Ilustres leitores, neste
post começo por esclarecer o significado do conceito de tourada política, que tem marcado a sociedade guineense ao longo da
sua história (primeiro ponto). Em
seguida, abordo cinco pontos que marcam a actualidade política na Guiné-Bissau:
a tomada de posse de Baciro Djá (segundo
ponto); a barricada dos membros do Governo demitido (terceiro ponto); a viagem e declarações de Domingos Simões Pereira «DSP»
(quarto ponto); a posição delicada
de Biaguê Nan Tan, Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas «CEMGFA» (quinto ponto); e a geoestratégia/realpolitik entre
os países da sub-região e as Nações Unidas «NU» (sexto ponto). Termino com alguns conselhos aos principais actores deste xadrez político.


Primeiro
ponto. Tourada política é um termo utilizado na minha tese de doutoramento e na minha obra a partir da semelhança com as práticas
ancestrais em que o animal «touro» é castigado e torturado até ao limite. Na política, este termo
pode ser importado e adaptado, significando a prática de actos pouco adequado aos princípios democráticos contra uma pessoa
«político». Isto envolve diversos tipos
de ataque, nomeadamente, humilhações, injúrias e até violência física
(perseguição, espancamento, prisão/detenção, tortura, expulsão do país e morte).
Infelizmente, este não é um problema de
hoje – ao longo da história da Guiné-Bissau, quase todos os guineenses sofreram directa ou indirectamente com a tourada política. Este é um problema muito sério que deve ser combatido urgentemente, de todas as
formas possíveis. Mas há esperança porque,
de acordo com alguns estudos, o touro poderá até ser um animal pacífico, se não for incomodado.
Segundo ponto. O Presidente da
República «PR» José Mário Vaz «Jomav» deu posse
a Baciro Dja como novo Primeiro-Ministro «PM», nove meses depois de o mesmo ter sido obrigado a renunciar ao cargo por imposição do Supremo Tribunal de Justiça «STJ». Ao
intervir, o novo Chefe do Executivo guineense reiterou que “a legitimidade do Governo decorre de uma maioria parlamentar e da
responsabilidade perante o PR. Sem estas duas condições não há o regular
funcionamento das instituições". Jomav considerou o dia "inesquecível" e justificou a sua
decisão com o facto de que "só a segunda
força mais votada no âmbito da dinâmica parlamentar" conseguiu
ultrapassar o "bloqueio" na Assembleia Nacional Popular «ANP» (Voz daAmérica, 27-05-2016).
Como eu tinha anunciado anteriormente,
a nomeação de Baciro Djá parece estar relacionada com uma retribuição pelos serviços que prestou a Jomav e para o compensar face aos seus problemas com DSP. Se DSP tivesse reagido da mesma forma que Cadogo Jr. reagiu após a nomeação do seu
grande rival, Aristides Gomes pelo ex-PR
Nino Vieira, talvez estivesse numa melhor situação. O tempo que o Governo
de Carlos Correia durou, poderia corresponder à duração da primeira nomeação de
Baciro Djá. Findo este período, poderia
ser substituído de forma mais pacífica por alguém da confiança de DSP ou
ficar em gestão até à realização de novas eleições (que seriam, eventualmente,
antecipadas). Nessa altura, Cadogo Jr. foi muito
inteligente na sua forma de lidar com as pressões de Nino Vieira, acabando
por colher os frutos desta moderação.
Independentemente de tudo, dou as boas vindas a Baciro Djá enquanto PM empossado, porque defendo, como sempre, que “a cor do gato não
importa, desde que apanhe o rato”.
Ainda é cedo para falar do seu Governo, mas os guineenses ficarão à
espera para avaliar a sua actuação.
Terceiro ponto.
Entretanto, os membros do Executivo
demitido barricaram-se no
Palácio do Governo, em protesto
contra a nomeação pelo PR do novo PM. Agnelo Regalla, ex-ministro da Comunicação Social, afirmou que
"foi uma decisão assumida colegialmente e todos estão aqui para salvar a
democracia: na última das circunstâncias haverá dois Governos, um legítimo e outro ilegítimo", referiu. Agnelo
Regalla acusa o PR de querer dar posse a um Governo que sabe não ter suporte
político para depois "dissolver o parlamento" e manter em gestão um
executivo "à sua imagem",
em vez da equipa de Carlos Correia (Diário de Notícias, 27-05-2016).
A decisão de Jomav é compreensível mas não convence as pessoas de que Baciro Djá seja uma figura de equilíbrio, razão pela qual
estamos a assistir a um agravamento do clima
de tensão no PAIGC e na sociedade guineense. Do meu ponto de vista, Jomav
prefere ter um Governo de alguém da sua
confiança em gestão do que ter um Governo da confiança de DSP.
Esta barricada levanta duas questões: porque razão os
ex-membros de Governo não se barricaram
quando Carlos Correia foi demitido?
Por que razão escolheram precisamente o Palácio
do Governo para se barricarem? Na minha opinião, este protesto teria mais impacto se tivesse ocorrido
imediatamente após a demissão do Governo. Esta forma de barricar depois da
nomeação de Baciro Djá levanta suspeitas,
tal como foi avançado por outros blogues, que o objectivo é a destruição de provas antes da chegada de um
novo Governo ao Palácio. E, não podemos esquecer que o Governo demitido, assim como a ala pró-DSP, beneficiam do apoio de parte dos veteranos de guerra, entre os quais Carlos Correia e Manuel "Manecas" dos Santos. O Palácio do Governo está localizado num ponto
estratégico, junto a um importante
quartel militar (desde a época colonial até hoje) que foi ocupado pela
Junta Militar de 7 de Junho de 1998. Nesta linha de pensamento, para evitar
problemas ainda maiores, quanto mais rápido
terminar esta barricada, melhor será. Já foram veiculadas informações sobre uma
possível tentativa de Golpe de Estado,
o que causa grande preocupação. É a primeira vez que algo deste género
acontece, passando uma má imagem dentro
do país e para o exterior.
Quarto
ponto. DSP
regressou a Bissau depois de ter estado em Dakar com o presidente em exercício da CEDEAO, o PR senegalês Macky Sall. DSP fez um
périplo pela sub-região africana,
durante o qual abordou a situação política à luz da decisão do PR Jomav de nomear
pela segunda vez Baciro Djá como PM.
DSP reiterou
sem rodeios, que Jomav violou a Constituição por não ter auscultado os partidos com assento parlamentar nem o
Conselho de Estado, deixando clara
a sua intenção quanto a um eventual recurso ao tribunal. Ainda, elogiou a atitude dos membros do Governo
demitido que se encontram barricados, considerando-a um acto de resistência
(RFI, 29-05-2016).
Embora os elementos da polícia anti-motim tenham entrado no Palácio do Governo, os membros
do Governo de Carlos Correia mantêm-se
irredutíveis, e dizem que só
abandonam o local à força (RFI, 30-05-2016).
Os argumentos de DSP parecem bastante
válidos, contudo, há um ponto que mina
a sua credibilidade: o facto de não ter cumprido a decisão do STJ sobre a
readmissão dos 15 Deputados expulsos/retornados, faz com que ele tenha pouca moralidade para dizer que o PR
não cumpre a Lei. O elogio feito ao Governo barricado também não é adequado – DSP deve assumir
uma postura de demarcação face àqueles
actos, porque o Governo de Carlos Correia também foi nomeado e não
assistimos a este tipo de contestação. Quantos
Governos já foram nomeados na Guiné-Bissau à revelia do PAIGC ou do PRS? DSP deve recordar a Carlos Correia que ele também foi nomeado pelo ex-PR Nino Vieira, tendo
sido demitido por inconstitucionalidade, tal como aconteceu com a primeira nomeação de Baciro Djá. E
pior: Carlos Correia voltou a ser nomeado pelo PR sem ter havido qualquer outra
nomeação antes. Pela quarta vez,
Carlos Correia foi nomeado (sem nunca ter ido a eleições e sem ter sido
indigitado pelo partido), e ninguém se barricou. No caso do PRS, quantas vezes
o ex-PR Kumba Yalá nomeou PM sem ter
passado por um processo de auscultação
dos partidos políticos? Quatro. E quem é
que se barricou naquela altura? Esta forma de desrespeitar a nomeação de Baciro Djá pode trazer consequências indesejadas. As atitudes
de desrespeito que têm vindo a ser manifestadas durante o mandato de Jomav
mostram um desprezo pela sua figura.
No meu entender, Jomav deve assumir uma
postura que ponha fim a este desrespeito. Se o PAIGC quer mesmo assumir uma
postura democrática, ainda há tempo
de termos uma Constituição e uma profunda mudança
de mentalidades, que correspondam a uma verdadeira cultura democrática, articulando com a mudança do sistema eleitoral, sistema de partidos políticos e sistema político de Governo.
É preciso ter em conta,
neste contencioso, que se algo de errado acontecer à ala pró-Jomav, a ala pró-DSP será responsabilizada; tal como se
algo acontecer à ala pró-DSP, a ala pró-Jomav será responsabilizada. Além disso, não posso deixar de perguntar onde anda Cipriano Cassamá. Voltam as dúvidas se realmente está solidário com DSP
e com o Governo demitido. Também está barricado?
Quinto ponto. O Conselho de Ministros do Governo demitido responsabilizou o PR e o CEMGFA
pela violência contra cidadãos e pelo
eventual agravamento da crise política no país e pelas consequências que daí poderão advir (ANG, 30-05-2016).
Num post anterior,
eu já tinha sugerido ao CEMGFA Biaguê
Nan Tan que os seus discursos abrem
espaço à distorção e especulação, criando ainda
mais incerteza e instabilidade. Tal como aconteceu com o caso em que os membros do executivo foram impedidos por membros de forças de segurança de entrar nos respectivos gabinetes, a situação actual permite ao PAIGC conotar o CEMGFA, Biaguê Nan
Tan, com a ala pró-Jomav. Tal como eu já tinha avisado, as declarações do CEMGFA sobre o destino a dar aos
golpistas, se não fossem esclarecidas, abriam espaço a interpretações das duas alas (ala pró-Jomav e ala
pró-DSP). Uma vez que o STJ deu razão aos 15 Deputados expulsos/retornados, o PAIGC ficou em desvantagem. Por
isso, aproveitou as várias intervenções do CEMGFA, para
se posicionar contra Biaguê Nan Tan.
Sexto ponto. DSP exigiu que o
PR apresente o conteúdo da proposta
de Governo feita pelo PRS. Ora, se DSP não esclareceu ao fundo as razões que o
levaram ao Senegal nos últimos dias, como
pode fazer este tipo de exigência?
Antes das últimas declarações de Murade Murargy,
DSP era um aliado natural dos PALOP e da CPLP. A aproximação de DSP ao Senegal e a outros países da
sub-região, que não faziam parte dos seus aliados, deve levantar suspeitas.
Já alertei para a forte presença dos EUA na
sub-região através do quarteto
EUA–Cabo-Verde–Senegal–Guiné-Conakri (RTP, 02-05-2016), e também para o domínio das NU na Guiné-Bissau. Angola, que marcou presença na
Guiné-Bissau através das suas tropas, parece também querer aproximar-se dos países da sub-região, como revela o empréstimo de 150 milhões de
dólares (113,7 milhões de euros) à Guiné-Conacri (Expresso, 12-12-2011).
Ainda, a visita de Obama e do seu staff ao Senegal, a Cabo-Verde e
a Angola, revela também um esforço
de aproximação entre estes países
com fortes interesses na Guiné-Bissau (Euronews, 28-06-2013).
A presença das NU através de vários tipos
de representantes também não tem sido marcada pelo sucesso.
Espero que Modibo
Touré não traga consigo o rasto de “azar”
que ficou atrás dele em todos os países por
onde passou.
Finalmente,
para encerrar este conjunto de evidências, importa assinalar que o
Conselho de Segurança das
NU foi informado sobre a situação na Guiné-Bissau, numa reunião à porta
fechada em Nova Iorque, a pedido do Senegal. Os
membros do conselho pretendiam saber mais sobre a crise no país, sendo uma das suas
preocupações a possibilidade de uma intervenção militar caso a crise
política não seja resolvida (Observador, 26-05-2016).
Conclusão. De acordo com Maquiavel, dificilmente Baciro Djá será aceite
e muito menos será respeitado pela
ala pró-DSP. Por um lado,
porque «aquele [Baciro Djá] que chega ao Principado [PM] com a ajuda dos Grandes [PR & PRS] mantém-se com mais dificuldade do que aquele que o atinge com a ajuda do Povo»
(Maquiavel, 2007: 49-52; Mendes, 2010: 31). Por outro lado,
a sua nomeação revela que não permaneceu
neutro, tomando a posição mais vantajosa para ele e seguindo um dos
conselhos de Maquiavel: «num confronto entre as duas partes [entre Jomav & DSP], é preciso saber posicionar, na melhor das
hipóteses, do lado do amigo [Jomav] e não do inimigo» [DSP] (Maquiavel,
2007: 95-96).
Perante
isto, se Baciro Djá quer terminar o seu
mandato, terá de recorrer a duas
estratégias: em primeiro lugar, o método daquele árbitro que participa numa partida entre duas equipas com uma rivalidade muito intensa. Nesta
situação, o árbitro opta por dar um cartão
amarelo a todos os jogadores, incluindo aos que estão no banco, deitando
depois o cartão fora. Isto significa que, a partir daquele momento, qualquer passo em falso significa uma
expulsão (cartão vermelho). Em segundo lugar, deve rodear-se de membros de Governo e conselheiros competentes (embora eu não seja a favor de conselheiros), adoptando a técnica do “lobo
esfomeado” que, ao correr em plena velocidade, mantém a boca aberta para
apanhar qualquer passarinho que voe distraído.
Uma
vez que Jomav já apanhou o seu antigo homólogo Cavaco Silva no número de Governos (quatro),
resta esperar que não ultrapasse muito
mais, porque a Guiné-Bissau já conta com 19 Governos, em que nenhum
cumpriu o seu mandato na forma prevista na Lei (sendo que em Portugal são
21, com 5 que chegaram ao fim).
DSP e
o elenco de Governo demitido terão ainda
outras oportunidades para dar o seu contributo ao país (até porque alguns deles são jovens quadros com
potencial), por isso, devem deixar a
barricada e tentar resolver os
problemas dentro do PAIGC. Na
situação em que a Guiné-Bissau se encontra, o recurso à violência e às touradas
políticas deve ser liminarmente afastado. O
povo está cansado, pobre e sem a esperança de uma solução à vista. Até quando?
Para
mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo
Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 162-164, 179, 187,
470-471, 529). Lisboa: Chiado Editora.