A desastrosa matriz do Sistema
Político de Governo «SPG» Misto Semipresidencialista revela-se na formação de
diversos tipos de Governos – Governos de Iniciativa Presidencial “GIP”,
Governos de Alianças Partidárias do Presidente da República "PR", Governos de Iniciativa Militar “GIM”,
Governos de Vigilância Militar “GVM”, Governos de Extracção Não-Parlamentar e
Governos de Gestão – que são hoje vistos como soluções a evitar, só sendo admissíveis
em teoria e, ainda assim, como solução extrema de último recurso (Amaral, 2002:
7-15; Miranda, 1996: 136-137; Novais, 2010: 98-99).
O Governo de Gestão estudado pelo Professor Doutor
Diogo Freitas do Amaral (2002) pode ser considerado como uma das pistas que
constitui a base científica que sustenta a ideia do Governo de Meritocratas e
Tecnocratas Independentes e me faz sentir a necessidade de institucionalizar um
órgão desta natureza. Para Freitas do Amaral, os Governos de Gestão actuam, na
sua generalidade, de forma diferente dos outros, obedecendo a um princípio de
limitação da competência – ou seja, o Governo de Gestão abstém-se de tomar
decisões de fundo e a actividade política é reduzida. No entanto, apesar da sua
acção limitada, o Governo de Gestão tem de assegurar o princípio da
continuidade governativa, garantindo aspectos como o funcionamento dos serviços
públicos ou a manutenção da ordem pública. Um Governo de Gestão pode ser
constituído pelo governo em funções, que permanece no Poder após a sua demissão
(esta é a forma mais generalizada) ou pode ser designado pelo Chefe de
Estado/PR. Neste último caso, o Governo de Gestão poderá ser composto por
elementos diferentes dos que estavam em funções anteriormente. Existem, então,
duas formas de definir o Governo de Gestão: a) Um órgão «had hoc de
composição variável, incumbido pelo Chefe do Estado (…) de assegurar a gestão
dos assuntos corrente até à formação do novo governo»; b) Um governo
constitucional sujeito a uma limitação da sua competência, em virtude da sua
demissão ou falta de apreciação parlamentar de seu programa (Amaral, 2002: 7-8,
12).
Destas duas definições decorre
a distinção entre três espécies de Governo de Gestão: os “governos demitidos”
(pelo PR – são o núcleo essencial e paradigmático dos Governos de Gestão); os “governos
sem programa apreciado” (pela Assembleia) e os “governos demissionários” (em
que o Primeiro-Ministro "PM" apresentou a sua demissão ao PR mas este ainda não a aceitou). Embora
o tema seja controverso, Freitas do Amaral considera que os governos
demissionários são, sem dúvida, Governos de Gestão, porque perderam a sua
autoridade e declararam publicamente que não querem continuar a governar. Contrariamente
a estas três espécies, Freitas do Amaral defende que não podem ser considerados
de Governo de Gestão: os governos em funções se não demitidos (em caso de
dissolução da Assembleia); os governos em funções entre a eleição e a tomada de
posse do novo governo; e os governos nomeados, para um objectivo ou em
situações específicas, num tempo restrito (neste caso, podem ser chamados de
“governos de transição”) (Amaral, 2002: 13-15).
O Governo de Gestão não pode
ser compreendido sem uma referência ao sistema político de governo vigente no
país. Assim, no sistema parlamentar, sendo a confiança parlamentar a única
fonte de energia jurídico-constitucional, a falta de confiança do parlamento
determina a aplicação de um Governo de Gestão. No sistema presidencialista, a
mudança de governo pode ser tratada como uma remodelação ministerial, no
entanto, caso os ministros se demitam todos em bloco, os Poderes do governo
durante a crise dependem da orientação do Chefe do Estado/PR, que é a fonte da
existência e da autoridade do governo. Finalmente, no sistema
semipresidencialista, as soluções serão intermédias, conforme a modalidade
praticada. O fundamento do Governo de Gestão será sempre a falta de um pressuposto
de subsistência do governo, contudo, as noções aplicadas devem ser analisadas à
luz do sistema de governo em vigor no contexto em questão (Amaral, 2002:
17-19).
Tendo como base o sistema
político de governo semipresidencialista de pendor parlamentar português,
Freitas do Amaral destaca três aspectos relevantes nos Governos de Gestão: a
tendência da vida constitucional, os deveres positivos a cargo dos Governos de
Gestão e a limitação da competência dos Governos de Gestão. A tendência
da vida constitucional refere-se à “semiparalização”
da vida constitucional durante o Governo de Gestão, englobando diversos
aspectos: a interrupção do funcionamento normal do parlamento (embora o Governo
de Gestão se deva, tal como outros governos, politicamente responsável perante
a Assembleia); a caducidade das propostas de lei pendentes (porque não faz
sentido a Assembleia analisar propostas de um governo sem legitimidade); a
caducidade das autorizações legislativas; o congelamento da composição do
governo (não havendo, salvo em caso de força maior, remodelações ministeriais
no seio do Governo de Gestão). Quanto aos deveres positivos dos Governos de
Gestão, Freitas do Amaral destaca dois: o dever de concertação com o PR e com a
Assembleia, e o dever de cooperar com o governo anterior e com o PM do governo
seguinte. Apesar de não estarem juridicamente regulados (ao contrário do que
acontece nos EUA, onde a transferência de Poder entre administrações está minuciosamente
regulada), estes aspectos são muito importantes para a salvaguarda do interesse
nacional (Amaral, 2002: 19-28).
Finalmente, importa analisar a
limitação da competência dos Governos de Gestão, sendo este o seu aspecto mais
conhecido. Este princípio é muito relevante porque, por um lado, limita a
actuação destes governos ao mínimo indispensável e, por outro lado, encoraja à
resolução rápida das crises ministeriais. Os Governos de Gestão devem poder
praticar os actos incluídos na função administrativa, excepto os actos da alta
administração ou administração extraordinária (que traduzem ou aplicam os
princípios de orientação política de cada governo como, por exemplo, a
substituição de gestores públicos), que só são admitidos em caso de urgência.
Os actos da função política e da função legislativa são proibidos aos Governos de
Gestão, estando também admitidos, apenas, em caso de urgência. Perante estas
ideias, Freitas do Amaral apresenta três tipos de actos face aos Governos de
Gestão: os absolutamente proibidos, os genericamente permitidos e os
relativamente proibidos. Os actos absolutamente proibidos incluem: actos de
execução do programa do governo (incluindo a apresentação de propostas de lei
nele previstas), actos contraditórios com os fundamentos da demissão (se for o
caso), actos da inovação política fundamental ou que limitem a liberdade de
decisão do governo seguinte, actos de autorizações legislativas, e todos os
actos que não sejam estritamente necessários para assegurar a gestão dos
negócios públicos (Amaral, 2002:
28-35).
Nesta ordem de ideias, os actos
genericamente permitidos, englobam os actos da função administrativa, salvo as
excepções já referidas. Os actos relativamente proibidos são actos que, sendo proibidos,
podem ser permitidos a título excepcional, em determinadas condições (como os
actos de alta administração, já mencionados, por exemplo), nomeadamente, tendo
em conta a necessidade do acto, a sua urgência e a fundamentação expressa dos
dois primeiros elementos (Amaral, 2002: 35-38).
Para mais informações, consultar o
meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo
Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp.
352, 440, 450, 496-499). Lisboa:
Chiado Editora.
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