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quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O Futuro Político da Guiné-Bissau Está no Federalismo Perfeito [Segunda Parte]

Ilustres leitores, um especial cumprimento a todos. O post de hoje vai constituir a segunda parte do post anterior. Vou começar por reforçar algumas ideias-chave do Federalismo Perfeito debatidas pelos construtores do Modelo Político dos EUA. O objectivo central do título deste post – o Futuro Político da Guiné-Bissau Está no Federalismo Perfeito – é convidar os intelectuais guineenses e amigos da Guiné-Bissau a reflectirem sobre uma das soluções políticas estáveis e duradouras para o bem-estar da Nação Guineense. É um post que facilita a compreensão de que um Bom Modelo Político precisa de Políticos de Virtudes & Governantes com Prudência.
      A primeira inovação da experiência norte-americana – no domínio do Federalismo Perfeito – reside na própria ideia de Constituição como lei fundamental, que deveria regular as relações entre Governantes e Governados na base dos conceitos fundamentais de soberania popular e de igualdade de todos os Cidadãos perante a lei. A Constituição Federal implicava, no dizer de Hamilton, uma mudança radical no ponto de vista que presidia à sua construção. O centro de gravidade assentava numa concepção prospectiva, visando prever e satisfazer necessidades de um futuro longínquo e estratégico. Era uma Constituição que vivia a expectativa do porvir e que procurava responder às necessidades e aos desafios que aguardavam no presente o seu momento de aparecimento. Hamilton dizia «as Constituições de Governo Civil, não devem ser estruturadas apenas com base numa avaliação das exigências existentes, mas sim com base numa combinação destas com as exigências prováveis dos séculos, em conformidade com o curso natural e experimentado dos assuntos humanos (…)». Deve existir uma capacidade para providenciar as contingências futuras à medida que ocorram. A Constituição Federal americana rompia com o passado e com o presente para entrar nos terrenos inéditos do futuro. Esta Constituição coincidia com o próprio nascimento da ordem política, jurídica e administrativa da nova nação (Soromenho-Marques, 2011: 79-81; Mendes, 2015: 511).
      Nesta ordem de ideias, Thomas Paine propôs que a Revolução Americana marcasse o início de uma nova era na história do mundo, tornando-se o paradigma do contrato social, já não como ficção reguladora ou ideia racional, mas como referência factual e concreta. A melhor Constituição para Madison é aquela que melhor protege os direitos das minorias, e dessa minoria mínima que é o indivíduo. É aquela [Constituição] que garante os direitos dos derrotados em actos eleitorais, protegendo-os da ignóbil/vergonhosa tentação para os forçar a confundir liberdade com obediência à vontade da maioria. O que significa que um dos motivos pelos quais se deve respeitar a minoria, em vez de “a obrigar a ser livre”, é porque a minoria pode estar certa, e a maioria errada. É por isso que a política se manifesta, para Madison, como uma actividade que implica uma forte componente científica. Neste sentido, a grande novidade da Constituição norte-americana consiste na sua dupla natureza. Por um lado, a Constituição norte-americana é Republicana, quanto à organização em departamentos distintos do Sistema de Governo, e por outro lado, a Constituição norte-americana é Federal, no que concerne à fragmentação pelo espaço geográfico dos diversos dispositivos e competências governamentais. O republicanismo significa a constituição de um Estado fundado na soberania popular, no império das leis, na separação de Poderes, no respeito pelas minorias e pelos indivíduos (Soromenho-Marques, 2011: 81, 84, 86-87; Mendes, 2015: 511-512).
      O republicanismo, fundado no princípio de que o Povo elege de entre si os melhores representantes – Governantes & Decisores – para as mais altas esferas da governação, poderia permitir a selecção dos Cidadãos com maior preparação académica e científica, aliadas à dedicação à causa pública, para o desempenho das tarefas de gestão política. O uso da política ligada à forte componente científica é adequado, contudo, ligado a uma dimensão de dignidade ética e de elevação intelectual dos representantes, sobretudo daqueles escolhidos para altos cargos na Administração Federal. Esse republicanismo patente na Constituição Federal aprofunda “o princípio da representação” que os Antigos apenas imperfeitamente conheciam. Nas palavras de Madison «a verdadeira distinção entre estes Governos [os Regimes Políticos de Democracia da antiguidade] e os americanos [tanto o da União como o dos Estados] reside na total exclusão do Povo da administração, na sua capacidade colectiva, de qualquer participação nos últimos [EUA], e não na total exclusão dos representantes do Povo da administração dos primeiros [Democracias antigas]». A Constituição Federal não é só um texto incompleto, como é um texto aberto, um texto seminal contendo possibilidades adormecidas, aguardando o melhor momento para germinar (Soromenho-Marques, 2011: 86-87, 89; Mendes, 2015: 512).
      Verificamos aqui fortes semelhanças com a estrutura do meu Modelo Político de Governação para a Guiné-Bissau, com os seus respectivos três blocos. Ao contrário do Federalismo Clássico/Antigo, que era essencialmente construído a partir de fora, isto é, em função das exigências de coordenação defensiva contra ameaças militares externas, e a partir de cima, pela articulação dos órgãos de cúpula das diversas unidades, o Federalismo Americano/Contemporâneo era determinado a partir de dentro, pelas necessidades de manutenção das liberdades e direitos republicanos, e a partir da base, na medida em que os Cidadãos constituíam a única e mais radical fonte de Poder para ambas as séries de Sistemas Políticos (da União e dos Estados). Essa viragem fundamental que Hamilton expressa do seguinte modo: «(…) temos de alargar a autoridade da União às pessoas dos Cidadãos – os únicos objectos próprios de governação»; também se pode designar sinteticamente por dupla cidadania, e conduz à constituição de um Sistema Político geral ou comum que assegura as tarefas da governação, no âmbito de toda a União, em torno do núcleo reduzido, mas fundamental de competências. Essas competências permitem o estabelecimento de uma relação directa entre o Cidadão e o Sistema Político da União, quer em matéria de direitos, quer no tocante a deveres, sem ser necessária a mediação dos Governos Estaduais. Desta forma, é o Cidadão que se situa no centro do Sistema Político, a igual distância e com idênticas prerrogativas, tanto perante o seu Governo Estadual como face ao Sistema Político propriamente Federal (Soromenho-Marques, 2011: 91-92; Mendes, 2015: 513).
      Na verdade, os Pais Fundadores do Modelo americano tinham perfeita consciência da necessidade de agilizar as relações entre os diversos Poderes no quadro Federal. O Poder legislativo, através das duas câmaras, a dos Representantes e o Senado, o Poder executivo, cujo rosto é o Presidente Federal eleito, e o Poder judicial, cujo cume é constituído pelos juízes do Supremo Tribunal, estabelecem entre si diferentes relações de controlo e vigilância mútuas, permitindo a criação de um autêntico sistema de checks and balances ou “freios e contrapesos”. Para Hamilton, numa República Simples, todo o Poder entregue pelo Povo é submetido à administração de um único Governo, e as usurpações são prevenidas por uma divisão do Governo em departamentos distintos e separados. Na República Composta de América [e, eventualmente, da Guiné-Bissau], o Poder entregue pelo Povo é, primeiramente, dividido por dois Governos distintos, e, depois, a parte atribuída a cada um deles é subdividida entre departamentos distintos e separados. Surge deste modo uma dupla segurança para os direitos do Povo. Os diferentes Governos controlar-se-ão mutuamente ao mesmo tempo que cada um deles será controlado por si próprio (Soromenho-Marques, 2011: 93, 96-97; Mendes, 2015: 513-514).
            Numa República é de grande importância não só defender a sociedade contra a opressão dos seus Governantes, mas defender cada parte da sociedade contra a injustiça da outra parte. Existem necessariamente diferentes interesses em diferentes classes de Cidadãos. Se uma maioria estiver unida por um interesse comum, os direitos da minoria ficarão pouco seguros. Embora toda a sua autoridade deva ser derivada e depender da sociedade, a própria sociedade será fragmentada em tantas partes, interesses e classes de Cidadãos, que os direitos dos indivíduos, ou da minoria, correrão pouco perigo de quaisquer conluios de interesses da maioria. Num Governo livre, a segurança para os direitos civis deve ser a mesma que para os direitos religiosos (Soromenho-Marques, 2011: 97; Mendes, 2015: 514).

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