Estimados leitores, este post divide-se em três partes.
Começo por apresentar as vozes que têm defendido a realização de eleições presidenciais e legislativas antecipadas na
Guiné-Bissau. E aproveito estas notícias para reflectir sobre o sistema eleitoral guineense e sobre as
consequências destas sucessivas quedas de
Governos na evolução política do país. Finalmente, analiso a proposta de Miguel Trovoada de
realização de um fórum de debate e
reflexão sobre a instabilidade política na Guiné-Bissau, tecendo algumas conjecturas sobre as
suas motivações.
Em Agosto de 2015, Cipriano Cassamá, presidente da Assembleia Nacional Popular «ANP» afirmou não ter dúvidas de que o próximo passo do Presidente da República «PR» José Mário Vaz «Jomav» seria "a dissolução do Parlamento". Tal
como ele, vários deputados, sobretudo, os da bancada que suportava o Governo de
Domingos Simões Pereira «DSP»,
defendiam a realização de eleições
gerais, legislativas e presidenciais (Sic Notícias, 13-08-2015). João Bernardo Vieira, porta-voz do PAIGC e Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, defendeu isso mesmo publicamente, alguns dias antes das
declarações de Cipriano Cassamá (Voz da América, 08-08-2015), alertando que esta
crise poderia conduzir à necessidade de convocação de eleições presidenciais
e legislativas antecipadas. Oito meses
depois, Bilone Nhasse, dirigente da organização das mulheres do PAIGC anunciou que apenas eleições gerais
(presidenciais e legislativas) antecipadas podem
tirar o país da situação caótica
em que se encontra (Angop,
15-04-2016).
O pedido de eleições
gerais na Guiné-Bissau obriga-nos a
reflectir sobre o sistema eleitoral guineense e sobre as consequências destas sucessivas quedas de Governos na evolução
política do país.
O defeito do sistema
eleitoral da representação proporcional segundo o método de Hondt dá-nos a
entender que o sistema eleitoral
guineense é, no fundo, um sistema de endividamento
e de estagnação do país. Por estas
razões concordo com a preocupação do Prof. Doutor Kafft Kosta, na medida em que quem ganha com este endividamento é o credor (comunidade internacional) e quem perde é o devedor (Guiné-Bissau). Ou seja: «não há dinheiro e andamos a fazer todos os esforços para a angariação
dos recursos necessários para a realização das eleições presidenciais de 5 em 5 anos e legislativas de 4 em 4 anos (e/ou com quedas constantes de Governos)
na data marcada; solicitamos à
comunidade internacional que disponibilize
os recursos (financeiros, materiais e humanos) necessários», sabendo que «os
países doadores se envolvem nestes
gestos de modo a obterem mais-valias
para os seus bolsos». Ou melhor,
a comunidade internacional «actua,
às vezes, sob capa de cooperante,
fazendo lembrar aqueles bombeiros que apagam o fogo com gasolina». Este
sistema eleitoral enquadra-se também na noção
de Milton Obote de que as «eleições são a via para controlar o povo[1]
e não para o povo controlar o Poder dos governantes». Parafraseando Rousseau, o povo guineense pensa ser livre, mas ele engana-se
redondamente; ele só é livre durante a
eleição dos membros da ANP e do PR; assim que estes são eleitos, o povo torna-se
escravo. E atendendo as
consequências que temos observado, nos curtos
momentos da sua liberdade, o uso que o povo faz da sua liberdade justifica bem que a perca (Kosta, 2007: 277-281, 467, 654; Lin, 2001: 19, citado por
Portugal, 2007: 15; Rousseau, 1762: 430 citado por Soromenho-Marques, 2011: 98).
O recurso a uma eleição legislativa antecipada não deve ser categoricamente descartado, tal como a possibilidade de
um Governo de Iniciativa Presidencial
«GIP». Tudo dependerá da realpolitik[2]
e da ética de responsabilidade em
causa. Neste sentido, vale a pena
analisar a proposta do representante das Nações Unidas «N.U.» para a Guiné-Bissau – Miguel Trovoada. Sob proposta de Miguel Trovoada, realizar-se-á a 27 e 28 de Abril, um fórum de debate e reflexão que incluirá
«instituições de Estado, partidos políticos, sociedade civil, forças religiosas e toda a
gente para falar das causas da
instabilidade e das grandes
vantagens que adviriam para o país
se de facto contasse com uma plataforma
que garantisse a estabilidade» (Rádio ONU, 15-04-2016).
Bem analisada, esta proposta do representante das N.U. revela uma preocupação que vai de braço dado com a filosofia política da ala pró-DSP. Mas por detrás da sua preocupação avista-se
uma grande suspeita, que me leva a fazer algumas conjecturas. Em primeiro lugar, se eu olhar para o slogan que diz “é melhor tarde que nunca”, questiono a razão pela qual Miguel Trovoada não apresentou uma proposta deste género durante esta longa instabilidade política em que a
Guiné-Bissau se encontra mergulhada. Espero que Miguel Trovoada não convide para esse debate de ideias os mesmos protagonistas
de sempre. Em segundo lugar, se a proposta de Miguel Trovoada for interpretada como “uma manobra dilatória” cuja intenção é
de distrair/adiar a decisão do PR Jomav
de derrubar o Governo (para que a ala pró-DSP possa ganhar tempo), então isso poderá levar a ala pró-Jomav a acelerar a queda
do Governo de Carlos Correia através
da pressão dos 15 Deputados, PRS e alguns veteranos de guerra sobre o PR Jomav. Em terceiro lugar, se o PR
Jomav perceber que há um acordo
entre a ala pró-DSP e o PRS para este partido integrar o Governo numa eventual remodelação governamental, pode ter dificuldade em derrubar o PM Carlos Correia. Mas também pode acontecer (embora seja pouco
provável) um acordo de paz dentro do
PAIGC (incluindo, por exemplo, o Governo e os 15 Deputados) que não seja do agrado do Jomav. Se Jomav se sentir encurralado tanto com a reviravolta do PRS como com a dos 15 Deputados no xadrez político, caber-lhe-á a última a palavra.
Para terminar, coloco à disposição de todos um aviso, que poderá ser útil tanto para a ala pró-DSP como
para a ala pró-Jomav. Na política tal
como na guerra: a) «quando cercares um exército, deixa uma saída livre».
Isto não quer dizer que deixe o inimigo escapar. O objectivo é «fazê-lo crer que existe um caminho para a segurança,
assim evitando que ele lute com a coragem do desespero». Se quiseres «depois,
podes esmagá-lo»; b) «não pressiones demasiado um inimigo desesperado», pois «quando
encurralados, os animais usam as suas garras e dentes para lutar até a morte».
Por isso é que alguns guineenses pensam
por vezes que o Gato se transforma
numa Onça quando é encurralado num quarto; c) «Aquele que
deixa escapar uma vantagem/oportunidade, atrairá para si próprio o verdadeiro
desastre» (Sun Tzu, 2007: 120, 127). Portanto, para as partes em confronto, quem não tiver estes preceitos em consideração,
está sujeito a engolir não só o isco, mas também o anzol, a linha, a bóia e o chumbo.
Para mais
informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador -
Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 356, 441-442). Lisboa: Chiado
Editora.
[1] Parafraseando Plutarco, desenganem-se os
que acreditam que na Democracia guineense o Povo é que manda. O Modelo Político
de Governação em vigor na Guiné-Bissau faz notar que cabe ao Presidente da
República «PR» (formalmente) a última palavra em muitas matérias e o seu
veredicto é definitivo, pelo que, na verdade, é a ele que compete (e não à
Assembleia nem ao Primeiro-Ministro) a voz todo-poderosa da Democracia (Keane,
2009: 78-79; CRGB, 1996: art. 68º-70º, 104º).
[2] A realpolitik
pode ser entendida como a capacidade de ler/interpretar e assumir o mundo tal
como ele é. Nesta perspectiva, Lord Palmerston defende que «nós não temos
aliados eternos ou inimigos perpétuos, só os nossos interesses são eternos e
perpétuos e é nosso dever segui-los» (Mendes, 2015: 189-190; Palmeira, 2006:
60). Na ética da responsabilidade (segundo Max Weber), o indivíduo preocupa-se com as
consequências da sua própria acção. Neste sentido, aceita a irracionalidade do
mundo, tendo consciência que nem sempre as boas acções resultam em coisas boas
e as más acções em coisas más (Weber, 2005: 107).
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