Ilustres leitores, um especial cumprimento a todos. O post de hoje vai constituir a
segunda parte do post anterior.
Vou começar por reforçar algumas ideias-chave do Federalismo Perfeito debatidas pelos construtores do Modelo Político
dos EUA. O objectivo central do título
deste post – o Futuro Político da Guiné-Bissau Está no Federalismo Perfeito
– é convidar os intelectuais
guineenses e amigos da Guiné-Bissau a reflectirem sobre uma das soluções políticas estáveis e duradouras para o
bem-estar da Nação Guineense. É um post que facilita a compreensão de que um Bom Modelo Político precisa de Políticos de Virtudes & Governantes com Prudência.

A
primeira inovação da experiência
norte-americana – no domínio do Federalismo Perfeito – reside na própria ideia de Constituição
como lei fundamental, que deveria regular as relações entre Governantes e Governados na base dos conceitos
fundamentais de soberania popular e
de igualdade de todos os Cidadãos
perante a lei. A Constituição Federal
implicava, no dizer de Hamilton, uma
mudança radical no ponto de vista que presidia à sua construção. O centro de
gravidade assentava numa concepção prospectiva, visando prever e satisfazer
necessidades de um futuro longínquo e estratégico. Era uma Constituição que
vivia a expectativa do porvir e que procurava responder às necessidades e aos
desafios que aguardavam no presente o seu momento de aparecimento. Hamilton dizia «as Constituições de
Governo Civil, não devem ser estruturadas
apenas com base numa avaliação das exigências existentes, mas sim com base numa combinação destas com as exigências prováveis
dos séculos, em conformidade com o curso natural e experimentado dos assuntos
humanos (…)». Deve existir uma capacidade para providenciar as contingências
futuras à medida que ocorram. A Constituição
Federal americana rompia com o passado e com o presente para entrar nos
terrenos inéditos do futuro. Esta Constituição
coincidia com o próprio nascimento da ordem política, jurídica e administrativa
da nova nação (Soromenho-Marques, 2011: 79-81; Mendes, 2015: 511).
Nesta
ordem de ideias, Thomas Paine propôs
que a Revolução Americana marcasse o início de uma nova era na história do
mundo, tornando-se o paradigma do contrato social, já não como ficção reguladora
ou ideia racional, mas como referência factual e concreta. A melhor Constituição para Madison é
aquela que melhor protege os direitos das
minorias, e dessa minoria mínima que é o indivíduo. É aquela [Constituição] que garante os direitos dos derrotados em actos eleitorais,
protegendo-os da ignóbil/vergonhosa tentação para os forçar a confundir
liberdade com obediência à vontade da maioria. O que significa que um dos motivos pelos quais se deve
respeitar a minoria, em vez de “a obrigar a ser livre”, é porque a minoria pode estar certa, e a maioria
errada. É por isso que a política se
manifesta, para Madison, como uma actividade que implica uma forte
componente científica. Neste sentido, a
grande novidade da Constituição norte-americana consiste na sua dupla
natureza. Por um lado, a Constituição
norte-americana é Republicana,
quanto à organização em departamentos distintos do Sistema de Governo, e por outro lado, a Constituição
norte-americana é Federal, no que
concerne à fragmentação pelo espaço geográfico dos diversos dispositivos e
competências governamentais. O republicanismo
significa a constituição de um Estado fundado na soberania popular, no
império das leis, na separação de Poderes, no respeito pelas minorias e pelos
indivíduos (Soromenho-Marques, 2011: 81, 84, 86-87; Mendes, 2015: 511-512).
O republicanismo, fundado no princípio
de que o Povo elege de entre si os melhores representantes – Governantes
& Decisores – para as mais altas
esferas da governação, poderia permitir a selecção dos Cidadãos com maior preparação académica e científica, aliadas à dedicação à causa pública, para o desempenho das tarefas de gestão política. O uso da política ligada à forte componente científica é adequado, contudo, ligado a
uma dimensão de dignidade ética e de
elevação intelectual dos representantes,
sobretudo daqueles escolhidos para altos
cargos na Administração Federal.
Esse republicanismo patente na Constituição Federal aprofunda “o princípio da representação” que os Antigos apenas imperfeitamente conheciam. Nas palavras de Madison «a verdadeira distinção entre estes Governos [os Regimes Políticos
de Democracia da antiguidade] e os
americanos [tanto o da União como o dos
Estados] reside na total exclusão do
Povo da administração, na sua capacidade colectiva, de qualquer participação nos últimos [EUA], e não
na total exclusão dos representantes do Povo da administração dos primeiros
[Democracias antigas]». A Constituição Federal
não é só um texto incompleto, como é um texto aberto, um texto seminal contendo
possibilidades adormecidas, aguardando o melhor momento para germinar
(Soromenho-Marques, 2011: 86-87, 89; Mendes, 2015: 512).
Verificamos
aqui fortes semelhanças com a estrutura do meu Modelo Político de Governação
para a Guiné-Bissau, com os seus respectivos três blocos. Ao contrário do Federalismo
Clássico/Antigo, que era essencialmente construído a partir de fora, isto é, em função das exigências de coordenação
defensiva contra ameaças militares externas, e a partir de cima, pela
articulação dos órgãos de cúpula das diversas unidades, o Federalismo Americano/Contemporâneo
era determinado a partir de dentro,
pelas necessidades de manutenção das liberdades e direitos republicanos, e a partir da base, na medida em que os Cidadãos constituíam a única e mais radical fonte de Poder para ambas as séries
de Sistemas Políticos (da União e dos Estados). Essa viragem fundamental que Hamilton expressa do
seguinte modo: «(…) temos de alargar a autoridade da União às pessoas
dos Cidadãos – os únicos objectos próprios de governação»; também se pode
designar sinteticamente por dupla cidadania, e conduz à constituição de um
Sistema Político geral ou comum que assegura as tarefas da governação, no
âmbito de toda a União, em torno do núcleo reduzido, mas fundamental de
competências. Essas competências permitem o estabelecimento de uma relação
directa entre o Cidadão e o Sistema Político da União, quer em matéria de
direitos, quer no tocante a deveres, sem ser necessária a mediação dos Governos
Estaduais. Desta forma, é o Cidadão que se situa no centro do Sistema Político,
a igual distância e com idênticas prerrogativas, tanto perante o seu Governo
Estadual como face ao Sistema Político propriamente Federal (Soromenho-Marques,
2011: 91-92; Mendes, 2015: 513).
Na
verdade, os Pais Fundadores do Modelo americano tinham perfeita consciência
da necessidade de agilizar as relações entre os diversos Poderes no quadro Federal.
O Poder legislativo,
através das duas câmaras, a dos Representantes e o Senado, o Poder executivo, cujo
rosto é o Presidente Federal
eleito, e o Poder
judicial, cujo cume é constituído pelos juízes do Supremo Tribunal, estabelecem entre si
diferentes relações de controlo e vigilância mútuas, permitindo a
criação de um autêntico sistema de checks and balances
ou “freios e
contrapesos”. Para Hamilton, numa República Simples,
todo o Poder entregue pelo Povo é submetido à administração de um único Governo,
e as usurpações são prevenidas por uma divisão do Governo em departamentos
distintos e separados. Na
República Composta de América [e, eventualmente, da Guiné-Bissau], o
Poder entregue pelo Povo é, primeiramente, dividido por dois Governos distintos, e, depois, a parte
atribuída a cada um deles é subdividida entre departamentos distintos e
separados. Surge deste modo uma dupla segurança para os direitos do Povo. Os
diferentes Governos controlar-se-ão mutuamente ao mesmo tempo que cada um deles
será controlado por si próprio (Soromenho-Marques, 2011: 93, 96-97; Mendes, 2015: 513-514).
Numa
República é de
grande importância não só defender
a sociedade contra a opressão dos seus Governantes, mas defender cada parte da sociedade contra
a injustiça da outra
parte. Existem necessariamente diferentes interesses em diferentes
classes de Cidadãos. Se uma maioria estiver unida por um interesse comum, os direitos da minoria
ficarão pouco seguros. Embora toda a sua autoridade deva ser derivada e
depender da sociedade, a
própria sociedade será fragmentada em tantas partes, interesses e
classes de Cidadãos, que os direitos dos indivíduos, ou da minoria, correrão pouco perigo
de quaisquer conluios
de interesses da maioria. Num Governo livre, a segurança para os direitos civis deve ser a mesma que para os direitos religiosos
(Soromenho-Marques, 2011: 97; Mendes, 2015: 514).