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terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Federalismo Como Solução Política Para a Guiné-Bissau [Primeira Parte]


Magníficos leitores, desejo-vos Boas Entradas. Faço votos para que 2019 seja o melhor de todos os anos. No post de hoje, vou falar (na Primeira Parte) do ‘Federalismo Como Solução Política’ para a Guiné-Bissau. Vou dividir este post em dois pontos: No primeiro ponto, vou descrever, em síntese, os aspectos esclarecedores do Federalismo. Neste ponto, vou aproveitar a oportunidade para alertar aos meus leitores para apreciarem, na nota de rodapé n.º 2, os comentários do Presidente da República «PR», José Mário Vaz «Jomav», vulgo de ‘Zeca’; e do Presidente do PAIGC, Domingos Simões Pereira «DSP», vulgo de ‘Matchú’. Ainda sobre a Revisão da CRGB, pode ser encontrada no meu livro (Mendes, 2015: 448, 505) e no livro de Kafft Kosta (2007: 35, 245-246, 255-261, 527). No segundo ponto, vou falar da pequena diferença que existe entre Federalismo Perfeito e Imperfeito. Em jeito de conclusão, deixarei (como é habitual) algumas provocações para reflexão.
Primeiro Ponto. Quer pela história recente, quer pela hierarquia dos Poderes dominante no Ocidente no século XX, o Federalismo é sempre avaliado em relação ao modelo que rege os EUA: trata-se de um sistema político [ou melhor, forma de Estado] em que o governo (Federal) tem e exerce um Poder central, incluindo o legislativo, o executivo, e judicial, enquadrando uma base de Estados, com estatuto de igualdade, submissos a uma Constituição[1] comum que lhe respeita as especificidades (Moreira, 2011: 16, prefácio). O Federalismo não resulta necessariamente da proximidade ou da afinidade, mas do perigo que se adivinha na manutenção de uma eventual completa independência das partes que são convidadas ao compromisso Federal. Os laços Federais estabelecem-se entre unidades políticas que ou foram inimigas, ou poderão vir a sê-lo. Mas a tensão é difícil, requer energia e perseverança, exige uma liderança responsável e atenta (Soromenho-Marques, 2011: 26; Mendes, 2015: 506).
A força do Federalismo como solução política reside no seu universalismo e o verdadeiro alcance da experiência americana consiste no facto de ela ser uma sementeira de novos tempos. A palavra Federalismo deriva do conceito latino “Foedus”, que significa Tratado, Contrato, União, Aliança, entre outros sentidos possíveis, localizáveis no mesmo campo semântico. A ideia de Federalismo sugere, assim, um acordo entre entidades políticas soberanas, gozando de um estatuto formalmente idêntico, visando prosseguir em conjunto objectivos que a cada um dos membros da aliança, possibilitada pelo acordo, seria impossível de atingir. A experiência histórica é fértil nesse tipo de fenómenos, de ligas e uniões entre diversos tipos de Estado (de Cidades autónomas a Reinos e Repúblicas), visando enfrentar em conjunto ameaças à sua integridade e sobrevivência. Independentemente do maior ou menor peso conferido ao soberano ou ao cidadão, à segurança ou à  liberdade (vejam-se os casos de Hobbes e Locke), a verdade é que a simples dominância da matriz contratualista colocava de modo incontornável o papel do indivíduo[2] no centro da construção do corpo político. Daqui se infere a importância da categoria de consentimento, que é um dos fundamentos de qualquer teoria da cidadania (Soromenho-Marques, 2011: 27-28; Mendes, 2015: 506-507).
No que toca a cidadania no posto de comando, o Federalismo contemporâneo introduz uma inversão na lógica política tradicional. Em vez do tradicional “dividir para reinar”, com que se traduzia a experiência de afirmação de líderes poderosos sobre povos inteiros, no Federalismo são os governos que são divididos e colocados ao serviço dos cidadãos. Na arquitectura essencial do federalismo encontramos dois sistemas políticos e de governo – o Federal e o Estadual –, cujas competências e limites são reconhecidos e articulados numa Lei Fundamental. O traço comum essencial desses dois sistemas de Poder é que ambos são controláveis e responsabilizáveis pelos cidadãos. Com efeito, um dos conceitos reitores do Federalismo é o de dupla cidadania, que significa que cada cidadão singular acumula os atributos do exercício da cidadania tanto no plano Estadual como no plano Federal. O cidadão intervém nas duas esferas essenciais da vida pública da Federação, a esfera do Estado e a esfera da União. O cidadão elege os seus representantes, participa no processo de elaboração das leis, é protegido nos seus direitos, e responsável pelo cumprimento dos seus deveres. O Federalismo constitui uma notável tentativa de resposta política aos problemas de um mundo cada vez mais globalizado. Trata-se de encontrar uma escala política que seja correspondente ao nível dos problemas enfrentados (Soromenho-Marques, 2011: 30; Mendes, 2015: 508-509).
O Federalismo duplo[3] implica a existência de dois campos de Poder mutuamente exclusivos e demarcados, o governo geral e o governo dos Estados, coexistentes no mesmo espaço territorial, mas com soberanias separadas e distintas, atuando de forma independente dentro da respectiva esfera, restringindo a acção Federal que pudesse invadir a autoridade regulamentadora Estadual (Stobe, 2016: 40).
Segundo Ponto. Nabais (2010b: 13, citado por Stobe, 2016: 40, 47) chama de Federalismo Perfeito ou propriamente dito [primeiro grau] – EUA, RFA, Suíça e Canadá – aquele que é construído da base para o topo, no qual os Estados se associam para criar uma nova entidade superior a eles, para a qual transferem uma série de Poderes. Por fim, tem-se um dualismo – dois centros de Poder: os Estados Membros (Federados) e o Estado Federal (União dos Estados Membros). Diz-se Federalismo Imperfeito ou fictício [segundo grau] – Brasil, Austrália, etc. –, aquele que é construído de cima para baixo, decorrente da descentralização política de Estados que, devido à imensidão de seu território ou à acentuada diversidade de suas gentes, constatam a impossibilidade de manter um centro único de autoridade, como é o caso brasileiro (Mendes, 2015: 290-291).
No contexto internacional, o Federalismo é indicado como solução para pacificação. Hannah Arendt (2015: 198, citada por Stobe, 2016: 51), põe em cheque a questão da soberania e afirma que os rudimentos de um novo conceito de Estado – Federalismo –, cuja vantagem é que o Poder não vem nem de cima nem de baixo, mas é dirigido horizontalmente de modo que as unidades Federadas refreiam e controlam mutuamente seus Poderes. Nesta ordem de ideias, a Juíza O’Connor afirmou que o Federalismo aumenta a oportunidade dos cidadãos participarem de um governo representativo, mais próximo, capaz de lidar melhor com os problemas locais e oferece um controle salutar sobre o Poder governamental (Schwartz, 1984: 76, citado por Stobe, 2016: 51).
Após intenso debate nacional – em 1787 na Convenção de Filadélfia[4], a Constituição americana incorporou o “triunfo do centro sobre a periferia e o triunfo do princípio dos controles e equilíbrios sobre o princípio da supremacia legislativa[5]” e criou um executivo nacional forte, um Senado poderoso e um judiciário nacional (Madison, Hamilton & Jay, 1993: 24-27, citado por Stobe, 2016: 39). Pelas suas características, a Federação é um modelo de organização do Estado que permite aproximar a vontade do cidadão da decisão do governo, possibilitando que o “dono do Poder”, que é o povo, participe da gestão da “coisa pública” (Stobe, 2016: 51).
A dinâmica Federal traduz-se por uma enorme capacidade de atracção e inclusão. O Federalismo convoca os cidadãos para a aventura de construir uma sociedade que não está necessariamente unida nem por um passado partilhado, nem pela língua, nem pela unidade étnica ou cultural, mas pelo projecto de um futuro comum com mais liberdade e paz. A Constituição, segundo Alexander Hamilton, consiste na extraordinária tarefa de responder à questão acerca da (im)possibilidade de estabelecer sociedades fundadas num governo baseado na “reflexão e na escolha”, rompendo com o jugo milenar de regimes políticos radicados no mero “acidente” ou na imposição da “força” (Soromenho-Marques, 2011: 30-31, 44, citado por Mendes, 2015: 509).
Em jeito de conclusão, deixo-vos (como é habitual) com algumas provocações para reflexão. Será que o Federalismo pode servir a Guiné-Bissau? Uma vez que os cidadãos guineenses não estão unidos por uma língua única, nem por uma unidade étnica e cultural, será que não podem unir-se em torno de um projecto de um futuro comum com mais liberdade e paz? Apreciem a explicação e as imagens, e tirem as vossas ilações, caros leitores.



[1] Para que a Guiné-Bissau seja um Estado Federal é preciso a existência de uma verdadeira Constituição da República, diferente da actual Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB» que o Estado tem apresentado. Pois, tal como tenho frisado várias vezes, ao longo dos meus estudos, a actual CRGB é um produto da luta armada de libertação nacional de um Partido-Estado PAIGC, que, ao tentar adaptar-se à Democracia de forma enganosa, não libertou os principais símbolos que são propriedades do Estado. As propriedades de um Estado democrático são do povo, com o seu território e Aparelho do Poder do Estado. Por estas razões, aconselho aos governantes, dirigentes partidários, decisores, sociedade civil e aos governados guineenses que abracem com urgência as principais propostas de mudança que tenho vindo apresentar (Mendes, 2015: 505).

[2] Aqui está uma boa oportunidade para refutar as palavras do PR da Guiné-Bissau, Jomav (discurso do fim do ano) e DSP (conversa da ‘guinendadi’ na Rádio Pindjiquiti), que trocaram ‘mimos’ sobre onde reside o problema da Instabilidade Política da Guiné-Bissau. Para um, esse problema reside no Sistema Político de Governo ou melhor, na Constituição da República, enquanto para outro, essa Instabilidade Política depende da mentalidade dos governantes políticos. Na minha maneira de ver, essa troca de ‘mimos’ entre os dois principais protagonistas do cenário político actual guineense, enquadra-se no meu post anterior [em que Platão opta pelo governo dos melhores homens, enquanto Aristóteles abraça o governo das melhores leis]. Mas, há quem acrescente que num bom sistema eleitoral, sistema político de governo, sistema de partidos políticos e regime político, mesmo os homens maus podem ser impedidos de fazer o mal. No entanto, quando se aposta nos maus sistemas políticos e regimes políticos, as coisas ficam piores: o mal cresce de forma exuberante e os homens bons são impedidos de fazerem o bem, e pode até acontecer que sejam obrigados a fazer o mal. Na verdade, esta articulação de pensadoresPlatão & Aristótelescomplementa-se, isto é, um bom regime político e sistema de governo necessitam de boas leis e principalmente de bons líderes, porque, segundo Platão o regime político e sistema de governo podem ser até bons, mas tudo vai depender de quem estiver no seu comando, o que pressupõe que, se o seu líder/chefe (governante) tiver a mentalidade de ditador, o regime político será conotado com a ditadura e o sistema partidário será conotado de monopartidário (Mendes, 2015: 530-531). No mesmo post, deixei esta advertência: Se os guineenses levarem em consideração que existem ‘boas leis na Guiné-Bissau’, então, o problema deve estar nos homens políticos, tal como argumenta Platão – fiel à sua cidade ideal – que prefere o governo daqueles que são protegidos pelas virtudes (verdadeiro saber e verdadeira razão), que muito naturalmente se colocam num plano superior às leis. Vou chamar a atenção a Jomav, DSP e aos Politólogos (todos aqueles que falam da política sem terem formação na área da Ciência Política) para terem contenção com o que dizem, porque tenho um extenso capítulo sobre a crise política guineense de 2014 a 2019.

[3] O Federalismo dos EUA é um Federalismo Perfeito em que se verificam, simultaneamente, uma estrutura de sobreposição [cada cidadão sujeito simultaneamente a dois Poderes Políticos e a dois Ordenamentos Constitucionais] e uma estrutura de participação [o Poder Político central como resultante da agregação dos Poderes políticos dos Estados Federados] (Miranda, 2005: 57).

[4] Os Anti-Federalistas afirmaram não se tratar de uma mera ‘Convenção’, mas de um sistema completo para o governo futuro dos Estados Unidos. Richard Henry Lee afirmava que sob a alegação de crise, os Federalistas queriam destruir por completo os governos estaduais e fazer dos Estados Unidos um sistema consolidado (Madison, Hamilton & Jay, 1993: 33, citado por Stobe, 2016: 39).
[5] Dizem Madison, Hamilton e Jay (1993: 338, citados por Stobe, 2016: 39) em O Federalista, p. 48: “em toda parte, o Legislativo estende a esfera de sua atividade e suga todo Poder para seu vórtice impetuoso”.

1 comentário:

  1. Caro Livonildo Francisco Mendes, vou abreviar o meu comentários com estas breves palavras: se tuve que optar, optaria pela perspectiva do Platão,"governo dos melhores homens". Porque a pessoa humana é o mais alto valor moral. Respeitando-a, a política limita-se a ser uma técnica, subordina-se a ética...
    E em relação Federalismo, remete a seguinte interrogação: como enquadrar a falta cultura democrática dos nossos políticos e o étnico/cultural guineense?
    Obrigado.

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