Magníficos leitores, desejo-vos Boas Entradas. Faço votos para que 2019 seja o melhor de todos os anos. No post de hoje, vou falar (na
Primeira Parte) do ‘Federalismo Como
Solução Política’ para a Guiné-Bissau. Vou dividir este post em dois
pontos: No primeiro ponto, vou descrever, em síntese, os
aspectos esclarecedores do Federalismo. Neste
ponto, vou aproveitar a oportunidade para alertar aos meus leitores para
apreciarem, na nota de rodapé n.º 2, os comentários do Presidente da República
«PR», José Mário Vaz
«Jomav», vulgo de ‘Zeca’; e do Presidente do
PAIGC, Domingos Simões
Pereira «DSP», vulgo de ‘Matchú’. Ainda sobre a Revisão
da CRGB, pode ser encontrada no meu livro (Mendes, 2015: 448, 505) e no livro de Kafft Kosta (2007: 35, 245-246, 255-261, 527). No segundo ponto,
vou falar da pequena diferença que existe entre Federalismo Perfeito e
Imperfeito. Em jeito de conclusão, deixarei (como é
habitual) algumas provocações para reflexão.
Primeiro Ponto. Quer pela história
recente, quer pela hierarquia dos Poderes dominante no Ocidente no século XX, o
Federalismo é sempre avaliado em
relação ao modelo que rege os EUA: trata-se de um sistema político [ou melhor, forma de Estado] em que o governo (Federal) tem e exerce um Poder central, incluindo o legislativo,
o executivo, e judicial, enquadrando uma base
de Estados, com estatuto de igualdade, submissos a uma Constituição[1] comum que lhe respeita as
especificidades (Moreira, 2011: 16, prefácio). O Federalismo não resulta necessariamente da proximidade ou da
afinidade, mas do perigo que se
adivinha na manutenção de uma eventual completa independência das partes que
são convidadas ao compromisso Federal. Os laços
Federais estabelecem-se entre unidades
políticas que ou foram inimigas,
ou poderão vir a sê-lo. Mas a tensão é
difícil, requer energia e perseverança, exige uma liderança responsável e atenta (Soromenho-Marques, 2011: 26; Mendes, 2015: 506).
A força do Federalismo como solução
política reside no seu universalismo
e o verdadeiro alcance da
experiência americana consiste no facto
de ela ser uma sementeira de novos
tempos. A palavra Federalismo deriva
do conceito latino “Foedus”, que significa
Tratado, Contrato, União, Aliança, entre outros sentidos possíveis, localizáveis
no mesmo campo semântico. A ideia de Federalismo
sugere, assim, um acordo entre entidades políticas soberanas, gozando
de um estatuto formalmente idêntico, visando prosseguir em conjunto objectivos que a cada um dos membros da aliança, possibilitada pelo acordo, seria impossível de atingir. A
experiência histórica é fértil nesse tipo de fenómenos, de ligas e uniões entre
diversos tipos de Estado (de Cidades autónomas a Reinos e Repúblicas), visando enfrentar em conjunto ameaças à
sua integridade e sobrevivência. Independentemente
do maior ou menor peso conferido ao soberano ou ao cidadão, à segurança ou à liberdade
(vejam-se os casos de Hobbes e Locke), a
verdade é que a simples dominância
da matriz contratualista colocava de modo
incontornável o papel do indivíduo[2] no centro da construção do corpo político. Daqui se infere a importância da categoria de consentimento, que é um dos fundamentos
de qualquer teoria da cidadania (Soromenho-Marques, 2011: 27-28; Mendes, 2015: 506-507).
No que toca a cidadania no posto de comando, o Federalismo contemporâneo introduz uma inversão na lógica política tradicional. Em vez do tradicional “dividir para reinar”, com que se traduzia a experiência de
afirmação de líderes poderosos sobre povos inteiros, no Federalismo são os governos que são divididos e colocados ao
serviço dos cidadãos. Na arquitectura
essencial do federalismo encontramos dois sistemas políticos e de governo –
o Federal e o Estadual –, cujas competências e limites são reconhecidos e
articulados numa Lei Fundamental. O traço
comum essencial desses dois sistemas de Poder é que ambos são controláveis
e responsabilizáveis pelos cidadãos. Com efeito, um dos conceitos reitores do Federalismo é o de dupla cidadania, que
significa que cada cidadão singular
acumula os atributos do exercício da
cidadania tanto no plano Estadual como no plano Federal. O cidadão intervém nas duas esferas essenciais
da vida pública da Federação, a esfera do Estado
e a esfera da União. O cidadão elege os seus representantes, participa no processo de elaboração das
leis, é protegido nos seus direitos,
e responsável pelo cumprimento dos
seus deveres. O Federalismo constitui
uma notável tentativa de resposta
política aos problemas de um mundo cada vez mais globalizado. Trata-se de encontrar uma escala política que seja correspondente
ao nível dos problemas enfrentados
(Soromenho-Marques, 2011: 30; Mendes, 2015: 508-509).
O Federalismo duplo[3] implica a existência de
dois campos de Poder mutuamente exclusivos e demarcados, o governo geral e o governo
dos Estados, coexistentes no mesmo espaço
territorial, mas com soberanias
separadas e distintas, atuando de forma independente dentro da respectiva esfera, restringindo a acção Federal que pudesse invadir a autoridade regulamentadora Estadual (Stobe, 2016: 40).
Segundo Ponto. Nabais (2010b: 13, citado por Stobe, 2016: 40, 47) chama de Federalismo Perfeito ou propriamente
dito [primeiro grau] – EUA, RFA, Suíça e Canadá – aquele
que é construído da base para o topo,
no qual os Estados se associam para
criar uma nova entidade superior a
eles, para a qual transferem uma
série de Poderes. Por fim, tem-se um dualismo – dois centros de Poder: os Estados Membros
(Federados) e o Estado Federal
(União dos Estados Membros). Diz-se Federalismo
Imperfeito ou fictício [segundo grau]
– Brasil, Austrália, etc.
–, aquele que é construído de cima para
baixo, decorrente da descentralização política de Estados que, devido à imensidão de seu território ou à
acentuada diversidade de suas gentes,
constatam a impossibilidade de manter um
centro único de autoridade, como é o caso brasileiro (Mendes, 2015:
290-291).
No contexto
internacional, o Federalismo é
indicado como solução para pacificação. Hannah
Arendt (2015: 198, citada por Stobe, 2016: 51), põe em cheque a questão da soberania e afirma que os rudimentos de
um novo conceito de Estado –
Federalismo –, cuja vantagem é que o
Poder não vem nem de cima nem de
baixo, mas é dirigido horizontalmente
de modo que as unidades Federadas
refreiam e controlam mutuamente seus Poderes. Nesta ordem de ideias, a Juíza O’Connor afirmou que o Federalismo
aumenta a oportunidade dos cidadãos
participarem de um governo
representativo, mais próximo, capaz de lidar melhor com os problemas locais
e oferece um controle salutar sobre
o Poder governamental (Schwartz,
1984: 76, citado por Stobe, 2016: 51).
Após intenso debate
nacional – em 1787 na Convenção de Filadélfia[4], a Constituição americana incorporou
o “triunfo do centro sobre a periferia e o triunfo do princípio dos controles e
equilíbrios sobre o princípio da supremacia legislativa[5]” e criou um executivo
nacional forte, um Senado poderoso e um judiciário nacional (Madison, Hamilton
& Jay, 1993: 24-27, citado por Stobe, 2016: 39). Pelas suas características,
a Federação é um modelo de
organização do Estado que permite aproximar a vontade do cidadão da decisão
do governo, possibilitando que o “dono
do Poder”, que é o povo, participe da gestão da “coisa pública” (Stobe, 2016: 51).
A dinâmica Federal traduz-se por uma enorme capacidade de atracção e inclusão. O Federalismo convoca os cidadãos para a aventura de construir uma sociedade que não está
necessariamente unida nem por um passado partilhado, nem pela língua, nem pela unidade étnica ou cultural,
mas pelo projecto de um futuro comum com mais liberdade e paz. A Constituição,
segundo Alexander Hamilton, consiste
na extraordinária tarefa de responder à
questão acerca da (im)possibilidade de estabelecer
sociedades fundadas num governo
baseado na “reflexão e na escolha”,
rompendo com o jugo milenar de regimes políticos radicados no mero “acidente” ou na imposição da “força” (Soromenho-Marques, 2011: 30-31,
44, citado por Mendes, 2015: 509).
Em jeito de conclusão,
deixo-vos (como é habitual) com algumas provocações para reflexão. Será que o
Federalismo pode servir a Guiné-Bissau?
Uma vez que os cidadãos guineenses não estão unidos por uma língua única, nem
por uma unidade étnica e cultural, será que não podem unir-se em torno de um projecto de um futuro comum com mais
liberdade e paz? Apreciem a explicação e as imagens, e tirem as vossas ilações,
caros leitores.
[1] Para que a
Guiné-Bissau seja um Estado Federal é
preciso a existência de uma verdadeira
Constituição da República, diferente
da actual Constituição da República da Guiné-Bissau «CRGB» que o Estado tem apresentado. Pois, tal como
tenho frisado várias vezes, ao longo
dos meus estudos, a actual CRGB é um
produto da luta armada de libertação nacional de um Partido-Estado PAIGC, que, ao tentar adaptar-se à Democracia de forma enganosa, não libertou os
principais símbolos que são propriedades do Estado. As propriedades de um Estado democrático são do povo, com o seu território e Aparelho do Poder do Estado. Por estas razões, aconselho aos governantes, dirigentes partidários, decisores,
sociedade civil e aos governados guineenses que abracem com urgência as principais propostas de mudança que tenho
vindo apresentar (Mendes, 2015: 505).
[2] Aqui está uma boa oportunidade para refutar as palavras do PR da
Guiné-Bissau, Jomav (discurso
do fim do ano) e DSP
(conversa da ‘guinendadi’ na Rádio
Pindjiquiti), que trocaram ‘mimos’ sobre
onde reside o problema da Instabilidade
Política da Guiné-Bissau. Para
um, esse problema reside no Sistema
Político de Governo ou melhor, na Constituição
da República, enquanto para
outro, essa Instabilidade Política depende da mentalidade dos governantes políticos. Na minha maneira de ver, essa troca de ‘mimos’
entre os dois principais protagonistas do cenário político actual guineense, enquadra-se no meu post anterior [em que Platão opta pelo governo
dos melhores homens, enquanto Aristóteles abraça o governo das melhores leis]. Mas, há quem acrescente que num bom sistema eleitoral, sistema político
de governo, sistema de partidos políticos e regime político, mesmo os homens maus podem ser impedidos de fazer o mal. No entanto, quando se aposta nos maus sistemas políticos e regimes
políticos, as coisas ficam piores: o
mal cresce de forma exuberante e os homens
bons são impedidos de fazerem o bem, e pode até acontecer que sejam obrigados a fazer o mal. Na verdade, esta articulação de pensadores – Platão & Aristóteles – complementa-se, isto é, um bom regime político e sistema de governo necessitam de boas leis e principalmente de bons líderes, porque, segundo Platão o regime político e sistema de
governo podem ser até bons, mas tudo
vai depender de quem estiver no seu
comando, o que pressupõe que, se o seu
líder/chefe (governante) tiver a mentalidade
de ditador, o regime político será conotado
com a ditadura e o sistema partidário será conotado de monopartidário (Mendes, 2015: 530-531). No mesmo post, deixei esta advertência: Se os guineenses levarem em
consideração que existem ‘boas leis na Guiné-Bissau’, então, o problema deve estar nos homens políticos,
tal como argumenta Platão
– fiel à sua cidade ideal – que prefere o governo daqueles que são protegidos
pelas virtudes (verdadeiro saber e verdadeira razão), que muito naturalmente se
colocam num plano superior às leis. Vou chamar a atenção a Jomav, DSP e aos Politólogos (todos
aqueles que falam da política sem terem formação na área da Ciência Política)
para terem contenção com o que dizem,
porque tenho um extenso capítulo sobre a
crise política guineense de 2014 a 2019.
[3] O Federalismo dos EUA é um Federalismo Perfeito em que se
verificam, simultaneamente, uma estrutura
de sobreposição [cada cidadão sujeito simultaneamente a dois Poderes
Políticos e a dois Ordenamentos Constitucionais] e uma estrutura de participação [o Poder Político central como resultante
da agregação dos Poderes políticos dos Estados Federados] (Miranda, 2005: 57).
[4] Os Anti-Federalistas afirmaram não se
tratar de uma mera ‘Convenção’, mas de um sistema completo para o governo
futuro dos Estados Unidos. Richard Henry
Lee afirmava que sob a alegação de crise, os Federalistas queriam destruir por completo os governos estaduais e
fazer dos Estados Unidos um sistema consolidado (Madison, Hamilton & Jay,
1993: 33, citado por Stobe, 2016: 39).
[5] Dizem Madison,
Hamilton e Jay (1993: 338, citados por Stobe, 2016: 39) em O Federalista, p.
48: “em toda parte, o Legislativo estende a esfera de sua atividade e suga todo
Poder para seu vórtice impetuoso”.
Caro Livonildo Francisco Mendes, vou abreviar o meu comentários com estas breves palavras: se tuve que optar, optaria pela perspectiva do Platão,"governo dos melhores homens". Porque a pessoa humana é o mais alto valor moral. Respeitando-a, a política limita-se a ser uma técnica, subordina-se a ética...
ResponderEliminarE em relação Federalismo, remete a seguinte interrogação: como enquadrar a falta cultura democrática dos nossos políticos e o étnico/cultural guineense?
Obrigado.