguel Trovoada, realizar-se-á a 27 e 28 de Abril, um fórum de debate e reflexão que incluirá «instituições de Estado, partidos políticos, sociedade civil, forças religiosas e toda a gente para falar das causas da instabilidade e das grandes vantagens que adviriam para o país se de facto contasse com uma plataforma que garantisse a estabilidade» (Rádio ONU, 15-04-2016).
Bem analisada, esta proposta do representante das N.U. revela uma preocupação que vai de braço dado com a filosofia política da ala pró-DSP. Mas por detrás da sua preocupação avista-se uma grande suspeita, que me leva a fazer algumas conjecturas. Em primeiro lugar, se eu olhar para o slogan que diz “é melhor tarde que nunca”, questiono a razão pela qual Miguel Trovoada não apresentou uma proposta deste género durante esta longa instabilidade política em que a Guiné-Bissau se encontra mergulhada. Espero que Miguel Trovoada não convide para esse debate de ideias os mesmos protagonistas de sempre. Em segundo lugar, se a proposta de Miguel Trovoada for interpretada como “uma manobra dilatória” cuja intenção é de distrair/adiar a decisão do PR Jomav de derrubar o Governo (para que a ala pró-DSP possa ganhar tempo), então isso poderá levar a ala pró-Jomav a acelerar a queda do Governo de Carlos Correia através da pressão dos 15 Deputados, PRS e alguns veteranos de guerra sobre o PR Jomav. Em terceiro lugar, se o PR Jomav perceber que há um acordo entre a ala pró-DSP e o PRS para este partido integrar o Governo numa eventual remodelação governamental, pode ter dificuldade em derrubar o PM Carlos Correia. Mas também pode acontecer (embora seja pouco provável) um acordo de paz dentro do PAIGC (incluindo, por exemplo, o Governo e os 15 Deputados) que não seja do agrado do Jomav. Se Jomav se sentir encurralado tanto com a reviravolta do PRS como com a dos 15 Deputados no xadrez político, caber-lhe-á a última a palavra.
Para terminar, coloco à disposição de todos um aviso, que poderá ser útil tanto para a ala pró-DSP como para a ala pró-Jomav. Na política tal como na guerra: a) «quando cercares um exército, deixa uma saída livre». Isto não quer dizer que deixe o inimigo escapar. O objectivo é «fazê-lo crer que existe um caminho para a segurança, assim evitando que ele lute com a coragem do desespero». Se quiseres «depois, podes esmagá-lo»; b) «não pressiones demasiado um inimigo desesperado», pois «quando encurralados, os animais usam as suas garras e dentes para lutar até a morte». Por isso é que alguns guineenses pensam por vezes que o Gato se transforma numa Onça quando é encurralado num quarto; c) «Aquele que deixa escapar uma vantagem/oportunidade, atrairá para si próprio o verdadeiro desastre» (Sun Tzu, 2007: 120, 127). Portanto, para as partes em confronto, quem não tiver estes preceitos em consideração, está sujeito a engolir não só o isco, mas também o anzol, a linha, a bóia e o chumbo.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 356, 441-442). Lisboa: Chiado Editora.




[1] Parafraseando Plutarco, desenganem-se os que acreditam que na Democracia guineense o Povo é que manda. O Modelo Político de Governação em vigor na Guiné-Bissau faz notar que cabe ao Presidente da República «PR» (formalmente) a última palavra em muitas matérias e o seu veredicto é definitivo, pelo que, na verdade, é a ele que compete (e não à Assembleia nem ao Primeiro-Ministro) a voz todo-poderosa da Democracia (Keane, 2009: 78-79; CRGB, 1996: art. 68º-70º, 104º).
[2] A realpolitik pode ser entendida como a capacidade de ler/interpretar e assumir o mundo tal como ele é. Nesta perspectiva, Lord Palmerston defende que «nós não temos aliados eternos ou inimigos perpétuos, só os nossos interesses são eternos e perpétuos e é nosso dever segui-los» (Mendes, 2015: 189-190; Palmeira, 2006: 60). Na ética da responsabilidade (segundo Max Weber), o indivíduo preocupa-se com as consequências da sua própria acção. Neste sentido, aceita a irracionalidade do mundo, tendo consciência que nem sempre as boas acções resultam em coisas boas e as más acções em coisas más (Weber, 2005: 107).

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