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domingo, 17 de janeiro de 2016

Os clássicos Plutarco, Maquiavel e John Locke oferecem lições políticas aos veteranos e políticos guineenses

O passado persegue os políticos do PAIGC e da Guiné-Bissau: ao longo da sua história até hoje têm enfrentado os mesmos problemas, e o seu desfecho é sempre desagradável. O PAIGC deve escutar a voz de John Locke: “o Poder, além dividido, deve ser controlado”, e se o Poder executivo não agir em conformidade com os fins para que é constituído, isto é, se usurpar a liberdade, deve ser arrebatado das mãos que o detêm (Fernandes, 2004: 32-33; Locke, 2006: 329-331).

Os conflitos políticos na Guiné-Bissau levam-me acreditar que realmente a guerra e a política são faces da mesma moeda. Ou seja, se os guineenses entendem a guerra como a continuação da política por outros meios, então devem perceber também que a política é a continuação de guerra com outros meios (Arendt, 2007: 125; Foucault, 2002: 283; Kosta, 2007: 646; Lara, 2000: 22; Mendes, 2010: 33). A este respeito realço dois pontos essenciais que muitas vezes podem estar nas origens de muitos conflitos.
Quanto ao primeiro ponto, devo referir a tentativa de implementar qualquer reforma/modernização. Aqui, nós guineenses devemos compreender que não há nada mais difícil de planear, de êxito mais incerto e mais perigoso de gerir, que empreender a criação de novas instituições; porque aquele que o faz terá por inimigos todos aqueles que estavam bem com a velha ordem e por fracos defensores todos aqueles que beneficiarão com a nova ordem. Essa fraqueza resulta em parte do medo dos adversários, que têm as leis do seu lado, e em parte da incredulidade dos homens, que, na verdade, não acreditam nas coisas novas enquanto não tiverem sido sujeitas à prova da experiência. De onde resulta que sempre que os do campo inimigo têm uma oportunidade de atacar, fazem-no com fervor partidário, enquanto os outros se defendem parcamente. De maneira que, junto deles, o líder/governante corre perigo (Maquiavel, 2007: 35).
Quanto ao segundo ponto, tem a ver tanto com os apoios dos veteranos do PAIGC, como com as alianças parlamentares. Segundo Maquiavel, muitas vezes, as causas reais da guerra e do estabelecimento de alianças são ocultadas. O caso da crise política na Guiné-Bissau enquadra-se na leitura de que «num confronto entre as duas partes, é preciso saber posicionar, na melhor das hipóteses, do lado do nosso amigo e não do inimigo. Isto é, quando se declara abertamente a favor de alguém contra o outro. Esse partido é sempre mais útil que permanecer neutral. Ou seja, se dois vizinhos teus, poderosos, começam a esmurrar-se, ou são de qualidade que, vencendo um deles, devas temer o vencedor ou não. Em qualquer destes casos, ser-te-á sempre mais útil tomares partido e bateres-te bem. Porque no primeiro caso, se não te declarares, serás sempre presa do vencedor, com prazer e satisfação daquele que foi vencido, e não terás razão nem coisa alguma que te defenda nem que te dê refúgio. Porque quem vence não quer amigos suspeitos e que não o ajudem na adversidade; quem perde não te dá abrigo, por não teres querido, de armas na mão, partilhar a sua fortuna» (Maquiavel, 2007: 95-96).
Como Sociólogo-Politicólogo guineense/africano, subscrevo quem defende que na política a força daquele que foi derrubado reverte a favor daquele que ficou em vantagem, sempre acompanhada de uma maior reputação. Mas, atacar por inveja um homem honesto que chegou ao primeiro nível graças à sua moralidade, não é favorável à reputação nem útil seja a quem for: quando a multidão ofendeu um homem honesto, se vier a arrepender-se, como acontece rapidamente após o golpe de raiva, toma a justificação mais fácil pela mais legítima, eliminando assim aquele que a incitou e lhe deu o sinal. Com base nesta ordem de ideias, aconselho os guineenses a usarem a estratégia que Sólon usou para ter um melhor ponto de partida quando os políticos gregos estavam em conflito e divididos em três partes: não se misturou com nenhuma das três partes mas permaneceu comum a todas, falando e agindo em tudo para a concordância, sendo eleito legislador em vista de as reconciliar – e é assim que estabeleceu um Poder sólido. Uma entrada em política particularmente brilhante tem, portanto, este género de início (Plutarco, 2009: 28-31).
No entanto, àquele que por sede insaciável de glória e Poder se encarrega de todos os assuntos da governação e se intromete nos domínios para os quais não se constitui nem preparou, não tem desculpa para os seus erros (Plutarco, 2009: 46-49). Portanto, acredito que «uma sociedade de pura integração e sem conflitos não existe, e uma sociedade em contínuo, radical e irrecuperável é impossível»; e que a Guiné-Bissau alcançará a estabilidade política (Neves, 1978: 127 citado por Kosta, 2007: 648).

Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador – Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 145, 154-155, 163, 201, 492, 537-539). Lisboa: Chiado Editora.

3 comentários:

  1. Magnifico texto que me fez pensar:estará o bom povo da nossa Guiné já com cultura suficiente para o entender?
    Seria óptimo que isso sucedesse.

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  2. Caro António Leite de Magalhães, muito obrigado pelo seu comentário. Em relação à sua questão pertinente, para ser sincero consigo, acho que o povo guineense não está ainda suficientemente preparado para compreender algumas das minhas mensagens, tanto aqui no blogue como no meu livro. Contudo, as mudanças devem desenrolar-se aos poucos, através do debate e da discussão construtiva de ideias. Se o Estado guineense começar a investir fortemente na formação das pessoas (e eu espero que isso venha a acontecer), essa mudança irá ocorrer paulatinamente. Tento inspirar-me nos melhores modelos (tanto ocidentais como africanos), procurando adaptar o que têm de bom para a realidade guineense. O seu comentário prova que, pelo menos algumas vezes, consigo passar a mensagem, e isso já me deixa bastante satisfeito. Temos de continuar a trabalhar em conjunto neste esforço para esclarecer a sociedade guineense. Espero que continue a comentar

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  3. Caro compatriota, sou um guianense, amante da paz e da liberdade, contrário esta última de libertinagem. Gosto de ler, de partilhar e de auto-difractar-me, buscando assim, aliás, tentando assim descobrir o porquê de nós, os guineenses, perdermos a coragem de buscar algo que nos perdeu da nossa indentididade. Desde logo, sugiro que alguns como o senhor, organizem debates em liceus e escolas superuores no país, a fim de inculcarem aos mais jovens as vossas ideias, os vossos conhecimentos, quiçá alguns aproveitem e isto mude o comportamento de que "todos somos iguais e portanto não há solução para o que nos acontece". Parabéns e até breve. Você me inspirou em algo muito importante.

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